- Marcia Carmo
- De Buenos Aires para a BBC News Brasil
A esquerda e centro-esquerda se uniram, pela primeira vez, para que Petro, que era candidato à Presidência pela terceira vez, chegasse ao palácio presidencial.
Segundo analistas, o ineditismo da derrota da direita no país marca uma guinada política na Colômbia, iniciada com os protestos de 2019 e 2020.
O outro candidato, o empresário do setor da construção Rodolfo Hernández, da Liga de Governantes Anticorrupção, recebeu 47,3% dos votos.
No seu discurso da vitória, o presidente eleito ratificou sua proposta de realizar um acordo nacional com as diferentes linhas políticas do país, incluindo a extrema direita.
Petro convidou os eleitores de Hernández para que o visitem na Presidência, chamada de ‘Casa de Nariño’ (leia-se Casa de Narinho).
“Fazer a paz na Colômbia significa que os mais de dez milhões de eleitores de Hernández são benvindos. Não vamos trabalhar destruindo o opositor. Todos serão ‘benvindos’ para dialogar no palácio presidencial”, disse Petro.
Seus eleitores reagiram gritando: “Não à guerra”.
Ele entende que somente através “do diálogo, do amor e sem ódio e vingança” será possível realizar as reformas necessárias para que o país seja mais igualitário e inclua também os indígenas, os afrodescendentes (como sua vice-presidente, Francia Márquez) e os que foram e são vítimas da violência.
O professor colombiano de políticas públicas e internacionais da Universidade de Columbia, dos Estados Unidos, José Antonio Ocampo, acredita que este “acordo nacional” é decisivo.
“Esperamos e devemos apoiar o acordo nacional (que Petro propôs). O acordo é essencial para que sejam superadas as profundas divisões sociais e regionais dos últimos anos e deste processo eleitoral colombiano”.
Reforma agrária e sem petróleo
Petro pretende implementar a reforma agrária, desacelerar a produção de petróleo e de carvão e ampliar as energias limpas.
Suas ideias contam com respaldo dos seus simpatizantes, mas também com a rejeição do setor empresarial (e petroleiro) que associa suas iniciativas “à cartilha da esquerda dos anos setenta”, como disse um deles.
A Colômbia não é, como a sua vizinha Venezuela, um país petroleiro, como observou o professor de economia da universidade Javeriana, de Bogotá, Jorge Restrepo, mas é, disse o analista, “dependente” dos recursos financeiros gerados pela produção do combustível fóssil.
Este promete ser um dos grandes debates da Colômbia na era Petro-Francia e que já está sendo acompanhado com atenção pelos investidores e mercados financeiros.
A eles, o presidente também tem dito que as mudanças serão feitas através do diálogo e “não expropriará empresas” e “respeitará a Constituição”.
Petro, porém, tem dito que não é de esquerda, mas que sua política é “política da vida”. Alguns setores o definem como sendo de centro-esquerda ou “socialdemocrata do século 21”. Ele diz que é capitalista, mas com a consciência da importância dos cuidados com o meio ambiente e os efeitos do clima.
Para críticos e opositores, o desafio de Petro, de 62 anos, será mostrar que sua vida de guerrilheiro ficou há muito tempo para trás, quando era jovem nos anos 1980.
Dois dias antes do segundo turno da eleição presidencial, a tradicional revista Semana, de Bogotá, publicou na sua capa: “Ex-guerrilheiro ou engenheiro?”, em referência as opções do eleitorado entre Petro e Hernández, que é engenheiro civil.
O presidente eleito reagiu à capa, dizendo: “quero lembrar que sou economista”.
Guerrilheiro do grupo M-19, quando tinha pouco mais de vinte anos, ele conta que, na época, foi preso e torturado. Era quando usava o pseudônimo de “Aureliano”, inspirado em um dos personagens do livro Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez.
Em 2016, Petro apoiou o acordo de paz que levou grande parte da guerrilha a entregar as armas, após 50 anos de conflito.
Mas, apesar de sua trajetória política, de ter sido prefeito de Bogotá e senador e de seus diplomas em economia com especializações em meio ambiente e administração de empresas, seus opositores e críticos continuam ressaltando aquele seu período na guerrilha.
Um dos maiores desafios do novo presidente será a negociação que terá de conduzir no Congresso Nacional para realizar as mudanças que planeja. A expectativa do seu eleitorado é grande, observam analistas. Outro será o de lidar com a criminalidade e a violência policial. No seu discurso de vitória, uma mãe apareceu ao seu lado, no palanque, carregando a foto de um filho jovem morto.
‘Invisíveis’
A Colômbia, como o Brasil, foi um porto de intenso desembarque de pessoas escravizadas. Petro disse que a população negra (cerca de 10% do país), os indígenas (várias comunidades) e os mais pobres terão atenção especial em sua gestão.
Em seu discurso de vitória, a vice-presidente eleita Francia Márquez, primeira afrodescendente a chegar ao posto, enfatizou o lema de inclusão do novo governo e disse que a Colômbia, depois de 214 anos, terá um governo voltado aos “invisíveis”.
A atual taxa de desemprego do país é de 12%. A conjuntura econômica e social inclui a preocupação crescente dos colombianos com a inflação. Até abril do ano passado, a inflação anual era de 1,8%. Em abril deste ano, o índice foi de quase 10%.
A alta de preços está entre as principais preocupações dos latino-americanos, após a pandemia do coronavírus e da invasão da Rússia na Ucrânia.
Mas antes mesmo da pandemia, como ocorreu no Chile, no Equador e em outros países da região, a Colômbia viveu ondas de protestos que evidenciaram a insatisfação dos colombianos.
Insatisfação que acabou refletida nas urnas, com a exclusão, do segundo turno da eleição, dos partidos tradicionais de direita e centro-direita que governaram o país durante décadas.
Administrar esta herança econômica deixada pelo atual presidente Iván Duque, de direita, será outro dos grandes desafios de Petro.
Amazônia
No âmbito internacional, a expectativa é de que Petro retome as relações diplomáticas da Colômbia com a Venezuela – os demais candidatos tinham prometido o mesmo. A Colômbia é um dos principais países de chegada de venezuelanos e os dois países têm, historicamente, um forte fluxo comercial.
Na seara externa, Petro já disse que buscará uma relação diferente com os Estados Unidos, com quem a Colômbia tem acordo de livre comércio e há anos compartilha sua política de combate às drogas.
Petro anunciou que também pretende incluir a questão do meio ambiente na agenda da relação com os Estados Unidos.
Para ele, a Amazônia (também colombiana) é um assunto regional, assim como a necessidade de políticas conjuntas contra a mudança do clima.
O presidente eleito da Colômbia acha que os colombianos devem enfatizar que são latino-americanos e aumentar a relação com seus vizinhos.
Mas um analista ressaltou que na Colômbia as classes mais favorecidas sempre estiveram mais ligadas aos Estados Unidos – e que esta é uma relação que não deveria ser alterada. Outro desafio para Petro, Francia e sua equipe.
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