- Author, Paul Adams
- Role, BBC News
Quando o Hamas atacou Israel, quase três meses atrás, Israel estava despreparado. Não previu o ataque, teve dificuldades para contê-lo inicialmente e depois lançou uma invasão em larga escala na Faixa de Gaza com apenas um esboço de plano: destruir o Hamas.
Além disso, havia um vácuo significativo. Mas isso está começando a mudar.
Como delineado para os jornalistas na quinta-feira (4/1), o plano do ministro da Defesa, Yoav Gallant, para “o dia seguinte” é pouco mais do que uma série de tópicos, mas vale a pena examiná-los.
Sobre segurança, ele não diz realmente nada que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu já não tenha dito – Israel vai “reservar sua liberdade operacional de ação” em toda a Faixa de Gaza e garantir que ninguém represente uma ameaça a Israel.
É quando o plano aborda o que chama de “os quatro esquinas da praça civil” que as coisas ficam um pouco confusas.
O controle rígido de Israel sobre a entrada de mercadorias na Faixa de Gaza – uma realidade nas últimas duas décadas – continuaria.
Israel, Egito e Estados Unidos trabalhariam juntos para encontrar maneiras de garantir a fronteira porosa entre o Egito e Gaza – algo que envolveria resolver o problema dos túneis de uma vez por todas.
No entanto, o plano prevê um papel importante para atores estrangeiros – os Estados Unidos, além de governos europeus e árabes – na criação de uma “força-tarefa multinacional” com responsabilidade pelo que é eufemisticamente chamado de “reabilitação da Faixa de Gaza”.
Em outras palavras, espera-se que esses países reconstruam toda a área devastada. E paguem por isso.
Para esses países, especialmente da União Europeia e dos Estados do Golfo, que viram seus investimentos anteriores – hospitais, escolas e universidades – serem reduzidos a destroços nos últimos três meses, isso está longe de ser uma perspectiva tentadora.
Mesmo que Israel tenha sucesso em seu objetivo de eliminar o Hamas como uma ameaça, quem garante que a violência não surgirá no futuro, desencadeando mais uma rodada de destruição?
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, está em sua mais recente visita à região – a quarta desde 7 de outubro. À medida que ele viaja de uma capital árabe para outra, quanto entusiasmo ele provavelmente encontrará entre líderes chocados com as cenas de sofrimento infligidas a Gaza?
Até agora, a visão árabe tem sido que, até que haja um cessar-fogo e as devastadoras consequências humanitárias da guerra sejam adequadamente abordadas, é impossível falar sobre “o dia seguinte”.
Mas, escrevendo para o think tank britânico Chatham House, Sanam Vakil e Neil Quilliam instam os governos árabes a não esperarem.
“Sem um planejamento regional sério e investimento em Gaza”, eles escrevem, “um resultado potencial que poderia se materializar é a falta de lei e ordem e um vácuo político na Palestina, ao lado da triste realidade de fome, doenças e morte.”
E quanto a esse “vácuo político na Palestina”?
No plano das “quatro esquinas” de Gallant, o componente palestino é talvez o mais vago.
“Diz que a entidade que controla o território”, continua, “vai construir sobre as capacidades do mecanismo administrativo existente (comitês civis) em Gaza – atores locais não hostis.”
De acordo com relatos da mídia, todas as nomeações para comitês locais teriam que ser aprovadas por Israel.
Não há papel para o Hamas, obviamente, mas também nenhum – pelo menos por enquanto – para a Autoridade Palestina, sediada na Cisjordânia, e seu presidente Mahmoud Abbas.
Para os palestinos, o plano ecoa um esforço israelense fugaz, no final da década de 1970, para promover “Ligas de Vilarejos” não políticas para administrar os assuntos locais na Cisjordânia e na Faixa de Gaza (e assim reduzir a influência da Organização para a Libertação da Palestina).
“Israel não pode conceber uma ideia em que os palestinos tenham agência política”, diz Amjad Iraqi, editor sênior da revista israelense independente 972.
“Basicamente, eles estão tentando replicar em Gaza o modelo que têm na Cisjordânia, mas com alguém que não seja uma facção política organizada.”
A utilização de comitês locais compostos por notáveis de Gaza teria também o efeito de separação política da Faixa de Gaza em relação à Cisjordânia.
Os palestinos sempre foram cautelosos em relação ao que veem como uma política israelense deliberada de dividir e conquistar, visando, em parte, impedir o estabelecimento de um estado palestino viável.
Embora a Cisjordânia e Gaza estejam fisicamente separadas desde a criação do Estado de Israel em 1948, os palestinos consideram ambas as regiões como partes integrantes de sua identidade nacional e resistirão firmemente a qualquer tentativa de romper essa conexão.
“A Faixa de Gaza não é um país separado”, afirma a analista e ex-porta-voz da Autoridade Palestina, Nour Odeh. “Eles têm as mesmas aspirações à autonomia e à liberdade do controle e ocupação israelenses.”
Autoridades dos EUA, que afirmam estar examinando ainda o plano de Gallant (e destacam que ainda não é uma proposta oficial israelense), parecem não estar muito entusiasmadas com o plano.
Há semanas, a administração Joe Biden insiste que deve haver um papel para a Autoridade Palestina, apesar da oposição de Netanyahu, que argumenta que a Autoridade Palestina se desqualificou ao não condenar os ataques do Hamas em 7 de outubro.
Viajando com Blinken, um alto funcionário do Departamento de Estado disse que os EUA ainda querem ver a Autoridade Palestina governando os territórios palestinos – ou seja, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza.
Ele também afirmou que seria difícil para os EUA conseguir que parceiros árabes concordassem em trabalhar com Israel quando alguns membros do governo de Netanyahu estavam pedindo abertamente que os palestinos fossem reassentados fora de Gaza.
Esse continua sendo o maior receio dos palestinos, alimentado por retórica inflamada de alguns aliados políticos de Netanyahu e documentos de políticas de partes obscuras do governo.
Nos últimos dias, esses medos foram intensificados por relatos de que o governo estaria conduzindo negociações secretas com países africanos para aceitar migrantes de Gaza.
Com uma grande proporção da população civil de Gaza agora aglomerada na parte sul da Faixa, alguns deles tendo se deslocado várias vezes desde 7 de outubro, a ideia de que possam ser forçados a buscar refúgio fora de Gaza – sem a certeza de poderem retornar – é profundamente alarmante.
Mas não são apenas os palestinos que são céticos quanto ao plano de Gallant.
Alguns dos opositores são membros linha-dura da própria coalizão tumultuada de Netanyahu.
Alguns deles acreditam que foi um erro fundamental para Israel se retirar da Faixa de Gaza em 2005. A única maneira de garantir a segurança, argumentam, é para Israel reocupar toda a área e permitir o retorno de colonos judeus.
Sobre isso, Gallant parece bastante direto.
“Não haverá presença civil israelense na Faixa de Gaza.”
Mas para os linha-dura, reconstruir Gaza e permitir que os palestinos permaneçam é “apenas criar problemas.”
“Voltaremos a 7 de outubro, talvez em dois anos, cinco anos, 10 anos”, diz Ohad Tal, um deputado do linha-dura Partido Sionista Religioso.
“Permitir que dinheiro do mundo inunde Gaza para reconstruir as casas basicamente significa que eles pegarão todo o dinheiro e, como antes, em vez de transformar Gaza em uma Singapura, eles a transformaram no maior ninho de terror do mundo.”
O amplamente divulgado desentendimento na reunião do gabinete de governo na noite de quinta-feira, sobre a questão separada, mas relacionada, de quando e como o exército israelense deveria examinar as circunstâncias envolvendo os ataques de 7 de outubro, foi uma poderosa demonstração das nítidas divisões dentro do governo de Netanyahu.
Essas divisões provavelmente se aprofundarão à medida que Israel e o mundo lidam com o que fazer com Gaza quando esta guerra finalmente terminar.
Fonte: BBC
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