- Author, William Márquez*
- Role, BBC News Mundo
*Este texto foi originalmente publicado em novembro de 2022 e republicado com atualizações em alguns trechos.
Receber um diagnóstico de câncer é muito difícil.
A situação também é complicada para amigos e familiares: o que fazer ou o que dizer quando você fica sabendo que um ente querido contraiu essa doença tão devastadora?
Em um livro publicado em 2022, uma paciente relata em detalhes sua própria história, de forma clara, direta e até engraçada, oferecendo uma série de conselhos. Ela espera incentivar uma melhor compreensão entre todas as pessoas afetadas pelo câncer.
Em janeiro de 2012, Sarah McDonald, alta executiva no Vale do Silício, foi diagnosticada com uma forma pouco comum de câncer chamada carcinoma adenoide cístico — basicamente, câncer de glândula salivar.
A doença é tão rara que o próprio médico que a diagnosticou confessou a ela sua ignorância a respeito.
Ela ainda não havia se refeito do impacto quando, dois meses depois, recebeu um segundo diagnóstico: desta vez, de carcinoma ductal invasivo, mais conhecido como câncer de mama. A doença estava no estágio 3, ou seja, ela já havia se disseminado para além do tumor.
Aos 44 anos, McDonald havia passado por uma terapia de fertilidade porque queria ter filhos. Mas, agora, enfrentava um tratamento de câncer duplo longo e doloroso, que incluía sessões de radiação e quimioterapia. Suas perspectivas de sobrevivência não eram muito boas.
Mas, com a mesma energia, determinação e organização do seu trabalho rigoroso, ela coordenou os médicos, mergulhou fundo nos tratamentos mais agressivos — incluindo os alternativos — e planejou detalhadamente como aproveitar melhor o pouco tempo que ela pensava ainda ter de vida.
Dez anos depois, Sarah McDonald não apresenta evidências da doença, tem uma filha de seis anos e acaba de escrever um livro sobre suas experiências, The Cancer Channel (“O canal do câncer”, em tradução livre). Ela espera que o livro possa servir de guia não só para as pessoas diagnosticadas com câncer, mas também para o círculo mais próximo dos pacientes.
“Eu quis descrever a montanha-russa que é o câncer”, contou McDonald à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC. “Descrever os momentos muito intensos de desespero ao receber o diagnóstico.”
O câncer produz uma profunda sensação de solidão, segundo a autora. E ela deseja que os pacientes que lerem o livro “se sintam menos sozinhos, mais reconhecidos e [percebam] que existem outras pessoas que se sentem da mesma forma”.
McDonald também procura oferecer perspectivas às pessoas que têm um ente querido com câncer. Como se relacionar com ele, o que fazer por ele, o que dizer e, o mais importante, o que não dizer a um paciente com a doença.
Mas, além de abordar o terror do diagnóstico e a consequente incerteza, suas observações também incluem “os momentos ridículos, engraçados e até indignos que a pessoa atravessa”, afirma ela.
“É difícil não achar engraçado ter ficado sentada em um quarto de um centro médico, com o peito nu, enquanto dois médicos injetavam no mamilo uma substância radioativa”, explica ela. “Nesse momento, o sentimento é horroroso, mas, com um pouco de tempo e distanciamento, você consegue achar engraçado. É inacreditável, mas é a mais absoluta verdade.”
‘Uma história maluca’
Um dos conselhos ressaltados por McDonald, citando sua própria experiência, é ter a certeza de não deixar tudo nas mãos dos médicos.
Na primeira vez em que sentiu um caroço na base da boca, ela foi ao dentista porque achava que fosse uma infecção. O odontologista explicou que poderia ser uma série de condições e a mais grave seria uma forma rara de câncer que ele se apressou em descartar.
Depois de consultar diversos especialistas e se submeter a uma ressonância magnética e uma biópsia, o diagnóstico, de fato, foi de carcinoma adenoide cístico, um câncer das glândulas salivares.
Quando pediu ao médico mais explicações, ele respondeu: “realmente, não sei. Estive pesquisando no Google, mas você é uma pessoa diligente, irá resolver isso”.
Neste caso, ela precisou investigar sozinha, mas, por ser uma doença muito rara, não havia muitas informações a respeito, nem sobre a expectativa de vida. “Foi um momento de muita incerteza”, relembra ela.
E não terminou por aí. Seis meses antes, ela havia sentido um caroço no seio. Depois de uma mamografia e duas biópsias, os médicos disseram que provavelmente era apenas um cisto. Mas, considerando seu diagnóstico anterior de câncer das glândulas salivares, ela pensou que talvez fosse um carcinoma metastático.
Os médicos garantiram que esse câncer não se comportava desta forma. Se houvesse metástase, era mais possível que fosse nos pulmões ou no cérebro e isso também não costumava ocorrer em alguém tão jovem. Mas eles disseram que poderiam realizar mais exames “se isso a fizesse se sentir melhor”.
Ela fez os exames e o resultado foi um câncer de mama em estágio 3.
“Nos dois casos, fui eu que descobri os caroços e, nos dois casos, eu pressionei os médicos para que me fizessem os testes que determinaram o que era aquilo”, comenta ela.
Os dois diagnósticos a deixaram entorpecida, se sentindo sozinha. Ela entrou em pânico, pensando que não chegaria ao final do ano.
Ao se recuperar do choque, ela aceitou seu destino e pensou: “se tenho apenas um ano de vida, como quero viver? Como posso morrer de forma mais digna?”
Ela começou a ler tudo o que podia sobre a doença, incluindo textos complexos, na biblioteca da Universidade Stanford, na Califórnia (Estados Unidos). E decidiu, com seus médicos, seguir os métodos mais agressivos disponíveis na medicina ocidental, incluindo tratamentos simultâneos de radiação para o câncer de glândula salivar e quimioterapia para o câncer de mama.
McDonald pôs em prática suas capacidades administrativas para coordenar os diferentes grupos de médicos que tratavam dos dois cânceres, de forma que um tratamento não interferisse nem anulasse o outro.
Curiosamente, a oncologista responsável pelo seu câncer de mama comentou que não havia melhor momento para ter essa doença, graças ao montante que tinha sido investido em pesquisa e em todos os novos tratamentos existentes.
Mas, com relação ao câncer de glândula salivar, a situação era diferente. Não havia muitos dados sobre as taxas de sobrevivência. A única coisa que se sabia no momento é que ele era incurável, segundo ela.
Foram nove meses de tratamento, com efeitos devastadores. A radiação se intensifica quando administrada ao mesmo tempo que a quimioterapia.
“A consequência é que a minha boca era um lugar muito tóxico”, explica McDonald. “Cheguei a contar 21 feridas na boca, sentia como se ela estivesse queimada.”
Houve um período de três semanas em que ela não podia comer e a quimioterapia, às vezes, também a deixava exausta.
“Uma história maluca”, resume ela. “Estava passando por tratamentos de fertilidade, recebi dois diagnósticos de câncer, o câncer do meu pai voltou, tivemos tratamentos simultâneos, eu sobrevivi e ele não. Esta é a minha história.”
Seu livro descreve detalhadamente todas essas sensações, dores e complicações, mas ela também inclui anedotas engraçadas e oferece recomendações práticas sobre como superar momentos complicados ou constrangedores.
Alguns exemplos se referem à queda de cabelo, que é comum com os pacientes que passam por quimioterapia. McDonald comenta os olhares das pessoas ao verem uma mulher completamente careca, sem sobrancelhas nem pestanas. Ela recomenda cobrir a cabeça com lenços de lã, porque “os lenços de seda escorregam”.
E também conta, com certo humor, que a quimioterapia deixa as pessoas com o rosto brilhante. “É um dos melhores desfoliantes de pele. [O processo] também mata as células da pele, que são rapidamente substituídas.”
- Ninguém está preparado para o câncer, nem ninguém à sua volta. Prepare-se para diferentes reações por parte das pessoas. Algumas terão ações ou palavras bonitas, outras se isolarão porque estarão aterrorizadas com o diagnóstico, mas isso não é responsabilidade sua.
- Informe-se o máximo que puder sobre o seu câncer antes de comunicar a notícia à família, amigos e colegas. Assim, você poderá responder melhor às inúmeras perguntas que irão surgir.
- Dê adeus às manicures, pedicures e jacuzzis. São possíveis fontes de infecção. Os pacientes de quimioterapia têm o sistema imunológico debilitado e é mais difícil combater possíveis vírus ou bactérias.
- Pense duas vezes antes de cozinhar para outra pessoa. Os pacientes de quimioterapia podem perder o paladar e sentir um sabor metálico na boca. Eles costumam colocar sal demais nos alimentos.
‘Silenciar e ouvir’
McDonald também combinou seus tratamentos médicos com terapias alternativas, como ioga e meditação. Elas ajudaram a lidar com o estresse mental, a mantê-la mais calma, recuperar suas energias e fortalecer sua vontade de seguir adiante.
Ela tirou um ano de licença do seu rigoroso trabalho para conhecer melhor sua cidade — San Francisco — e suas vizinhanças, aproveitando tudo o que ela oferecia, como os museus, galerias, concertos e caminhadas ao ar livre pelas praias, bosques e montanhas.
Embora precisasse dirigir por longas distâncias para ir aos seus tratamentos, McDonald entrou na academia, fez exercícios com pesos e começou a correr. Ela administrou seu tempo cuidadosamente para ficar com seu marido e não se esquecer de incluir um café com uma amiga.
Ela também aborda no livro o contato que manteve com o que chama de seu “círculo próximo”, pois o câncer é uma doença que não afeta apenas quem o sofre, mas também seus parentes e amigos.
“Uma das coisas que os amigos fazem com a melhor das intenções é perguntar: ‘o que posso fazer por você?'”, ela conta. “Mas, para uma pessoa com câncer, é como dizer, ‘dê-me uma tarefa’ e a pessoa pensa ‘meu Deus, além de tudo o que preciso administrar, agora tenho que administrar outra pessoa!’ Isso pode oprimir você.”
Em vez disso, ela sugere que a pessoa proponha diretamente o que se oferece a fazer: “gostaria de passar para deixar um sorvete” ou “quero levar seu cachorro para passear”, “às 2 da tarde está bem para você?”.
Toda esta comunicação é facilitada pela internet. McDonald recomenda usar websites para pacientes, onde eles podem publicar blogs informando como estão os tratamentos ou como está a sua agenda. Assim, os interessados podem ler e ficar informados sobre como podem ajudar.
É perfeitamente normal que alguém tenha curiosidade pelo estado de um amigo ou parente com câncer, mas, às vezes, suas perguntas podem não ser sensatas.
“‘Quanto tempo você tem de vida?’ definitivamente não é algo que você queira ouvir, embora você pense muito nisso e seja a realidade”, afirma ela. “Talvez, o melhor que você possa fazer é ficar quieto e ouvir. Assim você irá aprender quais assuntos deve abordar, incluindo os mais sensíveis, quando abordá-los e o que fazer.”
McDonald criou um website (thecancerchannelbook.com), no qual publica suas listas do que fazer e do que dizer para pacientes e seus familiares próximos.
- “Diga o que posso fazer por você.” Isso é injusto, pois a pessoa com câncer já tem muito com o que lidar e agora precisará buscar uma tarefa para você fazer.
- “Eu nunca conseguiria passar pelo que você está passando.” Pode parecer um elogio, mas ninguém decide ter câncer, nem se torna um herói quando desenvolve a doença. A pessoa simplesmente faz o melhor que puder para se manter viva, como você também faria.
- “Admiro tua atitude.” Na verdade, me dá raiva ter câncer, mas receio que, se expressar como me sinto, as pessoas à minha volta não irão se sentir muito bem comigo. Por isso, finjo ter boa atitude.
- “Tenho uma tia que teve câncer.” Cada câncer é diferente e seus tratamentos e protocolos mudam todos os dias. A experiência da sua tia será muito diferente da minha.
‘Não é necessariamente uma sentença de morte’
O livro The Cancer Channel surgiu do impulso de querer descrever sua experiência, com seus altos e baixos físicos e emocionais, para que outras pessoas recém-diagnosticadas possam se identificar, não se sentir tão sozinhas e entender o que podem esperar.
Os médicos podem falar do ponto de vista científico, do tratamento, dos medicamentos etc. Mas Sarah McDonald queria compartilhar sua história no dia a dia, com as coisas práticas, as curiosidades e disparates, “como se estivesse explicando à minha melhor amiga o que ela deve esperar se estiver passando pelo mesmo que eu”.
Quando estava no meio do tratamento, já havia perdido o cabelo e precisava desenhar as sobrancelhas a lápis, McDonald conta que uma mulher a abordou em uma loja. “Ela me disse, ‘saí do tratamento há cinco anos e só queria mostrar que estou aqui, com vida, e que existe algo esperando você do outro lado’.”
“Foi incrível ouvir alguém que teve câncer e me dizia que não precisa necessariamente ser uma sentença de morte. Agradeci muito”, ela conta.
Dez anos depois do seu duplo diagnóstico, McDonald encontra-se no estado conhecido como “nenhuma evidência da doença”.
É claro que ela precisa monitorar permanentemente o seu estado, especialmente o câncer de glândula salivar, e continuar tomando medicamentos.
Mas, alguns anos depois do fim da radiação e da quimioterapia e de começar o tratamento com remédios inibidores dos hormônios, McDonald considerou a possibilidade de ter um filho por meio de uma mãe substituta. Até que ela conheceu um estudo na Europa sobre mulheres que interromperam sua medicação, conseguiram ficar grávidas e, depois de dar à luz, retomaram o regime farmacológico.
“No tempo que resta, na sua curta, mas preciosa vida, o que você quer fazer?”, perguntou-se ela. A resposta veio na forma da sua filha Rory, que agora tem seis anos de idade.
“Depois de um diagnóstico de câncer, tudo se reduz a uma única coisa: viver. O resto é ruído”, afirma McDonald. “Priorizo acima de tudo minha filha, meu marido e minhas amizades. No final, o que vale é como nós amamos e quem nós amamos.”
Fonte: BBC
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