- Jamille Ribeiro Bastos do Carmo
- BBC World Service
Em 2016, perto da foz do rio Amazonas, os pesquisadores fizeram uma descoberta incrível — um recife de águas profundas até então desconhecido que abrigava uma rica variedade de vida marinha. Agora, a Petrobras planeja iniciar operações em suas proximidades, o que alguns consideram uma séria ameaça a um ecossistema raro e valioso.
A maioria dos recifes ocorre em águas rasas, onde o sol fornece energia para o crescimento dos corais e luz abundante para os mergulhadores admirarem as criaturas atraídas para o habitat rico em alimentos. Embora os descobridores do recife amazônico tenham revelado uma rede repleta de esponjas, corais, peixes e crustáceos, esta é diferente.
A uma profundidade de até 220m nas águas barrentas que correm pelo maior rio do mundo, algumas partes do recife recebem apenas um feixe de luz. Sua existência se deve a algas capazes de realizar fotossíntese — o processo pelo qual as plantas transformam luz solar, água e CO2 em carboidratos e oxigênio — nas condições mais sombrias.
“São algas vermelhas que usam a luz de forma mais filtrada — usam o espectro azul da luz”, diz Rodrigo Leão de Moura, professor do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e principal cientista envolvido na pesquisa que resultou na descoberta dos recifes.
As algas contêm uma substância semelhante a giz em suas paredes celulares, tornando-as duras, como os corais, e permitindo que grandes estruturas sólidas cresçam com o tempo. Na verdade, são essas algas que ajudam a aglutinar os recifes de coral. Mas no recife amazônico há muito pouco coral; a grande maioria é formada por algas rochosas.
Por ser de difícil acesso, em águas profundas e turvas varridas por fortes correntes, o recife ainda é pouco estudado.
Estima-se que ele ocupe uma área de 56 mil quilômetros quadrados e que abrigue pelo menos 70 espécies de peixes, camarões e lagostas, que, por sua vez, fornecem uma fonte de alimento e renda para milhares de famílias.
Uma esponja do recife em estudo na Universidade de São Paulo (USP) apresenta indícios de possuir propriedades anticancerígenas, diz César Cordeiro, professor do Centro de Biociências e Biotecnologia da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF).
“É uma área muito ampla, tem coisas que a gente ainda não sabe”, assinala. “Existem espécies que podem estar aparecendo apenas naquela área e em nenhum outro lugar do mundo”.
Mas a área também pode conter petróleo.
Em 2015, a ExxonMobil (empresa multinacional de petróleo e gás dos Estados Unidos) descobriu uma reserva estimada em 10 bilhões de barris na costa da Guiana. Este ano foi a vez do Suriname, ainda mais próximo do Brasil, fazer várias descobertas no mar.
Os esforços para perfurar perto dos recifes da Amazônia brasileira foram liderados pela empresa francesa Total até 2018, quando sua quarta tentativa de obter uma licença ambiental foi recusada. No mesmo ano, a ONG Greenpeace reuniu quase 2 milhões de assinaturas de pessoas que se opõem ao plano.
Posteriormente, a Total vendeu sua participação para a Petrobras, que agora diz que fará um teste neste mês para saber mais sobre como o petróleo seria dispersado em caso de vazamento.
Se isso satisfizer o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), os poços de exploração poderão seguir logo depois, a 160 km da costa, mas muito mais perto do recife.
O ministro do Meio Ambiente do Brasil, Joaquim Leite — membro do governo em fim de mandato e nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro — disse ser possível explorar petróleo e proteger o meio ambiente, mas o professor Moura tem dúvidas.
“Essa área tem uma das correntes mais fortes do planeta e uma amplitude de maré que pode ultrapassar 10 metros. São condições ambientais que desafiam qualquer obra de engenharia, tornando-a muito arriscada”, afirma.
Ele conta que a Petrobras convidou cerca de 30 cientistas para iniciar um diálogo há um ano sobre a melhor forma de explorar petróleo nessa área.
“Eu estava lá e disse: ‘Precisamos entender mais, precisamos mapear as áreas sensíveis, precisamos melhorar toda a parte de modelagem'”, diz Moura. Ele diz que, desde então, não teve mais notícias da Petrobras e desconhecia o plano da empresa de realizar um teste este mês até ser contatado pela reportagem da BBC.
A Petrobras alega que realizou estudos sobre possível dispersão de óleo e impactos na biodiversidade desde o encontro com os cientistas.
O teste a ser realizado nos próximos dias verificará esses modelos de dispersão e os procedimentos para conter um vazamento.
Darcirene Garcia participou de reunião com a Petrobras no dia 8 de novembro, junto com outros membros da comunidade pesqueira do município mais ao norte do Brasil, Oiapoque.
“Pareciam respostas prontas”, diz ela. “Seja o que for que perguntássemos, a resposta deles era sempre: ‘É muito longe da costa.’ Ao final da reunião, os pescadores gritaram juntos dizendo que eram contra a perfuração, mas eles não responderam nada”.
A Petrobras diz que está realizando reuniões com as comunidades que podem ser afetadas pelo projeto para “esclarecer dúvidas e expectativas”.
Se a indústria pesqueira fosse arruinada por um vazamento de óleo, isso poderia ter sérias repercussões, observa Rodrigo Moura.
“Se as pessoas não podem pescar, vão ter que buscar outra fonte de renda, e o que há na Amazônia para fazer?”, pergunta. “Caça, desmatamento, abertura de pastagens, migração para áreas de mata?”
A Petrobras informou em 1º de dezembro que a costa nordeste do Brasil seria uma prioridade para exploração nos próximos cinco anos, mas ainda não se sabe se o novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva apoiará o plano de perfurar perto do recife.
A porta-voz do meio ambiente de seu partido indicou sua oposição, mas o último governo Lula financiou programas sociais em parte com a receita de descobertas de petróleo na Bacia de Santos, ao sul do Rio de Janeiro.
Tanto Rodrigo Moura quanto César Cordeiro enfatizam que o recife é valioso de várias maneiras.
Cordeiro acrescenta que ele funciona como um sumidouro de carbono, ajudando a retirar o carbono da atmosfera por tempo indeterminado, já que a substância semelhante a giz que as algas produzem em suas paredes celulares é o carbonato de cálcio.
E ambos veem os organismos não estudados que os recifes hospedam como uma fonte potencial de avanços médicos e outros.
“Existe um grande potencial de ganhos econômicos com o estudo e proteção desses sistemas”, destaca Moura. “É claro que temos essa necessidade imediata de energia barata, mas quanto isso sacrifica um futuro baseado na biotecnologia?”
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