- Author, Mike Thomson
- Role, Da BBC News em Sfax (Tunísia)
- Twitter, @ThomsonRadio
O rapper tunisiano El General tinha apenas 21 anos quando seu vídeo Rais Lebled, ou Mr President, viralizou no final de 2010.
Nascido Hamada Ben Amor, o jovem deu voz à raiva, frustração e desespero de toda uma geração.
“Sabia que haveria consequências, o que me assustou devido à minha pouca idade. Percebi o perigo do que havia feito”, disse ele à BBC em seu estúdio na cidade costeira de Sfax, na Tunísia.
El General estava rapidamente se tornando famoso, mas com o boné de beisebol puxado para baixo na testa, poucos sabiam sua verdadeira identidade. No entanto, à medida que manifestantes passaram a cantar gritando sua música em todo o país, sua identidade acabou sendo descoberta, e ele foi preso.
“Achei que era o fim, sabe, porque naquela época se você entrava no Ministério do Interior, não saía mais.”
Felizmente e talvez surpreendentemente, El General foi libertado depois de alguns dias. A essa altura, sua canção não era apenas um hino revolucionário na Tunísia, mas também um grito de guerra para manifestantes pró-democracia em todo o Oriente Médio, das ruas do Egito aos mercados de rua do Bahrein.
O rosto de El General estampou a primeira página da revista americana Time, que o listou entre as 100 pessoas mais influentes do mundo.
Em meados de janeiro de 2011, Ben Ali havia fugido do país. El General e todos aqueles que saíram às ruas no que ficou conhecido como a Revolução de Jasmin haviam vencido.
Infelizmente, a democracia foi uma grande decepção para muitos na Tunísia. Embora tenha sobrevivido lá, ao contrário de outros países que foram varridos pela chamada Primavera Árabe, sucessivos governos pouco fizeram para melhorar a situação da maioria dos tunisianos.
A maioria dos políticos passou a ser vista como mais interessada em disputas inúteis e em sua própria importância do que em resgatar uma economia em queda livre. A democracia logo foi vista por muitos como sinônimo de anarquia, inércia política e colapso da lei e da ordem.
Tudo isso levou à vitória esmagadora de Kais Saied nas eleições presidenciais de 2019. O ex-professor de direito prometeu resgatar o país do caos político e econômico. O que se seguiu é descrito por seus críticos como semelhante a um golpe.
Depois de suspender o Parlamento em julho de 2021, o presidente populista passou a atribuir poderes a si mesmo para governar por decreto. Depois disso, fechou o Congresso, que desde então foi substituído por uma versão mais fraca, em grande parte destituída de poderes para se opor ao mandatário.
Saied dissolveu o Conselho Superior da Magistratura, que protegia a independência dos tribunais, antes de demitir mais de 50 juízes.
No ano passado, o presidente tunisiano reescreveu a constituição depois de vencer um referendo, que havia sido boicotado pela maioria dos grupos de oposição, acumulando ainda mais poder para si.
Seguiu-se a isso a prisão de dezenas de pessoas que se opuseram a ele, de políticos, advogados e jornalistas a acadêmicos e ativistas.
A sensação, segundo El General, é que os dias de medo e repressão estão voltando.
“Estamos mais sob controle do que nunca. Não sabemos se estamos vivendo no presente ou em 2010. Sou um dos muitos que sentem que nosso país está em perigo. Ainda estamos em choque. Não esperávamos esse nível de repressão.”
Embora Saied tenha sido amplamente eficaz em suprimir a dissidência, ele teve muito menos sucesso em manter a inflação sob controle.
A escalada de preços está afetando até mesmo tunisianos de classe média, e há uma grave escassez de alimentos básicos como arroz, açúcar e óleo.
Tudo isso, lamentou um vendedor do mercado, está forçando algumas pessoas a buscar comida no lixo.
Em nenhum lugar o aumento da pobreza é mais evidente do que no subúrbio de Ettadhamen, na capital, Túnis, onde o desemprego entre os jovens é particularmente alto.
Diante do aumento do uso de drogas, o dono de uma academia de lá, que preferiu não ser identificado, começou a oferecer aulas de kickboxing. Ele espera que isso dê aos jovens um estímulo para ficar longe das drogas.
Um jovem, suando muito por causa de um treino vigoroso, explicou que pretendia chegar se tornar atleta profissional, para poder competir em competições na Europa.
A ideia era “abandonar o barco” assim que ele chegasse lá.
“Se eu tiver a chance de ir para o exterior e lutar boxe, a primeira coisa que vou fazer é pensar em uma maneira de ficar lá. Não posso mentir, se eu encontrar uma maneira de fazer isso, não voltarei.”
Infelizmente para ele, o dono da academia revelou mais tarde que as autoridades do esporte ficaram sabendo de tais planos. Ele disse que agora os agentes do governo estão confiscando os passaportes dos tunisianos que competem no exterior e os escoltando o tempo todo enquanto participam de competições.
Milhares de outros tunisianos desesperados estão se juntando a um número crescente de migrantes da África subsaariana na tentativa de chegar à Europa em pequenos barcos improvisados.
Infelizmente muitos não conseguem. Desde 2014, quase 28 mil pessoas morreram tentando cruzar o Mediterrâneo ilegalmente.
Muitos sobrevivem à jornada extremamente perigosa. Até agora, este ano, mais de 60 mil migrantes chegaram à Itália, o dobro do número no mesmo período de 2022.
À medida que os números crescem, aumenta também a determinação da União Europeia em impedi-los de chegar. Isso está provando ser um grande ganho para o líder tunisiano.
Apesar de ter dito no início deste ano que não estava disposto a atuar como guarda de fronteira da Europa, no início desta semana Saied aceitou cerca de US$ 118 milhões (R$ 600 milhões) da UE para ajudar a combater o tráfico de pessoas na Tunísia.
Outros US$ 1 bilhão (R$ 5 bilhões) estão sendo oferecidos pela UE para investimento na Tunísia.
A liberação de tal montante, porém, depende de Saied concordar com os termos de um pacote de resgate de US$ 2 bilhões (R$ 10 milhões) do Fundo Monetário Internacional (FMI). Até agora ele se recusou a fazer isso.
O acordo com o FMI exige que a Tunísia corte subsídios caros e diminua a inchada folha de pagamento do governo, que Saied sabe que será altamente impopular e pode até levar a outro levante, desta vez contra ele.
Por enquanto, pelo menos Saied continua surpreendentemente popular, embora haja um número crescente de pessoas que estão profundamente preocupadas com a direção que ele está tomando no país, de discursos incendiários sobre migrantes e prisão de seus oponentes políticos, ao enfraquecimento deliberado do parlamento e do Judiciário.
Uma dessas pessoas é El General, embora os tempos sejam outros.
Desde o enorme sucesso de seu hino de revolta, ele se casou e passou a ter uma vida mais tranquila para criar sua família.
El General, outrora famoso por seu raps incendiários, agora mora em uma mansão imponente em um dos subúrbios luxuosos de Sfax.
Tendo visto seu país ser vítima de uma repressão crescente novamente, ele diz que se sentiu compelido a voltar a compor.
E insiste que as letras de seu último álbum incluem críticas a Saied, embora desta vez certamente não seja um rap revolucionário.
Parece que El General se contenta em deixar essa luta para uma nova geração de rappers, que talvez tenha um pouco menos a perder.
“El General sempre será El General, mas talvez haja alguém que agora seja mais revolucionário do que eu. Como no futebol, por exemplo, dizemos que Lionel Messi é o melhor dos melhores, e talvez em alguns anos haverá alguém jogando futebol melhor do que ele.”
Fonte: BBC