- Author, Christine Ro
- Role, BBC Future
Já se passaram mais de 40 anos, mas a nadadora americana Penny Lee Dean se lembra vividamente do frio.
O treinamento foi brutal durante a preparação de Dean para o que seria uma prova recorde (independentemente do sexo) de natação através do Canal da Mancha em 1978.
“Tive cãibras nas mãos, cãibras nas pernas”, lembra ela. Depois de sair da prova de natação em águas abertas, ela levaria horas para ela começar a sentir calor novamente.
Um banho quente de 20 minutos não foi suficiente. Nem um mergulho em banheira de hidromassagem. Assim que uma banheira esfriava, ela entrava em outra segurando uma xícara de chá.
Embora o frio fosse de “gelar os ossos”, vencê-lo foi essencial para Dean atingir seu recorde.
A capacidade de tolerar o frio extremo é uma das vantagens que as mulheres podem ter neste esporte, pois a distribuição da gordura ajuda a regular a temperatura corporal na água fria.
Dean acredita que as mulheres também têm maior tolerância ao desconforto.
Na verdade, as mulheres podem superar ou ter um desempenho semelhante ao dos homens em uma série de competições, do tiro desportivo até corridas de longa duração.
No entanto, o caminho para uma maior inclusão não tem sido linear e permanecem mais perguntas do que respostas sobre o papel do sexo no desempenho esportivo.
Uma comparação complicada
O pesquisador Øyvind Sandbakk, professor de Ciências do Esporte na Universidade Ártica da Noruega e diretor da Escola Norueguesa de Esportes de Elite (NTG), descobriu junto com colegas que as diferenças no desempenho médio entre mulheres e homens atletas de elite tendem a se estabilizar em cerca de 8–12% de diferença nos resultados recordes mundiais a favor dos homens.
A diferença pode ser significativamente menor para a natação de ultra resistência e maior para modalidades que envolvem força substancial da parte superior do corpo, concluiu o estudo.
“Em eventos de longas distâncias, a capacidade de conciliar mais fatores, desde o clima até a dor, torna-se particularmente importante”, diz Sandbakk.
O conjunto de concorrentes também pode ser restrito devido ao preconceito de gênero. Alguns esportes com elementos “estéticos” foram estereotipados como femininos, enquanto artes marciais, como o boxe, são consideradas menos aceitáveis para as mulheres em certas sociedades. Nenhum homem participa da natação artística na Olimpíada de Paris, por exemplo.
Também é muito difícil separar os aspectos biológicos e sociais que contribuem para as diferenças entre mulheres e homens no desempenho desportivo, diz Sandbakk. Eles incluem o acesso desigual às oportunidades de treinamento. E o contexto é essencial.
No entanto, em provas de longa distância, ser mais comedido nas velocidades e ritmos iniciais pode ser uma vantagem. As mulheres geralmente parecem distribuir melhor o ritmo, por exemplo, em maratona, segundo Sandbakk.
E a competitividade não é apenas uma questão de fisiologia, mas também de condicionamento social e de psicologia. Embora a maior parte da pesquisa seja centrada nas proezas atléticas das crianças, há algumas indicações de que o ambiente social de meninas pode afetar a sua competitividade em comparação aos meninos.
De acordo com um consenso científico emitido em 2023 pelo Colégio Americano de Medicina Desportiva, as diferenças no desempenho atlético entre mulheres e homens são “mínimas” antes da puberdade, quando começa a crescer uma disparidade na avaliação dos gêneros.
Os níveis de testosterona estão geralmente ligados ao tamanho e força muscular, bem como à maior concentração de hemoglobina e, portanto, melhor captação de oxigênio.
Também tem sido associado a mais competitividade nos homens. Em termos de competitividade, a testosterona influencia a tendência dos homens para assumirem mais riscos, tanto dentro como fora do esporte.
Há pesquisas limitadas sobre como a testosterona afeta as mulheres (ou como o estrogênio afeta os homens). Homens e mulheres geralmente não apresentam níveis parecidos de testosterona. Em seu livro Better Faster Farther: How Running Changed Everything We Know About Women (Melhor, mais rápido e mais longe: como a corrida mudou o que sabemos sobre as mulheres, em tradução livre), Maggie Mertens escreve que as médias podem mascarar a grande diversidade de faixas hormonais.
Não existe uma relação linear clara entre os níveis de testosterona e o desempenho, diz Mertens, jornalista especializado em esporte e gênero. “Na verdade, muitos atletas masculinos de elite têm, em média, níveis de testosterona bastante baixos.”
E Mertens diz que mesmo as mulheres com hiperandrogenismo, que podem ter níveis de testosterona que atingem os níveis típicos masculinos, não têm o mesmo nível de desempenho que os homens.
Grandes distâncias
Antes de seu recorde no Canal da Mancha, Dean também havia estabelecido um novo recorde absoluto para a natação mais rápida no Canal Catalina, na costa de Los Angeles, na Califórnia (EUA). Ela cruzou esse trecho de mar de 32,5 km em menos de sete horas e 16 minutos. E ela mesma está surpresa que esse recorde ainda exista.
“Sabe, eu queria quebrar o recorde e esse era o meu objetivo, mas teria ficado feliz se tivesse durado um ano. Nunca esperei que durasse todo esse tempo.”
Após uma carreira como nadadora de elite, professora de educação física e treinadora de esportes aquáticos, Dean continua sendo uma defensora apaixonada da maratona de natação.
Ela gosta especialmente das distâncias mais longas, que considera serem a melhor vitrine do esporte. Mas também, ela reflete, “acho que a 32 km ou mais, as mulheres podem vencer os homens”. Dean acredita que a principal razão é que “se a água estiver mais fria, as mulheres levam vantagem”.
Pode ser que a proporção tipicamente mais elevada de gordura corporal das mulheres seja útil para regular a temperatura corporal em água fria, bem como para boiar.
“Para faixas normais de temperatura, os homens tendem a ser mais rápidos”, diz Ned Denison, presidente do comitê executivo do Hall da Fama da Maratona Internacional de Natação.
Os nadadores do sexo masculino também são tipicamente altos e esguios, observa Denison, com grande área de superfície. Além da gordura corporal, “a área de superfície determina o quanto você sente frio”.
O jornalista esportivo Mertens afirma que a gordura corporal também é “muito útil para estas corridas de resistência porque, depois de um tempo de corrida, é dela que o seu corpo começa a se alimentar”.
“E se você não tem tanto, não pode ir tão longe”, diz Mertens.
Em comparação com a natação, o cientista esportivo Sandbakk acredita que as mulheres podem ter menos vantagem em outros esportes de grande resistência em climas frios, porque roupas adequadas nesses esportes ajudam na termorregulação.
Mas Dean acredita que qualquer vantagem que as mulheres possam ter na natação em águas abertas em longas distâncias tem mais a ver com a adaptação mental e a capacidade de suportar o desconforto do que com o isolamento. Seu treinamento mental na época do Canal da Mancha envolvia a revisão de fichas com mantras como “quanto mais fria a água, melhor” e “a cada braçada, meus braços ficam cada vez melhores”.
Em eventos de longa distância, a capacidade de conciliar mais fatores, desde o clima até a dor, torna-se particularmente importante.
Nas competições de maratona, quanto maior a distância, menor é a diferença entre os tempos de homens e mulheres. Uma análise dos resultados de uma corrida disputada em 2020 mostrou que depois dos 314 km, as mulheres eram 0,6% mais rápidas.
No geral, há evidências mistas sobre como a tolerância à dor das mulheres difere da dos homens. No nível esportivo de elite, as comparações são difíceis, diz Sandbakk.
Mas as mulheres podem ter outras vantagens. Embora algumas pesquisas sugiram que as mulheres se recuperam mais rapidamente após o exercício, isso pode acontecer, em parte, devido à menor massa muscular e produção de força, que afetam a fadiga muscular.
Também pode haver uma ligação com uma maior flexibilidade em mulheres e meninas, ajudando na redução da rigidez muscular.
Força mental
Uma atleta de ponta em um esporte muito diferente, Kim Yeji, concorda com Dean sobre a importância do jogo mental. Kim está competindo em eventos de tiro feminino e misto na Olimpíada de Paris.
A atleta sul-coreana já estabeleceu um recorde mundial na pistola feminina de 25 metros na Copa do Mundo da Federação Internacional de Tiro Esportivo (ISSF) no início deste ano, quebrando por pouco o recorde recentemente estabelecido por sua companheira de equipe, Yang Jiin.
“Acredito que atirar é mais mental do que físico. Acho que tem mais a ver com a mente e o espírito”, diz Kim. E ela acredita que a capacidade de manter a calma sob pressão pode ser particularmente benéfica para as atiradoras.
Nas Olimpíadas, a prova masculina de pistola 25 metros envolve tiro rápido, então a fisicalidade é diferente da prova feminina. Um estudo sobre tiro esportivo nas Olimpíadas de Tóquio em 2020 descobriu que os homens tiveram melhor desempenho em eventos que envolvem alvos móveis, mas o desempenho foi equilibrado entre os sexos em condições estacionárias.
Cassio Rippel, presidente do Comitê de Atletas da ISSF, diz que enquanto os músculos dos homens tendem a criar mais resistência, a menor massa corporal e o centro de gravidade mais baixo das mulheres, em média, permitem que elas tenham um melhor controle do equilíbrio.
Dos três tipos de provas de tiro nas Olimpíadas, as provas de rifle são as mais equilibradas em termos de sexo, segundo Rippel.
O tiro esportivo, em geral, tem trilhado um caminho interessante em termos de inclusão feminina.
Na Olimpíada de Barcelona de 1992, o atirador chinês Zhang Shan ganhou a medalha de ouro no tiro ao alvo misto. No entanto, este não foi um triunfo direto para as mulheres no esporte.
Nas Olimpíadas seguintes, as mulheres foram proibidas de participar do evento misto – mas também não houve uma versão exclusiva para mulheres.
As decisões sobre quais eventos esportivos realizar, quais pessoas e sob quais condições permanecem muito complexas.
A forma como as competições são concebidas afeta o desempenho de homens e mulheres, mesmo que os eventos masculinos tenham sido tratados principalmente como padrão.
Ainda há muito desconforto público com os esportes mistos, acredita Mertens.
Uma visão para o futuro
A edição de Paris é a primeira a ter números iguais de atletas mulheres e homens. Esta é também uma oportunidade para fazer um balanço das lacunas que ainda permanecem na inclusão.
Embora grande parte da ciência do sexo e do desempenho possa ser incerta, uma coisa que está absolutamente clara para Sandbakk é que mais pesquisas precisam envolver as mulheres.
A maior parte do que os cientistas do esporte sabem em relação ao treino, fisiologia, equipamento e vestuário baseia-se em pesquisas realizadas com homens, diz.
“Se quisermos diminuir ainda mais a distância entre homens e mulheres, penso que mais pesquisas sobre as mulheres em geral seriam muito benéficas”, diz Sandbakk.
Há ainda menos pesquisas sobre atletas além do gênero binário.
Mertens enfatiza a importância de celebrar as conquistas no esporte feminino, sem necessariamente compará-las com o masculino, e a necessidade de manter certas competições atléticas separadas por sexo.
Mas, para ela, ver que as mulheres ocasionalmente vencem os homens nos esportes é útil para entender que nosso desempenho existe em um espectro.
“Não temos de cair nestes dois lados quando falamos de esporte e esperamos que isso possa ser uma forma de abraçar mais a diversidade de gênero”, diz ela.
Fonte: BBC
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