- Author, Thomas Germain
- Role, BBC Future
Há quatro anos, a Índia era o maior mercado do TikTok.
O aplicativo contava com uma base de 200 milhões de usuários, subculturas em expansão e, muitas vezes, oportunidades de mudança de vida para criadores de conteúdo e influenciadores.
O TikTok parecia imbatível — até que as tensões latentes na fronteira entre a Índia e a China eclodiram em uma onda de violência mortífera.
Após o conflito na fronteira, o governo indiano proibiu o aplicativo em 29 de junho de 2020. Praticamente da noite para o dia, o TikTok desapareceu.
Mas as contas e os vídeos indianos do TikTok ainda estão online, parados no tempo em que o aplicativo tinha acabado de emergir como um gigante cultural.
De certa forma, a experiência indiana pode ser um vislumbre do que pode vir pela frente nos Estados Unidos.
A lei exige que a empresa proprietária do TikTok, a Bytedance, venda sua participação no aplicativo nos próximos nove meses — com um período adicional de três meses de tolerância — ou enfrentará uma possível proibição no país.
A Bytedance afirma que não tem intenção de vender a plataforma de rede social — e prometeu contestar a legislação na Justiça.
Banir um aplicativo de rede social deste porte seria algo sem precedentes na história da tecnologia americana, embora a batalha judicial que vem pela frente torne o destino do TikTok incerto.
A experiência indiana mostra o que pode acontecer quando um grande país elimina o TikTok dos smartphones dos seus cidadãos.
Uma exposição inédita
Enquanto os 150 milhões de usuários do aplicativo nos EUA navegam à espera do que pode acontecer, a proibição do TikTok na Índia mostra que os usuários se adaptam rapidamente — e que quando o TikTok morre, grande parte de sua cultura morre com ele.
A conta de Sucharita Tyagi, uma crítica de cinema que vive em Mumbai, tinha 11 mil seguidores quando o TikTok desapareceu da noite para o dia — e alguns dos seus vídeos acumulavam milhões de visualizações.
“O TikTok era gigante. As pessoas se reuniam em todo o país, dançando, fazendo esquetes, postando sobre como administravam suas propriedades agrícolas em pequenos vilarejos nas montanhas”, diz Tyagi.
“Havia um grande número de pessoas que de repente tiveram esta exposição, algo que sempre havia sido negado a elas, mas era finalmente possível”.
O aplicativo foi um fenômeno particular devido à forma como seu algoritmo ofereceu oportunidades aos usuários rurais da Índia. Eles conseguiram encontrar um público e até mesmo alcançar status de celebridade, o que não era possível em outros aplicativos.
“Democratizou a reação ao conteúdo pela primeira vez”, avalia Prasanto K Roy, escritor e analista de tecnologia baseado em Nova Déli.
“Começamos a ver muitas destas pessoas de zonas rurais, bem abaixo na escala socioeconômica, que nunca sonhariam em conseguir seguidores ou ganhar dinheiro com isso. E o algoritmo de descoberta do TikTok entregaria isso aos usuários que quisessem ver. Não havia nada parecido em termos de vídeos hiperlocais.”
O TikTok tem um significado cultural semelhante nos EUA, onde comunidades de nicho prosperam, e um número incalculável de pequenas empresas e criadores de conteúdo baseiam seu sustento no aplicativo.
Este tipo de sucesso é menos comum em outras plataformas de rede social. O Instagram, por exemplo, geralmente é mais voltado ao consumo de conteúdo de perfis com muitos seguidores, enquanto o TikTok dá uma ênfase maior em incentivar usuários comuns a postar.
Não foi só o TikTok
Quando o TikTok ficou offline na Índia, o governo proibiu também outros 58 aplicativos chineses, incluindo alguns que atualmente estão ganhando popularidade nos EUA, como o aplicativo da gigante de moda Shein.
Com o passar dos anos, a Índia proibiu mais de cem aplicativos chineses, embora uma versão indiana da Shein tenha sido colocada no ar novamente, após negociações recentes.
Algo do tipo poderia acontecer nos EUA. A nova lei abre um precedente, e cria um mecanismo para que o governo americano elimine outros aplicativos chineses.
As preocupações em relação à privacidade e segurança nacional manifestadas pelos políticos sobre o TikTok também podem se aplicar a uma série de outras empresas.
E quando se proíbe um aplicativo popular, outros podem tentar preencher este espaço.
“Assim que o TikTok foi banido, abriu-se uma oportunidade multibilionária”, explica Nikhil Pahwa, analista de políticas tecnológicas indiano e fundador do site de notícias MediaNama.
“Várias startups indianas foram lançadas ou turbinadas para preencher esse vazio.”
Durante meses, o noticiário de tecnologia indiano foi inundado por notícias sobre estas novas empresas de rede social, com nomes como Chingari, Moj e MX Taka Tak.
Algumas obtiveram sucesso inicial, atraindo ex-estrelas do TikTok para suas plataformas, garantindo investimentos e até apoio governamental. Isso fragmentou o mercado indiano de redes sociais, à medida que os novos aplicativos disputavam a hegemonia — mas a febre do ouro pós-TikTok não durou muito.
Em agosto de 2020, poucos meses após a proibição do TikTok, o Instagram lançou seu feed de vídeos curtos, os famosos Reels. O YouTube seguiu o exemplo com os Shorts, vídeos no estilo TikTok, um mês depois.
O Instagram e o YouTube já estavam entrincheirados na Índia, e o exército das novas startups não tinha a menor chance.
“Houve muito burburinho em torno de alternativas ao TikTok, mas a maioria desapareceu no longo prazo”, diz Prateek Waghre, diretor executivo da internet Freedom Foundation, um grupo ativista indiano.
“No fim das contas, quem mais se beneficiou provavelmente foi o Instagram.”
Não demorou muito para que muitos dos principais criadores de conteúdo do TikTok indiano e seus seguidores, migrassem para os aplicativos da Meta e do Google, e muitos obtiveram sucesso semelhante.
Geet, uma influenciadora indiana que atende apenas pelo primeiro nome, ficou famosa no TikTok ensinando “inglês americano”, dando conselhos de vida e fazendo discursos motivacionais. Ela tinha 10 milhões de seguidores em três contas diferentes quando o TikTok foi banido.
Em entrevista à BBC em 2020, Geet compartilhou que estava preocupada com o futuro da sua carreira. Mas quatro anos depois, ela conseguiu reunir quase cinco milhões de seguidores no Instagram e no YouTube.
No entanto, os usuários e especialistas com quem a BBC conversou dizem que algo se perdeu na transição pós-TikTok. O Instagram e o YouTube podem ter captado o tráfego do TikTok, mas não foram capazes de reproduzir a sensação do TikTok indiano.
“O TikTok tinha um tipo de base de usuários comparativamente diferente no que diz respeito aos criadores de conteúdo”, afirma Pahwa.
“Havia agricultores, pedreiros e pessoas de cidades pequenas subindo vídeos no TikTok. Não se vê tanto isso no Shorts, do YouTube, e no Reels, do Instagram. O mecanismo de descoberta do TikTok era muito diferente.”
Se o TikTok for proibido nos EUA, é possível que o destino das redes sociais americanas siga um caminho semelhante ao da Índia.
Quatro anos após a proibição na Índia, o Instagram e o YouTube já estão estabelecidos como plataformas para vídeos curtos. Até mesmo o LinkedIn está testando um feed de vídeo no estilo TikTok.
Os concorrentes do aplicativo provaram que não precisam recriar a cultura do TikTok para ter sucesso.
É provável que o conteúdo americano hiperlocal e de nicho desapareça, assim como aconteceu na Índia. Na verdade, as repercussões culturais nos EUA seriam muito mais significativas.
Quase um terço dos americanos com idade entre 18 e 29 anos acessa notícias pelo TikTok, de acordo com um levantamento do Pew Research Center.
Os EUA têm menos usuários de TikTok do que a Índia tinha no seu apogeu (200 milhões), mas a nação asiática tem uma população de 1,4 bilhão de habitantes. O TikTok tem supostamente 170 milhões de usuários nos EUA, mais da metade da população do país.
“Quando a Índia baniu o TikTok, o aplicativo não era o gigante que é agora”, diz Tyagi.
“Ele se transformou em uma revolução cultural nos últimos anos. Acho que proibi-lo agora nos EUA teria um impacto muito maior.”
Além disso, a resposta do TikTok a uma eventual proibição nos EUA já se mostrou diferente. A empresa prometeu contestar a nova lei do governo americano em uma batalha jurídica, que pode chegar à Suprema Corte do país. O TikTok poderia ter entrado com um processo semelhante após a proibição na Índia, mas optou por não fazer isso.
“As empresas chinesas têm boas razões para hesitar em recorrer aos tribunais da Índia contra o governo indiano”, afirma Roy.
“Não acho que eles seriam muito solidários.”
Além disso, a proibição na Índia foi imediata, entrando em vigor em questão de semanas. O recurso judicial do TikTok nos EUA pode embargar a lei durante anos, e não há certeza de que a legislação vai resistir a uma batalha nos tribunais.
Há também uma chance muito maior de que a proibição do TikTok nos EUA desencadeie uma guerra comercial.
“Acho que existe uma possibilidade clara de retaliação por parte da China”, diz Pahwa.
A China condenou a Índia por banir o TikTok, mas ainda não houve qualquer retaliação ostensiva. Os EUA podem não ter tanta sorte.
Há uma série de razões para a resposta da China à proibição indiana. Uma delas é o fato de a indústria tecnológica da Índia ser praticamente inexistente na China. A indústria tecnológica dos EUA, por outro lado, oferece várias oportunidades para um ataque recíproco. A China já lançou um esforço para “deletar os EUA”, e substituir a tecnologia americana por alternativas nacionais. A proibição do TikTok poderia acelerar este projeto.
“A proibição do TikTok foi repentina”, lembra Tyagi. “No meu caso, não foi tão grave, eu só estava usando o aplicativo para promover meu outro trabalho. Mas me pareceu estranho e injusto com muitas pessoas, especialmente aquelas que estavam realmente ganhando dinheiro e fazendo negócios com as marcas.”
Perder o TikTok não afetou o ganha pão de Tyagi, mas tirou seu acesso à conta. Quer dizer, até ela fazer uma viagem aos EUA.
“Quando visitei os EUA, fiquei surpresa ao ver que meu perfil ainda estava ativo”, diz Tyagi.
Foi como uma viagem no tempo. Ela até postou alguns vídeos. A maioria dos seguidores dela não foi capaz de ver os vídeos em seu país, claro, mas ela conseguiu um pequeno engajamento de indianos que moram no exterior.
“Estas milhões de contas ainda existem”, observa Tyagi.
“É interessante ver que o TikTok as manteve. Me pergunto se eles esperam que a Índia os deixe voltar.”
Fonte: BBC
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