- Jessica Klein
- BBC Worklife
Depois que Chris, com 35 anos de idade, assumiu-se bissexual três anos atrás, ele decidiu que “não queria necessariamente viver uma vida heteronormativa”.
“Eu queria poder namorar homens e mulheres simultaneamente por toda a minha vida”, afirma Chris (seu sobrenome é omitido para manter sua privacidade). “Eu sentia que a monogamia me negaria parte de mim mesmo.”
Durante a pandemia, Chris mudou-se para uma comunidade sexualmente positiva no Brooklyn, Nova York, nos Estados Unidos – um “espaço seguro” onde ele poderia explorar ainda mais sua relação com o sexo e a sexualidade.
Por meio dessa comunidade, ele descobriu um curso chamado Open Smarter, que orientava seus alunos a explorar diversos tipos de relacionamentos eticamente não-monogâmicos. Foi ali que ele ouviu pela primeira vez a expressão “poliamor solo” e percebeu rapidamente como ela se encaixava com seu estilo de vida amorosa.
Basicamente, o poliamor solo designa pessoas que estão abertas a namorar ou dedicar-se a diversos relacionamentos significativos, sem que tenham um “parceiro principal” – uma pessoa com a qual eles se comprometem acima de todos os demais parceiros. Em vez disso, o adepto do poliamor solo poderá ver a si próprio como seu parceiro principal, evitando os objetivos típicos dos relacionamentos, como reunir as finanças ou morar junto com um parceiro, casar-se e ter filhos.
O poliamor solo representa uma pequena parcela dos adeptos do poliamor em geral. Muitos deles tendem a ter ou desejar ter um parceiro principal, segundo Liz Powell, terapeuta e educadora sexual da Filadélfia, nos Estados Unidos. Por isso, é naturalmente difícil calcular qual percentual da população em geral adota relacionamentos desta forma.
Mas estudos demonstram que as gerações mais jovens são mais propensas a adotar algum tipo de relacionamento não-monogâmico que as gerações mais velhas.
Segundo um estudo da empresa de pesquisas YouGov com 1.300 norte-americanos adultos, realizado em 2020, 43% dos millennials afirmaram que sua relação ideal seria não-monogâmica, embora apenas 30% das pessoas da geração X afirmem o mesmo. E, de forma geral, uma pesquisa de 2016 que sintetiza dois estudos norte-americanos diferentes demonstrou que 20% dos participantes tiveram, em algum momento, relacionamentos consensualmente não-monogâmicos.
Mas esses estudos não detalham os números para os tipos específicos de relacionamentos não-monogâmicos, de forma que é impossível afirmar quantas das pessoas pesquisadas identificam-se com o poliamor solo.
Como os adeptos do poliamor solo são uma identidade minoritária, os conceitos errôneos sobre seus estilos de vida multiplicam-se – desde aqueles que comparam o poliamor solo com ter diversos namoros monogâmicos até encontrar “o escolhido”, até as pessoas que o consideram uma atitude egoísta ou gananciosa, como querer “ter o melhor de dois mundos”.
O fato é que existe a tendência de ignorar a definição mais flexível da expressão, que acaba sendo reduzida a uma fuga da heteronormativa “escada rolante do relacionamento” por pessoas que optam por uma forma alternativa de envolver-se em relacionamentos amorosos e sexuais.
A ‘escada rolante do relacionamento’
A expressão poliamor solo ganhou popularidade com o blog Solopolynet, escrito pela jornalista norte-americana Amy Gahran sob o pseudônimo Aggie Sez.
Ela publicou sua primeira postagem, com o título Riding the relationship escalator (or not) (“Subindo pela escada rolante do relacionamento (ou não)”, em tradução livre), em 2012. Cerca de cinco anos depois, ela escreveu um livro sobre o tema, Stepping Off the Relationship Escalator: Uncommon Love and Life (“Saindo da escada rolante do relacionamento: vida e amor incomuns”, em tradução livre).
Gahran define a “escada rolante” como “o conjunto padrão de costumes sociais para a conduta adequada nos relacionamentos íntimos” – em outras palavras, relacionamentos que atingem, ou pretendem atingir, os momentos tradicionalmente marcantes da vida, como morar junto com um parceiro, reunir as finanças, noivar, casar-se e ter filhos.
“Temos esses momentos marcantes ou sinais normalizados de que o relacionamento é sério”, segundo Rachel Krantz, da Califórnia, nos Estados Unidos, autora do livro Open: An Uncensored Memoir of Love, Liberation and Non-Monogamy – A Polyamory Memoir (“Aberta: Memórias sem censura do amor, liberação e da não-monogamia – memórias do poliamor”, em tradução livre). “Os adeptos do poliamor solo tendem a evitar interligar sua vida com outras pessoas dessa forma.”
Embora a definição possa parecer restrita, existem muitas formas de adotar o poliamor solo. Essas pessoas tendem a ser alossexuais, segundo Elisabeth Sheff, do Colorado, nos Estados Unidos, autora de livros que incluem The Polyamorists Next Door (“Os adeptos do poliamor à nossa volta”, em tradução livre), o que significa que eles tendem a experimentar desejos sexuais – mas outros são assexuais e mantêm diversos relacionamentos não sexuais.
Eles também tendem a “valorizar sua independência”, segundo Sheff, mas alguns têm relacionamentos não amorosos muito importantes nas suas vidas, que colocam em primeiro lugar. “O pai ou mãe solteira que prioriza seus filhos sobre todos os demais relacionamentos pode ser adepto do poliamor solo”, segundo Sheff, bem como alguém que seja cuidador de uma pessoa portadora de deficiência.
O poliamor solo também não precisa durar para sempre. Alguém poderá identificar-se com o poliamor solo hoje, mas ainda acabar entrando em um relacionamento mais tradicional, compartilhando sua casa ou finanças no futuro – e não precisa ser uma identidade fixa para ser válido, segundo Zhana Vrangalova, consultora e pesquisadora sexual de Nova York, nos Estados Unidos.
Na verdade, Chris tem interesse em encontrar um parceiro principal algum dia, mas afirma que, enquanto isso, o poliamor solo “me permite namorar, ter experiências com as pessoas, conhecer muitas pessoas diferentes e atende algumas das minhas necessidades”. Ele acrescenta que é parecido com o tempo em que ele namorava de forma monogâmica, “exceto porque agora tenho um rótulo para comunicar às pessoas quais são as minhas intenções”.
Vrangalova é originariamente da Macedônia do Norte e ministra o curso Open Smarter, do qual Chris participou em Nova York. Ela estima que cerca de dois terços da sua classe são de pessoas que possuem relacionamentos, dos quais pouco mais da metade são monogâmicos. Mas essas pessoas estão “tentando descobrir se algum tipo de relacionamento não-monogâmico seria ideal para elas”.
Os demais alunos já estão explorando diversas formas de relacionamentos não-monogâmicos e buscam mais conhecimentos para ajudá-los no processo, ou são solteiros em busca de relacionamentos.
O poliamor solo não é o ideal para todos. Vrangalova faz testes de personalidade com seus alunos para ajudá-los a definir um ou mais estados de relacionamento que possam funcionar melhor para eles.
Esses testes incluem perguntas como “o grau de aventura e novidade” de que os participantes precisam ou o quanto de segurança que eles exigem nos seus relacionamentos. Os adeptos do poliamor solo, segundo Vrangalova, “normalmente não precisam de muita segurança no relacionamento”.
Mas só porque alguém que se identifica com o poliamor solo pode não precisar do mesmo grau de segurança de alguém em uma parceria monogâmica de longo prazo, isso não quer dizer que eles não possam ou não venham a formar laços profundos e duradouros com seus parceiros.
Para incentivar esses relacionamentos de confiança, a educadora sexual Powell, que se identifica com o poliamor solo, afirma que eles são muito abertos com seus parceiros potenciais sobre seus desejos e necessidades.
“Eu não vou deixar de perguntar [o que eu quero em um relacionamento] só porque estou preocupada porque você vai dizer não”, dizem eles. “Se as pessoas dizem não, elas dizem não, e nós decidimos para onde vamos a partir dali.”
O antídoto para o ‘privilégio dos casais’?
Muitos estigmas em torno do poliamor solo vêm da falta de compreensão geral do motivo pelo qual algumas pessoas não querem o chamado relacionamento tradicional “sério”. Os estereótipos dos adeptos do poliamor solo incluem “egoísmo, fuga ou confusão de várias formas”, segundo Vrangalova.
Além disso, o poliamor solo é marcado pela falta de adoção dos marcos do relacionamento, como casamento e filhos – que também são considerados marcos da idade adulta.
“As pessoas que consideramos ‘adultas’ são casadas, têm filhos, vivem juntas e compartilham as finanças”, afirma Powell. “Já os ‘adultos instáveis’ como eu, que vivem sozinhos e não se casaram, são exemplos de tudo o que há de errado na sociedade.”
É claro que os adultos podem viver sozinhos com muito sucesso e ser autossuficientes. Para aqueles que se identificam com o “poliamor solo”, isso também não significa que eles “não se importam com as pessoas”, segundo Sheff. “Eles simplesmente não querem organizar sua vida de forma centralizada em torno de um parceiro amoroso.”
Esses preconceitos acompanham outra força social conhecida como o “privilégio dos casais”. O significado dessa expressão é amplo e inclui tanto as vantagens que os casais têm na sociedade com relação aos solteiros (como os benefícios financeiros do casamento e da união estável) e a postura de que, em um relacionamento poliamoroso, por exemplo, o sucesso do casal primário deve ser priorizado e todas as demais ações dos parceiros devem ser tomadas considerando a preservação daquele relacionamento primário.
Esses estigmas e expectativas sociais podem representar bloqueios para que as pessoas se identifiquem com o poliamor solo. Quando Powell estava em um relacionamento poliamoroso em Savannah, no Estado da Geórgia (Estados Unidos), por volta de 2014, eles tentaram encontrar um terapeuta favorável à não-monogamia, sem sucesso. Isso os levou a preencher a lacuna e Powell abriu seu próprio consultório particular dirigido a pessoas que se identificam como não-monogâmicas, queer, kinky e/ou trans.
Mesmo nos círculos da psicologia, persiste a falta de conhecimento sobre o poliamor, que dirá sobre o poliamor solo. Sheff é parte da Divisão 44, um subgrupo da Associação Norte-Americana de Psicologia que desenvolve materiais educativos sobre o poliamor para conselheiros e terapeutas.
Mais do que apenas namorar por aí
Em última análise, o poliamor solo é muito mais do que uma forma de namorar diversos parceiros vivendo sozinho. É uma rejeição dos padrões de relacionamento heteronormativos.
“Para mim, grande parte do poliamor solo envolve descobrir formas de concentrar-me na minha própria autonomia, na autonomia dos outros e questionar sinceramente o que eu quero em um relacionamento, em vez de considerar que todo relacionamento segue a fórmula da escada rolante”, segundo Powell.
Da mesma forma, Chris foi atraído pelo rótulo de poliamor solo por permitir que ele pensasse sobre os relacionamentos e os abordasse de forma diferente. Ele conta que as formas de relacionamento que acompanharam seu desenvolvimento não faziam sentido para ele. Antes da legalização do casamento gay nos Estados Unidos, ele tinha relacionamentos sexuais com pessoas que ele sabia que nunca poderiam se casar.
Hoje, Chris afirma que não eliminaria totalmente a perspectiva de casamento, mas não é exatamente um admirador dessa instituição. “Como pessoa queer, bissexual, não gosto da estrutura heteronormativa do casamento”, afirma ele. “Quero me rebelar contra isso.”
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