Quando a gente pensa em voo dos animais ocorre-nos a ideia imediata dos bichos de pena que vemos com mais frequência, cada qual com suas particularidades. Todos admiráveis com deslocamentos aéreos ora individuais, os colibris, as garças, os sabiás; ora coletivos. As andorinhas de Teresina, Piauí, impressionam pelas ondas que desenham no ar, os volteios, as evoluções em tardes de verão, todas indo e voltando como um corpo só, de bailarina.
Os patos selvagens seguem um líder, na formação em cunha, um ângulo perfeito que evita colisão entre eles porque nenhum vai exatamente atrás dos outros. Que precisão, que sincronia, que disciplina! Inspiram os esquadrões aéreos de avião militar, na guerra e nas demonstrações espetaculares da Esquadrilha da Fumaça.
Os urubus ao se fartarem de carniça sobem a alturas onde planam como se fossem pipas ao vento, parecendo mosquitos a nossa vista, de tão longe do solo, na busca de se esterilizarem das bactérias de sua comida pútrida, fedorenta. Coitados, pela nobre função de limpar a terra dos odores repugnantes, são vítimas do preconceito, da rejeição, e os poetas não adornam com sua imagem os poemas que floreiam a literatura. Ave injustiçada paga caro pelos benefícios prestados à humanidade, ninguém quer proximidade com eles.
As codornizes e perdizes voam baixo, parecem oferecer-se como alimentos aos caçadores, ou troféus, desalojados de seus esconderijos por cães farejadores conhecidos como perdigueiros. Em solenidades, pacifistas liberam pombas brancas para voarem simbolizando a paz. As de outros coloridos ficam intrigadas com a preferência da cor e indagam umas às outras, despeitadas, se estão sendo discriminadas por preconceitos.
Vladmir Putin, ao contrário, odeia tanto as chamadas pombas da paz que treinou um batalhão militar na prática de tiro ao alvo sobre elas, consideradas um mau agouro, risco ao ânimo guerreiro dos seus combatentes. Nem só de penas vivem os voadores. Os morcegos não as têm e voam com grande rapidez
principalmente a noite, munidos de radares para evitar colidirem uns com os outros ou com objetos contundentes.
Há ainda os peixes voadores com asas de coloração belíssima que há poucos séculos chocavam-se com as velas das embarcações enchendo o convés das caravelas de comida nova e substanciosa. Vi uma arraia jamanta, grandiosa no tamanho e na beleza flutuando sobre mar calmo, em Itamaracá, por quase duzentos metros, abanando-se em dia de calor sem tocar na água morna do oceano. Só não tive a sorte de ver, até hoje, levitando, foram cágados e tartarugas, mas acredito que os jabutis em noite sem lua deslocam-se pelos céus escondidos até as casas legislativas e se embutem, sonsos, no papelório dos projetos de leis, aparecendo posteriormente em normas jurídicas para alegrar os mágicos das trapaças.
Falando sério, agradeço a inspiração a uma seriema, exuberante, enorme, nunca vi daquele tamanho, quem sabe maior do que um peru, que voou pesado, imponente, sobre as cercas de duas fazendas em Gravatá, ladeando a estrada. Apaixonei-me de tal forma por ela que quase voei no seu encalço, só não o fiz porque divisei a outra no gramado vizinho e não quis arriscar-me a entrar onde estava sobrando. É um pecado atrapalhar o idílio entre os animais.
José de Siqueira Silva é Coronel da reserva da PMPE
Mestre em Direito pela UFPE e Professor de Direito Penal
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