Como ocorreu com muitos outros casais, Viva e seu marido John ficaram muito tempo juntos durante a pandemia.
Quando as restrições relacionadas à pandemia foram reduzidas, Viva — que tem 40 anos de idade e nasceu nas Filipinas, mas mora no Reino Unido — desejava passar algum tempo com sua família, enquanto John cumpria seus compromissos profissionais em casa.
Mas John tinha uma sugestão a fazer. Em vez de negociar como eles queriam viver esse período após o lockdown, por que não fazer isso separadamente? Afinal, o casal também atravessava o luto de perder uma gravidez e talvez uma pausa pudesse fazer bem para eles.
No começo, Viva não tinha certeza. Ela não havia ficado longe de John por muito tempo desde que eles se casaram, sete anos antes. Mas acabou se convencendo.
O casal agora vive uma separação programada de três meses. Viva está com a família dela em Manila, nas Filipinas, enquanto John conseguiu visitar sua própria família na Irlanda, viajou a trabalho e está planejando um período de férias na Dinamarca.
Algumas pessoas podem achar que decidir passar tanto tempo separados seria o fim do relacionamento, mas Viva e John descobriram que a ausência revigorou o casamento. “Nós nos falamos todos os dias pelo WhatsApp, Facebook e por email”, conta Viva. “É como voltar a ser como era no início do nosso relacionamento.”
Viva não é a única que está procurando uma folga temporária no seu casamento. Existem psicólogos e terapeutas de casais que relatam ter encontrado pessoas que não acreditam que o desejo de experimentar uma nova vida sem o parceiro seja um sinal de que o relacionamento acabou. Alguns estão preferindo tirar o chamado “ano sabático” de relacionamento, para ter o espaço de explorar diferentes interesses, experiências de viagem e — em alguns casos — parceiros sexuais.
Mas o ano sabático realmente pode fortalecer o relacionamento ou é um sinal de que os casais caminham para a separação?
Você em primeiro lugar
Os relacionamentos de longo prazo inevitavelmente trazem algumas restrições. Pode ser o compromisso de permanecer em uma certa cidade, fazer concessões sobre alguns dos seus desejos e ambições, além de manter a monogamia sexual.
Mas este não precisa ser o caso. Em um mundo onde os relacionamentos estão se tornando cada vez mais variados, alguns casais estão decidindo escrever suas próprias regras.
“Os casais podem decidir tirar um ano sabático de relacionamento devido a oportunidades de trabalho, ao desejo de morar em um local onde sempre sonharam e que fica longe de casa ou para buscar interesses pessoais”, afirma Marisa T. Cohen, cientista de relacionamentos e professora de psicologia que trabalha como pesquisadora no aplicativo de encontros Hily.
Para ela, “as pessoas estão mais propensas a fazer uma pausa no relacionamento quando passam por uma transição, como uma mudança de emprego ou quando os filhos saem de casa”.
A ideia de fazer uma pausa durante um período de transição certamente é o caso de Marc e sua esposa Sam, que fizeram um período sabático quando tinham 31 e 32 anos de idade, respectivamente. Enquanto, para a maioria dos casais, casar-se significa começar uma grande aventura juntos, Marc e Sam, que vivem em Londres, decidiram que queriam começar sua lua-de-mel distantes.
Marc queria seguir sua paixão por biologia marinha, enquanto Sam queria estudar para ser professora de ioga. Os recém-casados decidiram dar férias de vários meses ao seu relacionamento: Sam foi para um ashram (retiro espiritual) na Índia e Marc, para uma estação de pesquisa de tubarões nas Bahamas.
“Nós percebemos que provavelmente seria nossa última chance de fazer esse tipo de coisa sozinhos e eram dois sonhos que não queríamos deixar passar”, afirma Marc. “Isso nos deu o tempo necessário para realmente pensarmos um no outro e refletir sobre o que o casamento significava para nós.”
O casal agora está junto novamente e eles seguem felizes casados. Marc defende que o seu tempo longe de Sam fortaleceu o relacionamento. Sam conseguiu dar início à sua carreira, integrando a psicologia clínica e a terapia de ioga, enquanto Marc conseguiu realizar seu sonho de trabalhar com tubarões e também enterrou a fantasia que ele tinha de mudar de trabalho de forma permanente.
Ou seja, nenhum dos dois ficou com aquela sensação pendente de “e se?” no início do seu casamento e eles adquiriram a confiança de que poderão sobreviver por períodos de afastamento. “O casamento não significa abandonar suas paixões, mas sim encontrar alguém que você pode apoiar — e de quem pode receber apoio — para buscar essas paixões”, afirma Marc.
Anos sabáticos em alta
Marc não é o único que acredita que as paixões e interesses individuais ainda podem florescer no casamento. Essa visão talvez explique por que os anos sabáticos de relacionamento podem estar se tornando mais comuns.
Pesquisas indicam que o individualismo (aqui definido como considerar a independência e a singularidade como características importantes) vem aumentando em todo o mundo, pelo menos desde os anos 1960. Pessoas individualistas tendem a depositar mais importância nos amigos que na família e acham que é importante priorizar sua autoexpressão.
Essas características poderão tornar mais atraente a ideia de fazer uma pausa em um relacionamento para concentrar-se em objetivos, ambições ou interesses pessoais. Significa que as estruturas tradicionais de casamentos ou outros relacionamentos de longo prazo como sendo ambientes de concessão e autossacrifício podem estar se tornando menos atraentes para algumas pessoas.
Existe também o fato de que cada vez mais pessoas consideram os relacionamentos com maior flexibilidade, além de terem uma definição muito mais ampla do que é um casamento ou parceria bem sucedida.
Cada vez mais pessoas estão se dedicando a estruturas de relacionamento não convencionais. A não monogamia consensual e parceiros de vida platônicos estão se tornando mais comuns.
As estatísticas também demonstram que os millennials estão se divorciando menos nos Estados Unidos e especialistas especulam que a tolerância por um espectro mais amplo de relacionamentos (incluindo aqueles em que os casais passam algum tempo separados entre si) pode realmente estar ajudando a manter os casais unidos.
Em vez de sair de um relacionamento em que as pessoas se sentem infelizes ou não realizadas, é possível adaptar-se para adequar o relacionamento às necessidades dos dois parceiros.
“Se os dois parceiros estiverem na mesma sintonia, tirar um sabático pode fazer com que o relacionamento cresça”, segundo Cohen. “Ele pode permitir que os dois integrantes do casal cresçam como indivíduos, o que gera desenvolvimento e realização pessoal que retroalimenta o relacionamento.”
‘Saída elegante’ ou visão renovada?
Viva e Marc podem ter descoberto que o sabático seria benéfico para o seu relacionamento, mas nem sempre é isso o que acontece. Para algumas pessoas, um parceiro que sugere que eles passem algum tempo afastados pode parecer um sinal de alerta.
Tom Murray, terapeuta sexual e professor da Universidade Adler, nos Estados Unidos, acredita que, para alguns casais, os anos sabáticos podem sinalizar questões mais profundas.
Ele argumenta que as razões mais comuns para que os casais decidam por uma folga devem-se ao tédio, ao desejo de exploração sexual e à crença de que “a grama do vizinho é sempre mais verde” e que é possível encontrar a felicidade fora da situação atual. E, se os parceiros não estiverem sintonizados em suas intenções para o tempo em que ficarão afastados, o relacionamento pode ser rapidamente destruído.
“O principal inconveniente é que os seres humanos são muito inconstantes”, diz. “Como somos criaturas sociais, nós ansiamos por pertencer e estar em uma comunidade com outras pessoas. Por isso, se houver ciúme e insegurança, duvido que o relacionamento sobreviva [a um ano sabático]. E, se houver intenções não explícitas, como o desejo de sair elegantemente do relacionamento, as coisas podem dissolver-se com muita rapidez.”
Murray é cético sobre os anos sabáticos no relacionamento, mas ele ressalta que pode funcionar – especialmente quando a comunicação for uma prioridade dos dois parceiros.
Ele afirma que é importante pensar em questões práticas, como as despesas conjuntas, responsabilidades e possíveis emergências, além das complexidades emocionais de passar algum tempo separados. Murray também sugere que seja definida uma data exata de término e que tipo de comportamento é aceitável enquanto eles estiverem distantes um do outro.
“Eu incentivo firmemente que os casais que consideram esse sabático do relacionamento façam uma pausa para considerar suas motivações”, afirma ele. “O que precisará acontecer para que eles concordem que o ano sabático foi um sucesso? Eu os incentivaria a definir um planejamento do seu relacionamento para garantir que seus comportamentos, enquanto separados, estejam a serviço do relacionamento que eles querem manter no futuro.”
Alimentar um relacionamento com um longo período separados pode ser um desafio, mas, para muitos casais, pode ser mais fácil fortalecer um casamento com um período sabático do que terminá-lo.
Analisando seu tempo longe do marido e seu reencontro iminente, Viva acha que a experiência foi positiva. “Passar algum tempo separados foi bom para o nosso relacionamento”, ela conta. “No nosso caso, a ausência fez aumentar a paixão. Ela renovou nosso relacionamento. Nós nos valorizamos e nos amamos mais.”
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