• Margarita Rodríguez
  • BBC News Mundo

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Para a física Chien-Shiung Wu, não havia tempo a perder, mesmo que isso significasse sacrificar uma viagem à Europa e à Ásia que havia planejado com o marido, o também físico Luke C. L. Yuan.

As passagens já estavam reservadas, mas o experimento que ela tinha em mente havia se tornado uma de suas prioridades, então ela pediu que ele fosse sem ela.

O ano era 1956, e algo extraordinário estava prestes a ser alcançado por esta pesquisadora e professora da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.

Tratava-se do chamado Experimento de Wu, “um dos mais importantes do século 20”, segundo o físico teórico de partículas Miguel Ángel Vázquez-Mozo.

“O trabalho que a tornou famosa mudou a compreensão dos cientistas sobre o universo”, escreveu sua neta, Jada Yuan, no artigo Discovering Dr. Wu, publicado no jornal americano Washington Post.

Sua meticulosidade, precisão e elegância científica já eram bem conhecidas. Na verdade, havia um ditado entre os físicos da sua época: “Se o experimento foi feito por Wu, está correto”.

Ela foi chamada de “Marie Curie chinesa”, “rainha do núcleo atômico”, “a primeira dama da Física”.

“Nunca ganhou o Nobel, mas seu nome é frequentemente mencionado ao lado de gigantes da física que ganharam, como Curie, Einstein, Fermi e Feynman”, observa Yuan.

Livros emprestados

Wu nasceu em Xangai em 1912, numa época em que não se permitia a todas as meninas estudar.

Ainda assim, ela frequentou a escola para meninas que seus pais conseguiram fundar.

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Imagem de cortesia da University Archives, Rare Book & Manuscript Library, Columbia University Libraries

Aos 11 anos, ela foi enviada a um internato para continuar sua formação.

“Teve sorte”, escreveu Yuan. Ela era a filha do meio, entre dois irmãos, que nasceram “de pais politicamente progressistas, verdadeiros revolucionários, que defendiam os direitos das mulheres e a educação das meninas”.

Wu estava começando a se formar como professora.

“À noite, porém, ela pegava emprestado livros de física e matemática das colegas e os estudava em segredo. Por que física? Ela nunca me disse, mas na década de 1920 surgiram descobertas emocionantes na Europa e nos Estados Unidos, impulsionadas pela teoria da relatividade de Einstein”, conta sua neta.

E uma mulher também entrou no seu radar, segundo escreveu Xiaomeng Han no artigo Chien-Shiung Wu – A Heroic Experimental Physicist, publicado em um dos sites da Universidade de Harvard, nos EUA:

“Inspirada na história de Marie Curie e impressionada com o rápido avanço da física moderna”, ela decidiu embarcar na travessia transatlântica para os Estados Unidos em 1936.

Dois anos antes, havia conseguido um diploma em Ciências pela Universidade Nacional Central de Nanjing.

Mas ficar não era uma opção: “Não havia nenhum lugar na China para obter um doutorado em física atômica”, diz Yuan.

Ela tinha 24 anos e, do barco, viu seus pais pela última vez.

Wu continuou seus estudos na Universidade da Califórnia em Berkeley e, em 1943, se tornou uma das primeiras pesquisadoras de física de Princeton.

Em 1944, se juntou à equipe de pesquisa da Universidade de Columbia e mais tarde trabalhou no Projeto Manhattan.

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Imagem de cortesia da University Archives, Rare Book & Manuscript Library, Columbia University Libraries

Na primavera de 1956, um de seus colegas, Tsung-Dao Lee, comentou que ele e outro físico, Chen-Ning Yang, tinham uma hipótese relacionada a um conceito conhecido como conservação da paridade.

“Eles argumentavam que os sistemas de partículas fundamentais da natureza, sensíveis à força nuclear fraca, se comportavam de forma diferente daqueles com propriedades equivalentes refletidas em um espelho hipotético ou, mais apropriadamente, daqueles virados 180 graus”, explica Manuel Lozano Leyva, professor de física atômica e nuclear da Universidade de Sevilha, na Espanha.

Questionavam, assim, se a paridade se conservava em interações fracas, o que era ousado, pois desde 1925, os físicos supunham que nosso mundo é indistinguível de sua imagem no espelho, e a teoria científica predominante refletia essa suposição, indica a Sociedade Americana de Física (APS, na sigla em inglês).

“Yang mais tarde disse que minha avó era a única pessoa que entendia a urgência e a importância de testar sua teoria”, escreveu a neta de Wu.

Espelho, espelho meu…

Vázquez-Mozo, que é professor do departamento de física fundamental da Universidade de Salamanca, na Espanha, explica à BBC News Mundo que macroscopicamente, se olharmos o mundo em um espelho, não veremos nenhum fenômeno que as leis da natureza proíbem.

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Imagem de cortesia da University Archives, Rare Book & Manuscript Library, Columbia University Libraries — Foto de Manny Warman

“Se você for destra e se refletir no espelho, verá a si mesma escrevendo com a mão esquerda. Não há nenhuma lei da natureza que diga que todo mundo tem que ser destro. Você está vendo algo diferente, mas que também é possível.”

“A ideia de que o mundo quando refletido em um espelho ainda é possível é algo que de alguma forma foi dado como certo, e não apenas no mundo que vemos ao nosso redor, mas no mundo microscópico das partículas elementares”.

Mas o que Lee e Yang argumentaram é que ninguém havia provado isso experimentalmente: “Ninguém comprovou que trocar a direita pela esquerda, o que acontece ao refletir algo no espelho, não tem consequências para a física subatômica”.

Decaimento beta

Eles indagaram onde se podia ver que “direita e esquerda são intercambiáveis ​​ou não no mundo subatômico”, e dentre os cenários avaliados, apontaram o decaimento beta, “que é um processo nuclear em que um próton, por exemplo, emite um elétron e se transforma em um nêutron”.

“E quem era a eminência naquela época do estudo experimental do decaimento beta? Wu.”

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O experimento foi digno do uso de técnicas de criogenia.

“O que o experimento de Wu mostrou é que existem certos fenômenos no mundo subatômico que, quando os vemos refletidos em um espelho, são impossíveis.”

“É por isso que a simetria da paridade não é preservada na física de partículas elementares.”

A natureza a nível microscópico distingue a direita da esquerda.

“Wu tem o grande mérito de pensar e projetar o experimento, ela teve a coragem de fazer um experimento que pouquíssimos grupos pensavam em fazer, porque todo mundo dava como certo que a paridade era preservada no mundo subatômico.”

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“A maioria dos grupos experimentais dizia: Por que vou fazer um experimento de algo que já sei?”

Segundo Lozano, este experimento ainda é “admirável depois de tantas décadas”.

É que demonstra “uma habilidade experimental excepcional e um afã de rigor indiscutível”, diz ele à BBC News Mundo.

Na véspera de Natal, a cientista já contava com resultados, mas continuou, junto a sua equipe, verificando-os nos dias que se seguiram.

Transcendência

O professor destaca que “pouco a pouco, se foi descobrindo que as consequências dessa sutil violação da simetria explicavam não só muitos fenômenos observados, mas também algo tão essencial sobre por que há algo em vez de nada”.

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“Ou, pelo menos, por que nosso universo é feito de matéria praticamente sem rastro de antimatéria.”

“Essa violação de simetria prevista por Lee e Yang, mas demonstrada por Wu, é o que, salvo dúvidas sutis que ninguém explica, nos permite existir.”

Os resultados das medições de Wu “destruíram um conceito fundamental da física nuclear que havia sido universalmente aceito por 30 anos, abrindo caminho para uma reconsideração das teorias da física e levando a novas descobertas de longo alcance, sobretudo uma melhor compreensão das características das partículas elementares, e uma teoria mais unificada das forças fundamentais”, diz a APS.

Em 1957, Lee e Yang ganharam o Prêmio Nobel por este trabalho teórico. Wu não foi incluída.

“Chien-Shiung Wu foi vítima de algum tipo de discriminação? Sustento que sim, mas se tal injustiça aconteceu, tentaram mais do que compensar. Madame Wu recebeu cargos, honras e, acima de tudo, carinho de todo o mundo “, reflete Lozano.

Wu morreu em 1997, nos Estados Unidos. Havia visitado a China anos antes.

“Na China, minha avó era como uma estrela de rock. E, no início de 2021, ela se tornou uma espécie de estrela de rock aqui também, quando o Serviço Postal dos EUA emitiu um selo comemorativo do tipo Forever (“eterno”) em sua homenagem”, escreveu Yuan.

Sem limites

Wu e o marido tiveram um filho, Vincent, que também é físico.

“Minha avó tinha aquela curiosidade que eu também vejo no meu pai, aquela ideia de que o mundo físico ao seu redor é algo que pode ser decifrado, (…) que você tem que se esforçar o suficiente para descobrir, que você tem que querer ser esse detetive”, disse Yuan à BBC News Mundo.

Crédito, Cortesia: Jada Yuan

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Chien-Shiung Wu com sua única neta, Jada Yuan

Diante de seu ambicioso experimento, ela “nunca se deixou intimidar pela logística ou o pensamento convencional” ou porque muitos o viam como “impossível”.

Yuan, que cresceu em outra parte dos Estados Unidos, passou muitas férias no apartamento dos avós em Nova York.

Ela se lembra dos belos elementos da cultura chinesa — dos objetos esculpidos de jade, das pinturas em pergaminho, da porcelana.

Conta que a avó gostava de receber convidados e reunir a família, que a ajudava com os deveres de casa — “queria que eu me saísse bem em matemática e ciências” — e insistia para que praticasse violino.

E diz que gostaria de ver a reação dela à decisão de se tornar jornalista, “em vez de cientista”.

“Acho que ela teria me dado muito apoio por ter encontrado uma paixão, e isso foi uma espécie de legado para mim. Ela nunca me fez ver que havia limites para mim, como mulher, mas que tudo era possível se eu quisesse fazer, se eu quisesse trabalhar duro, se quisesse tentar.”

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