- Author, Juan Francisco Alonso
- Role, BBC News Mundo
“Quando o Velho quer matar um grande senhor, ele escolhe os jovens mais corajosos (…) mandava-os dizendo (…) que se ele desaparecesse, o céu estaria reservado para eles.”
Com estas palavras, o explorador veneziano Marco Polo (1254-1324) descreveu no seu O Livro das Maravilhas um grupo de muçulmanos que décadas antes espalhara o terror no Oriente Médio, tanto entre os cristãos como entre os seguidores do profeta Maomé: os asasiyun ou hashashin.
Do termo, originou-se a palavra “assassino”, que passou a significar “aquele que mata”.
Uma das principais marcas que esta ordem deixou na história aconteceu em 28 de abril de 1192 na cidade de Tiro (atual Líbano).
Naquele dia, o marquês italiano Conrado de Monferrato (ou Conrado de Jerusalém), um dos líderes da terceira cruzada (1189-1192), preparava-se para celebrar sua recente eleição como rei de Jerusalém.
No entanto, a comemoração não aconteceu.
Segundo crônicas da época, dois mensageiros conseguiram chegar ao fidalgo com uma carta e, enquanto ele a lia, os súditos sacaram punhais e o esfaquearam.
E embora nunca tenha sido esclarecido quem os enviou, ficou estabelecido que eram membros da Ordem dos Assassinos, que ao longo do tempo inspirou romancistas, diretores de cinema e televisão e, mais recentemente, os criadores da saga de videogame Assassin’s Creed.
Terceira via
Naquela época, as diferenças sobre quem deveria sucedê-lo como imã (líder) resultaram no surgimento de duas correntes: o xiismo e o sunismo, como explica Ignacio Gutiérrez de Terán, professor de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade Autônoma de Madri, na Espanha.
No século 9, os xiitas haviam se expandido, mas houve um novo desacordo sobre a liderança e surgiu um ramo chamado Ismaelismo, em homenagem ao imã Ismail ibn Jafar.
Este grupo também sofreu sua própria cisão devido a disputas sobre quem deveria liderá-lo e uma parte se reuniu em torno de um príncipe chamado Nizar, que após tomar o poder em Alexandria (atual Egito) foi assassinado pouco depois pelos seguidores de seu irmão mais novo, que governava no Cairo.
No entanto, os seguidores de Nizar, em vez de aceitarem a nova ordem, deslocaram-se para o leste, em direção à Pérsia (atual Irã); e lá eles propagaram suas crenças, que não eram bem vistas pelos sunitas ou pelos xiitas.
Os Nizaris incorporaram elementos da filosofia grega e do esoterismo em sua prática do Islã.
Para escapar da perseguição, o grupo desenvolveu uma rede de missionários.
Um desses pregadores atraiu um jovem persa chamado Hasan-i Sabbah no século 11, que se converteu e também formou uma sociedade secreta: os hashashin.
“Os nizaris são uma reação a esta tentativa de colonização dos árabes, é um autoctonismo [evolução própria] persa frente a outras correntes mais árabes”, diz Emilio González Ferrín, professor de Estudos Islâmicos da Universidade de Sevilha, na Espanha.
“Os hashashin, por sua vez, são uma radicalização [dos Nizaris], é uma corrente social que tinha uma desculpa religiosa. E antes de serem exterminados só podem pensar em se tornar um grupo terrorista”, acrescenta.
Fundamentalismo
Os Nizaris tentaram criar seu próprio Estado, mas fracassaram.
Então, Hasan-i Sabbah optou por recuar para as montanhas do Irã e tomou o castelo de Alamut, localizado na cordilheira de Elburz (cerca de 100 quilômetros a norte da cidade de Teerã).
Esta fortaleza era a principal de uma rede de fortificações que os nizaris possuíram e que se estendeu até os atuais Líbano e Síria.
A partir daí o fundador da seita, que mais tarde seria conhecido como “O Velho da Montanha”, procurou “influenciar decisivamente o curso da política nos estados islâmicos”, explica Gutiérrez de Terán.
Para atingir os seus objetivos, Hasan-i Sabbah formou uma milícia altamente treinada, que utilizou para atacar alvos específicos nos Estados e dinastias muçulmanas e também nos territórios dos Cruzados.
“Como não lhes é permitido tomar o poder, nem têm força para tomá-lo ou controlá-lo, então procuram atingi-lo, mediante operações cirúrgicas; isto é, vão e matam alguém, independentemente de conseguirem escapar ou não”, acrescenta González Ferrín.
O historiador explica que o movimento liderado por Hasan-i Sabbah não era popular nem de massa, mas era “extremamente intelectual, com uma inclinação religiosa que gerou o fundamentalismo”.
Existem muitas versões e mitos sobre a milícia. Fontes muçulmanas referiam-se depreciativamente aos seus membros, cujo nome verdadeiro era fedayin (aqueles que se sacrificam pelos outros), como hashashin, uma palavra árabe usada para identificar pessoas que consumiam haxixe, resina extraída da planta da maconha.
Por que eles começaram a ser conhecidos assim?
“Diz-se que Hasan-i Sabbah, durante o treinamento, falava aos seus milicianos sobre o paraíso e depois os embriagava com folhas narcóticas, que eles bebiam, mastigavam ou ingeriam de qualquer forma; e a partir daí ele os encarregava dos assassinatos que deveriam cometer”, contextualiza Gutiérrez de Terán.
No entanto, González Ferrín diz acreditar que essa versão não procede e que se espalhou devido à falta de compreensão das táticas utilizadas pelo grupo e às tentativas de desacreditá-lo.
“Acredita-se que estavam drogados, porque eram kamikazes, mas se assim fosse certamente seria uma substância diferente do haxixe”, diz.
González Ferrín também indicou que existem outras etimologias possíveis para o termo hashashin e uma delas é “fundamentalista”.
‘Tropa de elite’
A compra ou rapto de crianças camponesas foram algumas das formas pelas quais Hasan-i Sabbah e seus sucessores alimentaram as fileiras da milícia.
Uma vez recrutados, os novos membros eram instruídos não só no combate corpo a corpo, mas também na língua, cultura e costumes dos vilarejos ou cidades onde iriam executar os seus golpes.
“Eles eram uma espécie de ninjas, lutadores que sabiam se infiltrar entre as pessoas”, diz González Ferrín.
Gutiérrez de Terán concorda, descrevendo-os como “pessoas muito versadas e cultas, que conheciam as tradições e até o modo de falar e de se comportar dos habitantes dos lugares onde iriam perpetrar os seus ataques”.
Precisamente a capacidade de infiltração dos assassinos, aliada à sua precisão e frieza, tornaram eles famosos e temidos.
“Os assassinos devem ser amaldiçoados e deles devemos fugir. Eles se vendem, têm sede de sangue humano, matam inocentes por um preço e não se importam com nada, nem mesmo com a salvação”, escreveu o historiador anglo-americano Bernard Lewis, em seu livro Os Assassinos: os primódios do terrorismo no islã, no qual cita a história de um padre alemão no século 14.
Segundo o religioso, chamado Brocardus, “como o diabo, eles se transfiguram em anjos de luz, imitando os gestos, as vestimentas, as línguas, os costumes e os atos de diversas nações e povos; assim, escondidos em peles de cordeiro, sofrem a morte assim que são reconhecidos”, diz Lewis.
González Ferrín, por sua vez, não hesita em qualificar os membros desta ordem como “os primeiros terroristas da história”.
Por quê? Porque muitas das suas ações foram realizadas em plena luz do dia e em público com o propósito de incutir medo.
“Se um governador passasse por um mercado com sua escolta, do nada aparecia um assassino, sacava uma faca e cortava sua garganta, independentemente de sair vivo ou não”, diz ele.
A morte do assassino era até desejável, porque assim sua base de operações permanecia secreta, acrescenta Gutiérrez de Terán.
Auto-sacrifício
Para fazer com que seus seguidores se dispusessem a se sacrificar, Hasan-i Sabbah os submetia à doutrinação religiosa em Alamut.
O castelo foi condicionado para facilitar esta instrução, segundo Marco Polo em seu livro.
“[Hasan-i Sabbah] havia construído entre duas montanhas, num vale, o jardim mais lindo que já se viu. Nele estavam os melhores frutos da terra (…) Havia no centro do jardim uma fonte, por cujos canos passava o vinho, por outro o leite, por outro o mel e por outro a água”, escreveu o explorador veneziano.
“Ele havia levado para [o jardim] as donzelas mais lindas do mundo, que sabiam tocar todos os instrumentos e cantavam como anjos, e o Velho [da montanha] fez seus súditos acreditarem que aquilo era o Paraíso”, escreve em seu O Livro das Maravilhas.
Segundo a versão do aventureiro europeu, “nenhum homem entrou no jardim, exceto aqueles que se tornariam assassinos”.
Hasan-i Sabbah, segundo Marco Polo, confinava os combatentes treinados no pomar para que pudessem desfrutar dos prazeres ali existentes.
Porém, quando o líder tinha uma missão para alguém, ele o drogava e o retirava do jardim; e quando o escolhido acordava lhe dizia que se quisesse regressar ao “Paraíso”, que se inspirava nas pregações de Maomé, teria que cumprir a tarefa que lhe fora atribuída.
E os escolhidos cumpriam a tarefa porque “por vontade própria ninguém sairia do Paraíso onde estavam”, concluía Polo.
Mongóis
A ordem Nizari conseguiu sobreviver durante 166 anos, até que um inimigo do norte os exterminou: os mongóis.
“Os mongóis eram uma ameaça enorme, muito maior até que os cruzados, pois eram mais selvagens e vinham de um lugar mais próximo que o Ocidente. E, portanto, os nizaris tentaram chegar a algum tipo de acordo com eles, mas não conseguiram fazer isso”, explica Gutiérrez de Terán.
O formidável Exército de Hulagu Khan, neto do temido Genghis Khan, avançou sobre a fortaleza até então inexpugnável e arrasou-a.
Algumas versões sustentam que Hulagu Khan acreditava que os assassinos haviam matado um tio seu.
Mas antes que isso acontecesse, muitos líderes e nobres muçulmanos e cristãos morreram nas mãos de seus combatentes.
Um dos alvos dos assassinos, mas que conseguiu salvar sua vida, foi o sultão Náser Salah-Uddin Yusuf Ibn Ayub ou Saladino, uma das figuras mais importantes do Islã, por ter sido quem reconquistou Jerusalém para os muçulmanos no século 12.
“Saladino realizou uma série de campanhas para expulsar os cruzados, mas percebeu que para conseguir isso também deveria acabar com alguns Estados e reinos muçulmanos, que muitas vezes colaboravam com os cruzados. Durante essa campanha, ele teve como alvo Masyaf, uma fortaleza Nizari [localizada na atual Síria]”, diz Gutiérrez de Terán.
A resposta dos Nizaris foi imediata e em 1185 enviaram assassinos para acabar com a vida dele.
“Os assassinos infiltraram-se no acampamento de Saladino vestidos como seus soldados (…) e tentaram matá-lo na sua tenda, mas não conseguiram porque ele usava uma cota de malha e por baixo de seu turbante tinha uma espécie de capacete de aço”, acrescenta.
O rei Eduardo 1º da Inglaterra, que participou da 9ª Cruzada, também escapou por pouco da morte sob a espada de um desses fedayin em 1272.
Esse tipo de operações e o fato de ao longo do tempo terem oferecido seus serviços tanto a muçulmanos como a cristãos, em troca de grandes somas de dinheiro, acabaram por forjar a imagem de assassinos de aluguel que perdurou ao longo dos séculos.
Fonte: BBC
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