- Author, Jeremy Bowen
- Role, Editor de internacional da BBC News
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, reagiu com fúria à notícia de que poderia enfrentar um mandado de prisão por crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
Foi “um ultraje moral de proporções históricas”, ele disse. Israel estava “travando uma guerra justa contra o Hamas, uma organização terrorista genocida que perpetrou o pior ataque ao povo judeu desde o Holocausto“.
Em um ataque pessoal amargurado, Netanyahu afirmou que Karim Khan, o procurador-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI), era um dos “grandes antissemitas dos tempos modernos”.
Khan, ele disse, era como os juízes da Alemanha nazista que negaram direitos básicos aos judeus e permitiram o Holocausto.
Netanyahu falou em inglês no vídeo divulgado por seu gabinete. Ele faz isso quando quer que sua mensagem chegue ao público estrangeiro que mais interessa a ele, os Estados Unidos.
Ao reagir à notícia nesta terça-feira (21/5), o ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, classificou os mandados de prisão contra ele e o primeiro-ministro como uma tentativa “vergonhosa” de interferir na guerra.
“A tentativa do procurador do Tribunal Penal Internacional, Karim Khan, de reverter a criação não terá sucesso — o paralelo do promotor entre a organização terrorista Hamas e o Estado de Israel é desprezível e repugnante”, disse ele em uma postagem no X (antigo Twitter).
“O Estado de Israel não faz parte do Tribunal, e não reconhece a sua autoridade”, acrescentou.
A indignação manifestada pelo primeiro-ministro, e ecoada pela liderança política de Israel, foi gerada por páginas de linguagem jurídica cuidadosamente selecionada que compõe o comunicado divulgado por Khan, o procurador-chefe do TPI.
Palavra por palavra, linha após linha, somam-se uma série devastadora de acusações contra os três líderes mais proeminentes do Hamas, assim como contra o primeiro-ministro e o ministro da Defesa de Israel.
A determinação de aplicar o direito internacional e as leis que regem os conflitos armados a todas as partes, independentemente de quem sejam, está no cerne do comunicado de Khan, no qual expõe sua justificativa para solicitar os mandados de prisão.
“Nenhum soldado raso, nenhum comandante, nenhum líder civil — ninguém — pode agir impunemente.”
A lei, diz ele, não pode ser aplicada seletivamente. Se isso acontecer, “estaremos criando condições para o seu colapso”.
É a decisão de questionar da mesma forma a conduta de ambos os lados perante o modelo do direito internacional que está despertando tanta raiva, e não apenas em Israel.
O presidente dos EUA, Joe Biden, disse que era “ultrajante” solicitar mandados de prisão. Não havia “nenhuma equivalência – nenhuma – entre Israel e o Hamas”.
O Hamas exigiu, por sua vez, a retirada das acusações contra seus líderes, alegando que o procurador do TPI estava “igualando a vítima ao algoz”.
O grupo palestino afirmou que o pedido para emitir mandados de prisão para a liderança israelense chegou sete meses atrasado, depois de “a ocupação israelense ter cometido milhares de crimes”.
Khan não faz comparações diretas entre os dois lados, exceto para expor a sua alegação de que ambos cometeram uma série de crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
Ele também enfatiza que esta guerra surge no contexto de “um conflito armado internacional entre Israel e a Palestina, e um conflito armado não internacional entre Israel e o Hamas”.
O tribunal trata a Palestina como um Estado, uma vez que tem status de observador na Organização das Nações Unidas (ONU), o que significa que foi capaz de assinar o Estatuto de Roma que criou o TPI.
Netanyahu declarou que os palestinos nunca vão ter independência sob o seu comando.
O presidente de Israel, Isaac Herzog, afirmou que, em vez de enxergar os paralelos vergonhosos e falsos entre “estes terroristas atrozes e um governo democraticamente eleito de Israel”, grupos de direitos humanos aplaudiram a forma como o procurador do TPI está tentando aplicar a lei a ambos os lados.
A B’Tselem, uma importante organização israelense de direitos humanos, disse que os mandados de prisão representam “o rápido declínio de Israel em um abismo moral”.
“A comunidade internacional está sinalizando para Israel que (o país) não pode mais manter sua política de violência, matança e destruição sem ser responsabilizado”, acrescentou.
Ativistas dos direitos humanos reclamam há muitos anos que grandes potências ocidentais, lideradas pelos EUA, fazem vista grossa para as violações israelenses do direito internacional, ao mesmo tempo que condenam e sancionam outros Estados que não são seus aliados.
As medidas que estão sendo tomadas por Khan e sua equipe estavam, segundo eles, há muito tempo sendo aguardadas.
Khan afirma que os três principais líderes do Hamas cometeram crimes de guerra que incluem extermínio, homicídio, tomada de reféns, estupro e tortura.
Os acusados citados são Yahya Sinwar, líder do Hamas em Gaza, Mohammed Deif, comandante das Brigadas al-Qassam, seu braço militar, e Ismail Haniyeh, chefe do gabinete político do Hamas.
Como parte da investigação, Karim Khan e a sua equipe entrevistaram vítimas e sobreviventes dos ataques de 7 de outubro.
Ele disse que o Hamas atacou valores humanos fundamentais:
“O amor dentro de uma família, os laços mais profundos entre pais e filhos foram distorcidos para infligir uma dor incomensurável por meio de crueldade calculada e indiferença extrema.”
Israel, acrescentou Khan, tem o direito de se defender. Mas os “crimes inconcebíveis” não “absolviam Israel da sua obrigação de cumprir o direito humanitário internacional”.
O fracasso em fazer isso, ele disse, justificava emitir mandados de prisão contra Netanyahu e o ministro da Defesa, Yoav Gallant, por crimes que incluem a inanição da população civil como arma de guerra, homicídio, extermínio e ataques intencionais a civis.
Desde o início da resposta de Israel aos ataques do Hamas de 7 de outubro, o presidente Joe Biden fez uma série de reprimendas a Israel, manifestando preocupação pelo fato de estar matando muitos civis palestinos e destruindo muitas infraestruturas civis em Gaza.
Mas, em um cuidadoso exercício de equilíbrio com um aliado próximo que sempre apoiou, Biden e seu governo não explicaram claramente em público o que queriam dizer.
Khan deixa sua interpretação muito clara. Israel, diz ele, escolheu meios criminosos para alcançar seus objetivos de guerra em Gaza — “especificamente, causar intencionalmente morte, fome, grande sofrimento e ferimentos graves” em civis.
Os juízes do TPI vão analisar agora a possibilidade de emitir os mandados de prisão. Os Estados signatários do Estatuto de Roma, criador do tribunal, seriam então obrigados a deter os acusados se tiverem oportunidade.
Os 124 países signatários não incluem a Rússia, a China nem os EUA. Israel também não assinou o Estatuto.
Mas o TPI determinou que tem autoridade legal para julgar atos criminosos nesta guerra porque os palestinos são signatários.
Se os mandados de prisão forem emitidos, isso significaria que Netanyahu, o primeiro-ministro de Israel mais longevo no cargo, não seria capaz de visitar aliados ocidentais próximos sem correr o risco de ser preso.
O primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, disse que as ações do TPI “não ajudaram a fazer uma pausa nos combates, libertar os reféns ou receber ajuda humanitária”. Mas se os mandados forem emitidos, a Grã-Bretanha vai ter que efetuar as prisões, a menos que se consiga argumentar com sucesso que o primeiro-ministro Netanyahu tem imunidade diplomática.
Uma exceção muito importante para Netanyahu e Gallant são os EUA. A Casa Branca acredita que o TPI não tem jurisdição sobre o conflito, uma posição que pode ampliar a divisão dentro do Partido Democrata de Joe Biden em relação à guerra.
Os progressistas já saudaram a iniciativa do TPI. E aliados ferrenhos de Israel entre os democratas podem apoiar medidas republicanas para conseguir aprovar uma lei que aplique sanções a autoridades do TPI ou até bani-los dos EUA.
Enquanto rumores dos indiciamentos iminentes se espalhavam pela Europa, pelas Américas e pelo Oriente Médio semanas atrás, um grupo de senadores republicanos fez um tipo de ameaça a Khan e à sua equipe que parece ter saído de um filme.
“Mire em Israel, e nós vamos mirar em você… você foi avisado.”
Yoav Gallant também não poderia viajar livremente. As palavras que ele utilizou ao anunciar que Israel iria cercar Gaza são frequentemente citadas pelos críticos da conduta de Israel.
Dois dias depois dos ataques do Hamas, em 7 de outubro, Gallant declarou:
“Ordenei um cerco completo à Faixa de Gaza. Não haverá eletricidade, nem comida, nem combustível, está tudo fechado… estamos lutando contra animais humanos, e estamos agindo de acordo.”
Em sua postagem no X nesta terça-feira, o ministro da Defesa de Israel reiterou suas alegações de que “as IDF (sigla em inglês para “Forças de Defesa de Israel”) estão lutando de acordo com o direito internacional, ao mesmo tempo que realizam esforços humanitários sem precedentes, que nunca foram realizados em qualquer conflito armado no passado.”
Khan escreveu em seu comunicado que “Israel privou intencionalmente e sistematicamente a população civil em todas as partes de Gaza de objetos indispensáveis à sobrevivência humana”.
A fome, diz ele, está presente em algumas partes de Gaza — e é iminente em outras.
Israel nega que haja fome, alegando que a escassez de alimentos não é causada por seu cerco — mas pelos roubos do Hamas e pela incompetência da ONU.
Se for emitido um mandado de prisão contra Ismail Haniyeh, o chefe do braço político do Hamas, ele vai ter que repensar suas viagens regulares para se encontrar com líderes árabes de alto escalão. É provável que ele passe muito mais tempo em sua base no Catar, país que, assim como Israel, não assinou o Estatuto de Roma que criou o TPI.
Acredita-se que os outros dois líderes acusados do Hamas, Yahya Sinwar e Mohammed Deif, estejam escondidos em algum lugar dentro de Gaza. Um mandado de prisão não aumenta muito a pressão sobre eles. Israel vem tentando matá-los nos últimos sete meses.
O mandado de prisão também colocaria Netanyahu dentro da categoria de líderes acusados pelo tribunal, que inclui o presidente russo, Vladmir Putin, e o falecido coronel Muammar Gaddafi, da Líbia.
Antes de ser morto, Gaddafi recebeu um mandado de prisão por assassinato e perseguição de civis desarmados.
Não são companhias atraentes para Benjamin Netanyahu, líder de um Estado que se orgulha da sua democracia.
Fonte: BBC
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