• Paula Rosas
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A arquitetura passiva tenta evitar as perdas de calor das construções para limitar ao máximo o consumo de energia

Ondas de calor, preço da energia e dos combustíveis nas alturas. Aquecer ou resfriar uma casa vai ficar cada vez mais caro e problemático em qualquer lugar do mundo.

Dentro de poucas décadas, partes da Terra que estavam acostumadas a climas temperados vão sofrer condições meteorológicas muito mais extremas.

Com mais calor, aumenta o uso de ar-condicionado, o que resulta em um consumo maior de energia, que contribui com o aquecimento global, gerando assim… mais calor — um círculo vicioso que já nos capturou e nos condena ao desastre total.

Mas existem soluções para construir edifícios com menor impacto ambiental, seja utilizando materiais naturais recicláveis, como madeira ou barro, ou seguindo uma série de normas que reduzem drasticamente o consumo de energia.

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Casa passiva no delta do Rio Tigre, na Argentina, construída sobre pilares elevados para permitir as frequentes cheias do rio

Trata-se do conceito conhecido como “casas passivas”, que utilizam a própria arquitetura da construção para mantê-las aquecidas nos meses frios e frescas nos períodos quentes. A redução do consumo de energia nessas construções pode chegar a até 90%.

Arquitetura econômica

“A ideia é que a economia de energia não deve ser apenas preocupação do usuário, mas sim uma questão técnica que pode e deve ser resolvida com os componentes da arquitetura e conhecimento técnico”, explica Berthold Kaufmann, cientista sênior do Instituto Passivhaus, a instituição alemã que definiu este padrão de construção que se espalhou por todo o mundo.

Isso significa que reduzir o consumo de energia não deve apenas depender de baixar o termostato, usar mais agasalho no inverno ou nos acostumar a passar calor no verão. A arquitetura pode e deve ajudar.

Seguindo uma série de princípios, como bom isolamento e o estudo da orientação solar e das condições climáticas da região, as casas passivas podem reduzir a pegada energética de uma residência a um nível mínimo.

O arquiteto espanhol Nacho Cordero, formado no conceito de casas passivas, utiliza uma analogia para explicar a questão.

“Imagine que você vai fazer um barco, e a forma de projetá-lo é equipá-lo com uma bomba de drenagem para que não afunde. A arquitetura passiva é o contrário disso. É tentar fazer com que o barco não precise da bomba de drenagem ou que tenha apenas para casos de emergência”, afirma.

No fundo, a ideia é simples: “é tentar fazer bem as coisas”.

Na verdade, embora a gente costume habitualmente associar as moradias ecológicas a construções espetaculares e luxuosas, ou situadas em cenários de sonho, qualquer casa — até mesmo um bloco de apartamentos na periferia — pode se transformar em uma residência passiva.

Mas uma construção que atenda a esses padrões será muito diferente no Brasil e na Islândia, por exemplo. O conceito e as propriedades físicas que a sustentam são os mesmos — mas, em um país frio, a construção tentará captar o máximo possível de radiação solar, enquanto tentará criar zonas de sombra nos lugares em que o Sol é abrasador no verão.

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A arquitetura passiva pode ser utilizada em grandes edifícios públicos, como este quartel dos bombeiros em Heidelberg, na Alemanha

Ainda assim, o objetivo de todas as construções passivas é o mesmo: manter o consumo de energia no nível mínimo.

“Para uma residência nova, o objetivo das casas passivas é consumir, no máximo, 15 kW por m² por ano e 25 kW para as que forem renovadas com esses padrões”, afirma Kaufmann.

Considerando que uma moradia convencional pode consumir de 150 a 300 kW por m² ao ano, a economia é considerável.

Onde surgiu a arquitetura passiva?

Em princípio, a arquitetura passiva — entendida como a arquitetura adaptada às condições climáticas do seu entorno — existe desde a Antiguidade.

Os diferentes povos ao longo da história tentaram empregar os recursos disponíveis à sua volta e adaptar-se à geografia e à meteorologia para construir moradias que oferecessem um nível de conforto aceitável.

As casas de barro do Mali — frescas no interior, mesmo com o impiedoso Sol do Saara — e os iglus dos povos indígenas das regiões árticas são exemplos de moradias sustentáveis e passivas.

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Moradia passiva nova nas Astúrias, Espanha

Mas a invenção dos sistemas modernos de ar-condicionado e calefação no século 20 fez com que a arquitetura se desvinculasse em grande parte do clima ao seu redor.

Um edifício poderia ser mantido fresco com um climatizador, por exemplo, apesar de ser revestido de vidro em uma região ensolarada. Já as caldeiras de calefação, sejam elas a gás ou outros combustíveis, permitem manter as casas quentes, mesmo com janelas que não fecham direito.

Até que a crise do petróleo dos anos 1970 fez renascer o conceito da eficiência energética — que, com a emergência climática, virou questão de prioridade.

Desde então, o conceito de “moradia passiva” começou a se popularizar nas faculdades de arquitetura, com o objetivo de reduzir o impacto energético dos edifícios.

Surgiram diferentes sistemas nos Estados Unidos, na Itália e na Suíça, mas o que acabou prevalecendo foi o sistema estabelecido no final da década de 1980 pelo alemão Wolfgang Feist e pelo sueco Bo Adamson. Sua primeira passivhaus (termo em alemão que significa “casa passiva”) foi construída em 1991 — e, atualmente, milhares de construções ostentam esta certificação em todo o mundo.

Quais são os princípios?

Cinco princípios básicos regem os padrões da residência passiva.

Isolamento térmico: as casas passivas possuem excelente isolamento térmico, que pode chegar a ser o triplo das construções convencionais.

“Em climas frios, é preciso usar camadas de isolamento de 20 ou 30 centímetros, embora em climas temperados elas não precisem ser tão espessas”, explica Kaufmann. Esta camada protetora envolve a casa e evitará a entrada e saída de frio ou de calor.

Hermeticidade: se for instalado um isolamento térmico de boa qualidade, mas sem boa vedação, o calor escapará pelas ranhuras, gerando correntes de ar incômodas e perdendo eficiência energética.

As casas passivas levam em conta a hermeticidade dos edifícios. Para isso, são realizados testes de sopro de ar para verificar por onde o ar sai e fazer as correções.

Portas e janelas de boa qualidade: uma parte importantíssima da energia que usamos para aquecer uma moradia escapa pelas janelas.

As casas passivas cuidam ao máximo da orientação dos vãos das residências para aproveitar todo o potencial do Sol. E também utilizam janelas de vidro triplo para evitar as perdas de calor, tanto quanto possível.

Redução das pontes térmicas: são aqueles pontos em que a superfície isolante é rompida (por exemplo, por um prego ou pelo batente de uma janela de alumínio), permitindo que o calor escape de uma construção.

Sistema de ventilação com recuperação de calor: ao abrir as janelas para ventilar, perde-se calor no inverno e frio no verão.

Nas casas passivas, é instalado um sistema de ventilação mecânica, que filtra o ar e recupera o próprio calor da casa para aquecer o ar que entra. Com este sistema, não é necessário abrir as janelas.

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O sistema de ventilação com recuperação de calor permite ter ar limpo sem necessidade de abrir as janelas

Regulamentação pública

O padrão passivhaus é cada vez mais comum em regiões como a União Europeia, cujas instituições exigem que as novas construções se aproximem ao máximo possível do consumo de energia zero. E essas diretrizes são posteriormente implementadas em cada país pelas suas regulamentações locais.

Mas, de forma geral, cada vez mais países tentam reduzir a pegada de carbono das novas construções — às vezes, com medidas chamativas, como a que tentou impor Bill de Blasio, ex-prefeito de Nova York, nos Estados Unidos, ao propor a proibição da construção “dos arranha-céus clássicos de aço e vidro, que são incrivelmente pouco eficientes”.

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Com 88 metros de altura, o edifício Bolueta, em Bilbao, na Espanha, era a construção passiva mais alta no mundo, até que um novo edifício que está sendo construído na China roubou o título

A medida não foi adiante, mas fez com que muitas pessoas refletissem sobre a relação entre a arquitetura e as mudanças climáticas.

Para Kaufmann, a proposta de De Blasio faz muito sentido: não só é mais ecológico, como também é mais barato.

“Cerca de 30% a 50% da superfície de vidro são mais que suficientes para obter a luz necessária. Em um edifício comercial, por exemplo, apenas as janelas acima das mesas são úteis. Tudo o que está embaixo não traz benefícios, além de aumentar o calor no verão e causar perda de calor no inverno”, explica.

Posso converter minha residência em uma casa passiva?

Qualquer residência pode virar uma casa passiva. As mais eficientes serão aquelas já construídas com esses padrões, mas Kaufmann garante que “é possível reformar residências seguindo o conceito passivhaus“.

“É mais comum na modernização de edifícios inteiros ou casas independentes”, afirma Cordero.

Mas isso não significa que um apartamento não possa ser reformado para chegar o mais perto possível do padrão passivhaus.

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O isolamento térmico é fundamental na arquitetura passiva

Quanto custa uma casa passiva?

É claro que investir em materiais de boa qualidade encarece o processo de construção.

“Certamente é um pouco mais caro, mas não muito”, reconhece Kaufmann.

Ele calcula o custo do revestimento do prédio em 5% a 6% a mais que o normal. Outros elementos, como as janelas de melhor qualidade, também aumentam o custo final.

“Em números absolutos, calculamos um aumento de cerca de US$ 100 (aproximadamente R$ 520) por m² de área útil em uma construção nova e um pouco mais para as renovações, cerca de US$ 150-200 (de R$ 780 a R$ 1.040) por m²”, avalia.

O arquiteto Cordero reconhece que este tipo de construção aumenta o custo da moradia, especialmente para obter a certificação oferecida pelo Instituto Passivhaus, um processo que pode ser longo.

“Não é obrigatório, mas, afinal, é um selo de qualidade”, afirma.

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Moradia renovada nas Astúrias, na Espanha, seguindo o padrão ‘passivhaus’

Com ou sem selo, o objetivo é sempre o mesmo: economizar energia.

“Os clientes nos dizem que querem uma casa cuja manutenção não seja um rombo energético. No fundo, é questão de bom senso: se você vai fazer um grande investimento, como construir uma casa, é preferível gastar um pouco mais na construção para que, com o passar dos meses, ela seja mais econômica”, explica Cordero.

E a manutenção? Exceto pelo sistema de ventilação, que inclui filtros que precisam ser trocados periodicamente, o restante da manutenção é igual às construções convencionais.

Afinal, segundo Kaufmann, trata-se de pensar no futuro. A arquitetura passiva exige um consumo de energia tão baixo que permita o abastecimento da casa apenas com energias renováveis, o que atualmente é impossível para as construções convencionais.

“Por isso, precisamos reduzir a demanda de energia, para quando não tivermos gás ou outras fontes fósseis de energia no futuro”, explica Kaufmann.

Um futuro que, talvez, não esteja tão distante assim.

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