- Author, Ronald Ávila-Claudio
- Role, BBC News Mundo
- Twitter, @ronaldavilapr
Imagine que você conheceu uma pessoa no Tinder. Vocês começaram a se comunicar e se dão bem, até que você sentiu confiança de compartilhar os seus perfis nas redes sociais.
A conversa então mudou de plataforma e vocês já estão se comunicando há semanas pelo Instagram. De vez em quando, você publica uma história na plataforma e ele deixa um emoji. E, quando você compartilha uma foto, ele curte e deixa comentários.
Às vezes, ele dá bom dia para você por mensagem direta. Em outras ocasiões, ele envia fotos no trabalho para mostrar algo do seu dia a dia.
Até que você acredita que, como ele está conectado com você na rede social e você gosta do seu modo de ser, chegou a hora de dar o passo seguinte. Você o convida para sair, para se conhecerem pessoalmente e, assim, começar um novo tipo de relacionamento.
É aí que ele começa a dar desculpas. Diz que está muito ocupado, tem a agenda cheia de compromissos ou até que está doente. E nunca pode encontrar você.
Mas, enquanto deixa de aceitar os seus convites, ele continua interagindo com você da mesma forma nas redes sociais. E você continua respondendo, com a esperança de, algum dia, encontrá-lo fora da internet – o que nunca acontece.
Se este comportamento hipotético parece familiar, você pode ter sido vítima do que alguns psicólogos chamam de migalhas emocionais – ou breadcrumbing, em inglês.
Trata-se de um padrão de comportamento no qual uma pessoa demonstra interesse por outra de forma intermitente, mas constante, sem ter intenção real de se comprometer emocionalmente, nem estabelecer um relacionamento formal, segundo o professor de psicologia Raúl Navarro Olivas, da Universidade Castilla-La Mancha, na Espanha.
E é também uma prática de manipulação.
“A pessoa que pratica o breadcrumbing envia sinais à outra porque pretende manter sua atenção ou reforço intermitente”, explica o professor. “Ele procura, com mensagens inconsistentes ao longo do tempo, fazer com que o outro sempre esteja presente.”
É impossível identificar a sua origem, mas sabemos que este não é um fenômeno atual. O que é recente é o uso do termo breadcrumbing.
“Estão aparecendo muitos termos, especialmente no mundo anglo-saxão, que não temos forma de traduzir com precisão. Isso, às vezes, dificulta as pesquisas”, comenta ele.
Alguns desses termos são parecidos e estão relacionados, mas, como explica Navarro Olivas, são separados nas pesquisas para melhor compreensão.
Breadcrumbing já é adotado por especialistas em comportamento de países como a Espanha, a Índia e os Estados Unidos.
Para explicar o termo, o psicólogo compara as migalhas emocionais com o funcionamento das máquinas caça-níqueis dos cassinos. Elas se baseiam na mesma lógica de reforço intermitente.
As máquinas oferecem um prêmio aos jogadores, mas de forma aleatória. Ninguém nunca sabe quando irá acontecer, para que a pessoa continue tentando.
“No breadcrumbing, existe um padrão para premiar a outra pessoa, oferecendo algum tipo de contato e, depois, dar algo negativo ou o silêncio”, afirma Navarro Olivas.
Ele acrescenta que a vítima pode sofrer consequências para sua saúde mental. Por isso, é importante identificar a prática e procurar ajuda para sair desse tipo de relacionamento.
Os padrões
Em um estudo de sua autoria, realizado na Espanha e publicado em 2020 na revista acadêmica Escritos de Psicología – Psychological Writings, Navarro Olivas e outros pesquisadores destacaram que “pouco mais de três a cada 10 participantes” do estudo indicaram terem sofrido breadcrumbing.
A pesquisa também revelou que o uso de aplicativos de encontros, relações de curto prazo ou o hábito de vigiar a conduta online de outra pessoa aumentam a possibilidade de sofrer e exercer este padrão de comportamento.
Tornou-se comum nos últimos tempos que uma pessoa vigie o comportamento da outra nas redes sociais em caso de interesse romântico. Segundo o estudo, esta é uma forma de “reduzir” a incerteza sobre o parceiro. Mas pode também fazer com que alguém questione o relacionamento, gerando tensão e causando o breadcrumbing.
“O desenvolvimento tecnológico fez com que ele fosse mais frequente”, explica o professor. “É mais fácil realizar este comportamento nas redes sociais e aplicativos de encontros, onde não existe necessariamente o contato direto com o outro.”
O padrão mais claro do breadcrumbing é a comunicação intermitente, seja pelas plataformas digitais ou pessoalmente.
“A inconsistência é acompanhada por um comportamento muito errático”, segundo Navarro Olivas. “Quando a pessoa mais interessada na relação propõe planos, o praticante do breadcrumbing não é claro na hora de se encontrar.”
O psicólogo indica que outro padrão comum no breadcrumbing é o fornecimento de informações incompletas.
Para evitar manter compromissos, o “perpetrador” pode omitir detalhes sobre sua família ou amigos, evitando que a outra pessoa passe a conhecê-los. Ele também pode se recusar a ser apresentado ao entorno íntimo da vítima.
“As pessoas que atiram essas migalhas podem fornecer alguns detalhes da sua vida pessoal, para manter a atenção da pessoa, mas não existe comunicação emocional muito profunda”, comenta ele.
Da mesma forma, as pessoas que praticam o breadcrumbing não apresentam planos futuros. “Surgirão desculpas para não se comprometerem a longo prazo, o que não coincide com seu comportamento ao continuar falando com a outra pessoa”, destaca o professor.
O breadcrumber
A falta de estudos sobre o assunto dificulta a elaboração de perfis dos perpetradores e das vítimas do breadcrumbing.
Mas Navarro Olivas destaca que, embora não goste de rótulos, pelo que se sabe atualmente, costumam ser encontrados traços de personalidade narcisista nas pessoas que liberam as migalhas emocionais.
“Existe certa lógica, porque o que a pessoa quer é receber o reforço positivo da vítima”, explica ele.
Segundo a Clínica Mayo dos Estados Unidos, o transtorno de personalidade narcisista é uma “doença de saúde mental, na qual as pessoas têm um ar de superioridade fora do razoável”.
Por isso, eles procuram chamar a atenção dos demais para que os admirem. Mas, no fundo, são pouco seguros de si próprios e têm dificuldade para compreender os sentimentos dos demais.
“[Alguém que pratica o breadcrumbing] gosta que lhe digam coisas, que fiquem preocupados com ele, mas gosta sobretudo de ter o controle sobre o reforço que será dado”, explica Navarro Olivas.
Algumas pesquisas também indicam que as pessoas com apego evitativo são mais propensas a realizar breadcrumbing. “Porque elas são caracterizadas pela necessidade de aprovação, do reforço dos demais, mas têm dificuldade de realizar conexões emocionais”, afirma Navarro Olivas.
“Estas dificuldades não justificam seu comportamento. Mas eles fazem com que se adaptem mais à ideia de breadcrumbing, de que precisam dos outros, mas têm problemas de se conectar emocionalmente. Eles evitam o compromisso porque produz ansiedade ou estresse.”
A prática também pode estar relacionada ao apego ansioso, que ocorre quando alguém estabelece um vínculo de dependência emocional com outra pessoa, mas receia fracassar na relação ou ser abandonado.
“Não esperávamos que as pessoas que praticam breadcrumbing tivessem apego ansioso, porque pareceria mais um traço das vítimas”, explica o professor.
“Mas concluímos que sim, o que provavelmente está relacionado com fato de que eles precisam se conectar com outra pessoa que atenda às suas necessidades emocionais, mas, como receiam o abandono, nossa teoria é que o breadcrumbing seja uma forma de testar se a outra pessoa está realmente interessada.”
As consequências
As pessoas que sofrem de dependência emocional ou baixa autoestima poderiam estar em risco de permanecer por mais tempo em relacionamentos tóxicos, incluindo os baseados em breadcrumbing, segundo o pesquisador. Mas ele acrescenta que qualquer pessoa pode ser vítima da prática e sofrer consequências emocionais.
“É prejudicial”, afirma Navarro Olivas, “porque ataca nossa necessidade psicológica mais importante, que é a de pertencimento e vínculo com outros seres.”
“E, embora não tenha sido parte dos estudos, acredito que possa gerar susceptibilidade adquirida. Ou seja, quando você fracassa nas suas relações, você acredita que, de alguma forma, isso irá se repetir.”
Segundo um estudo publicado no Journal of Environmental Research and Public Health, sofrer breadcrumbing pode causar insatisfação com a vida e aumentar o sentimento de solidão e desamparo.
Frente a isso, o psicólogo espanhol recomenda estabelecer comunicação assertiva quando alguém estiver interessado em estabelecer um relacionamento com você. Ele explica que não se trata de “fazer um checklist” de coisas que a outra pessoa deve atender, mas sim deixar claro desde o princípio quais são as expectativas.
Mas, sobretudo, Navarro Olivas é da opinião de que qualquer vítima deve procurar apoio de pessoas de sua confiança e de um terapeuta.
“Fale com seu entorno, comente o que está acontecendo para ter uma visão externa”, aconselha o psicólogo. “Quando você tem interesse romântico, pode ser que você não observe o lado negativo.”
“Na psicologia, costuma-se insistir que a pessoa deve ser resiliente, que ela precisa ter uma fortaleza interior que a faça superar as adversidades. Mas eu gosto de ver a resiliência não como um traço individual e sim como algo que surge graças às pessoas que nos rodeiam”, conclui o professor.
Fonte: BBC
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