Em 2015, Wendy Hall, pesquisadora canadense do sono infantil, estudou 235 famílias com bebês de seis a oito meses de idade. Seu objetivo era ver se o treinamento do sono funcionava.
Em sua definição mais ampla, o treinamento do sono pode designar qualquer estratégia empregada pelos pais para incentivar seus bebês a dormir à noite. Pode ser apenas a implementação de uma rotina noturna ou aprender a ler as indicações de cansaço do bebê. E essas indicações foram uma parte importante das intervenções de Hall.
Também teve importância uma estratégia comumente associada ao treinamento do sono, que costuma causar muito mais polêmica: incentivar os bebês a dormir sem a ajuda dos pais, mesmo quando eles acordam à noite, limitando ou alterando a reação dos pais ao seu filho.
Isso pode significar que pelo menos um dos pais está presente, mas deixa de pegar ou alimentar o bebê para tranquilizá-lo fisicamente. Pode envolver a definição de intervalos de tempo durante os quais o bebê é deixado sozinho, intercalados por intervenções dos pais. Ou, em uma abordagem mais radical, pode significar deixar o bebê no quarto e fechar a porta.
Ou seja, todas essas abordagens muitas vezes significam deixar o bebê chorar — o conhecido, ainda que impopular, “chorar até dormir”.
A ideia de “treinar” os bebês a dormir sozinhos e sem assistência é algo incomum ao redor do mundo. As mães mais modernas, por exemplo, ficaram impressionadas quando souberam que, nos Estados Unidos, os bebês são colocados para dormir em quartos separados. Mas, na América do Norte, Austrália e em algumas partes da Europa, muitas famílias adotam alguma forma dessa técnica.
Os pais e mães podem dispor-se a tentar essa abordagem, especialmente quando as interrupções do sono noturno começam a afetar o bem-estar de toda a família — o pouco sono dos bebês é associado, por exemplo, à depressão e deterioração da saúde das mães.
Nos Estados Unidos, mais de 6 em cada 10 livros de conselhos para os pais recomendam algum tipo de estratégia “chorar até dormir”. Metade dos pais em questionários aplicados no Canadá e na Austrália, além de um terço dos pais pesquisados na Suíça e na Alemanha, afirmam que já tentaram esses métodos (embora as pesquisas não sejam necessariamente representativas do conjunto dos pais nesses países, devido à forma como foram conduzidas).
O fato é que, em todo o mundo, existe uma indústria dedicada a ajudar os pais no treinamento do sono.
As dificuldades para estudar o sono dos bebês
No seu estudo, Hall e sua equipe previram que os bebês cujos pais receberam instruções e conselhos sobre o treinamento do sono dormiriam melhor que os demais depois de seis semanas, com “períodos de sono consideravelmente mais longos, despertando à noite significativamente menos vezes”.
Isso estaria de acordo com as descobertas existentes. Dezenas de estudos afirmam ter considerado eficazes as intervenções do sono. Os pediatras recomendam rotineiramente o treinamento do sono em países como os Estados Unidos e a Austrália (embora ele muitas vezes não seja recomendado pelos profissionais de saúde mental infantil).
Mas as pesquisas nunca são perfeitas e muitos desses estudos anteriores receberam críticas — que Hall pretendia contestar.
De um lado, relativamente poucos estudos sobre o treinamento do sono atenderam ao padrão ouro da pesquisa científica: exames em que os participantes são alocados aleatoriamente para receber a intervenção ou para integrar um grupo controle que não receberia a intervenção (o que é especialmente importante para pesquisas do sono, já que a maioria dos bebês dorme naturalmente em períodos maiores ao longo do tempo) e participantes suficientes para detectar os efeitos.
Diversos estudos, por exemplo, não foram aleatorizados, com os próprios pais decidindo qual o método de tratamento. Isso dificulta a prova de causa e efeito.
Para começar, os pais que têm razões para acreditar que seus bebês irão chorar apenas por um curto período (ou não irão chorar) e depois dormir podem ser mais abertos a tentar o choro controlado. Isso poderá desvirtuar os resultados e fazer com que esse método pareça mais eficaz do que é na realidade.
Ou pode ocorrer que os pais com bebês que realmente têm dificuldades para dormir sozinhos sejam mais atraídos pelo método, o que faz com que ele pareça menos eficaz que na realidade. E, naturalmente, a dificuldade de estudar algo como o treinamento do sono é o fato de que, mesmo em um teste aleatorizado, os pais que deveriam adotar um método de choro controlado podem acabar decidindo ao contrário, de forma que é impossível configurar um estudo “perfeito”.
Outra questão é que muitos testes têm altas taxas de abandono, o que indica que os pais que acharem muito difícil o treinamento do sono podem não ter suas experiências incluídas nos resultados.
Além disso, a maioria dos estudos baseia-se nos “relatos dos pais”, como respostas a questionários ou diários do sono mantidos pelos pais e mães, e não em uma medida objetiva para determinar quando o bebê está acordado ou dormindo. Assim, se uma criança aprender a não chorar quando acordar, seus pais também podem não acordar, o que poderia levá-los a informar que seu filho dormiu por toda a noite, independente do que realmente aconteceu.
E, por fim, existe a questão da parcialidade na confirmação: se os pais esperarem que uma intervenção ajudará seu filho a dormir, eles podem ter maior predisposição a ver melhoras no sono da criança depois da intervenção.
O estudo de Hall envolveu 235 bebês e seus pais e foi projetado para responder a algumas dessas críticas.
Como o teste era controlado aleatoriamente, metade dos pais recebeu instruções sobre o que é chamado de “extinção gradual”, “conforto controlado” ou “choro controlado”: atender ao choro de um bebê em intervalos curtos, deixando-o sozinho pelo mesmo período de tempo, com os intervalos aumentando gradualmente, independentemente da reação da criança.
Aos pais que se sentiram “muito desconfortáveis” por deixarem seu filho chorando sozinho no quarto, Hall afirma que os pesquisadores aconselharam que eles permanecessem no quarto do bebê — sem pegar a criança — em uma abordagem que eles chamaram de “acampar no quarto”.
O grupo da intervenção também recebeu dicas e informações sobre o sono infantil, desmentindo, por exemplo, a ideia de que menos sonecas levariam a maior sono noturno. É preciso observar que essa mistura de método de choro controlado com outros conselhos é comum em estudos que examinam o treinamento do sono, mas dificulta a análise de quais dos eventuais resultados vêm somente do choro controlado.
E, para garantir que os dois grupos recebessem algum tipo de instrução, os pais do grupo controle receberam informações sobre a segurança dos bebês.
Além de pedir aos pais que mantivessem diários do sono, o estudo de Hall incluiu a actigrafia, que é o uso de aparelhos vestíveis para monitorar os movimentos e determinar os padrões de acordar e dormir dos bebês.
Quando os pesquisadores compararam os diários do sono, eles concluíram que os pais que haviam feito o treinamento acreditavam que seus bebês acordaram menos à noite e dormiram por períodos mais longos. Mas, ao analisar os padrões de dormir e acordar exibidos pela actigrafia, a conclusão foi diferente: os bebês que receberam treinamento do sono estavam acordando com a mesma frequência do grupo controle.
Os autores do estudo relataram que “após seis semanas, não houve diferença na alteração média de episódios de sono longo ou despertar entre os grupos que receberam a intervenção e os grupos controle, segundo a actigrafia”.
Em outras palavras, os pais que realizaram treinamento do sono com seus bebês achavam que seus bebês estavam acordando menos. Mas, segundo a medição objetiva do sono, os bebês estavam acordando da mesma forma — eles simplesmente não estavam acordando seus pais.
Para Hall, isso demonstra que a intervenção foi um sucesso. “O que estávamos tentando fazer era ajudar os pais a ensinar seus filhos a cuidar de si próprios”, segundo ele. “Na verdade, não estávamos dizendo que eles não iriam acordar. Estávamos dizendo que eles iriam acordar, mas não precisariam alertar seus pais. Eles poderiam voltar sozinhos ao seu próximo ciclo de sono.”
Na verdade, a actigrafia concluiu que o treinamento do sono melhorou uma das medidas do sono dos bebês: o período de sono mais longo. Houve um aumento de 8,5% entre os bebês que receberam treinamento do sono, que dormiam por um período de 204 minutos, em comparação com 188 minutos para os outros bebês.
Outra parte da sua hipótese também comprovou ser correta. A equipe de Hall esperava que os pais que realizassem a intervenção relatassem melhora de humor, sono de melhor qualidade e menos cansaço. Comprovou-se que isso realmente ocorreu — uma descoberta que não surpreende ninguém que já tenha embalado ou alimentado um bebê até dormir várias vezes por noite — e, para muitos pais e especialistas, é um benefício importante do treinamento do sono.
Mas, para alguém que nunca tenha lido, pesquisado na internet nem recebido anúncios nas redes sociais sobre o sono dos bebês, o fato de os pesquisadores do treinamento do sono acreditarem que o treinamento não se destina a reduzir o número de vezes em que um bebê acorda — e que poderá estender seu período de sono mais longo em apenas 16 minutos, em média — poderá ser motivo de surpresa.
As origens do ‘chorar até dormir’
O treinamento do sono é um fenômeno relativamente novo, mesmo em países onde o método já é bastante comum.
Até o século 19, os pais não pareciam muito preocupados com o sono dos bebês. Isso mudou quando a Revolução Industrial aumentou as jornadas de trabalho e a era vitoriana enfatizou a independência, até entre as crianças bem pequenas.
Em 1892, o “pai da pediatria”, o norte-americano Emmett Holt, chegou a argumentar que chorar sozinho era bom para as crianças. “No bebê recém-nascido, o choro expande os pulmões”, diz o seu manual popular para os pais, The Care and Feeding of Children (“Os cuidados e a alimentação das crianças”, em tradução livre).
Para Holt, deveríamos “simplesmente deixar [o bebê] chorar. Isso normalmente exige uma hora e, em casos extremos, duas ou três horas. A segunda batalha dificilmente durará mais de 10 ou 15 minutos e raramente será necessária uma terceira.”
Mas os primeiros programas oficiais de “chorar até dormir” somente foram introduzidos nos anos 1980.
Em 1985, o médico norte-americano Richard Ferber defendeu o que chamava de “choro controlado” ou método de “extinção gradual”, deixando uma criança chorar por períodos cada vez mais longos. Mas Ferber disse posteriormente que foi mal interpretado e, ao contrário da crença popular, ele não sugeria essa abordagem para todas as crianças que não dormem bem.
Em 1987, o pediatra norte-americano Marc Weissbluth aconselhou a simplesmente colocar o bebê no berço e fechar a porta — essa atitude foi apelidada de “extinção inalterada”.
Estas são as principais versões de treinamento do sono que permaneceram, com algumas variações. Um estudo de 40 manuais populares para pais concluiu em 2006 que havia duas vezes mais livros promovendo o choro controlado que criticando o método. E alguns livros chegam a sugerir alguma forma de choro controlado até para os recém-nascidos.
Quando começar?
É importante ressaltar que mesmo os pesquisadores que defendem intervenções do sono, incluindo Wendy Hall, acreditam que praticar essas intervenções muito cedo — antes dos seis meses de idade — é um erro, na verdade. Eles também afirmam que não recomendam treinamento do sono para crianças que possam apresentar maior predisposição a danos psicológicos, incluindo bebês que sofreram traumas, que passaram por acolhimento familiar ou bebês com temperamento sensível ou ansioso.
E as mães que amamentam têm mais uma razão para esperar até os seis meses de idade para iniciar o treinamento do sono, já que o desmame noturno precoce pode reduzir a produção de leite, segundo os especialistas em amamentação.
Os especialistas afirmam que as estratégias de treinamento do sono para bebês com menos de seis meses de idade normalmente não funcionam.
“A crença de que a intervenção no comportamento do sono nos primeiros seis meses de vida melhora os resultados para as mães e os bebês é uma construção histórica, não considera problemas de alimentação e prejudica a interpretação dos dados”, segundo revelou uma análise de 20 anos de estudos relevantes. “Essas estratégias não demonstraram redução do choro dos bebês, não evitam problemas do sono e de comportamento na infância futura, nem protegem contra a depressão pós-parto.”
Os pesquisadores também indicam que essas estratégias podem trazer “resultados indesejados”, que incluem aumento do choro, suspensão precoce da amamentação, aumento da ansiedade materna e, se o bebê for colocado para dormir durante o dia ou a noite em um quarto separado, aumento do risco da síndrome da morte súbita infantil.
Hall conta que, certa vez, recebeu um telefonema de uma avó preocupada, dizendo que seu filho e a esposa dele haviam levado o bebê de três meses de idade a um especialista em treinamento do sono.
“O especialista havia basicamente sido muito ‘linha dura’, a criança agora tinha sete meses de idade e apresentava enormes problemas de conexão”, segundo Hall. “Eu respondi a ela que ninguém deveria fazer isso com um bebê de três meses. Eles não têm noção de permanência de objeto e não sabem se você não está no quarto ou se desapareceu do planeta. É psicologicamente prejudicial.”
“Este é o problema de ter muitas pessoas que simplesmente penduram uma placa e começam a trabalhar com os pais, dizendo o que eles devem ou não fazer, sem compreender o que podem estar causando para esses bebês”, afirma Hall.
Já as reações dos bebês mais velhos podem variar. Para alguns, as lágrimas são rápidas ou eles simplesmente não choram. Mas outros podem passar horas chorando, chegando ao ponto de vomitar – o que gera discussões frequentes nos fóruns de treinamento do sono, além de ser abordado por livros sobre o sono dos bebês, como o de Ferber.
E, embora alguns métodos sejam considerados mais gentis, como o de acampar no quarto (quando os pais permanecem no quarto da criança, mas não pegam no colo, nem alimentam o bebê), eles podem perturbar e confundir alguns bebês, até mais que as estratégias de linha mais dura, e tendem a demorar mais tempo.
De qualquer forma, muitos pais acreditam que o treinamento do sono é um rito de passagem necessário, não apenas para que eles próprios tenham uma boa noite de sono, mas porque eles são informados que os seus bebês dormirão melhor, por mais tempo e mais profundamente — e que eles precisam disso para o seu desenvolvimento. Este refrão é comum, especialmente no mundo do treinamento do sono, uma indústria não regulamentada com preços de consulta que podem chegar a centenas de dólares.
Mas não é bem isso que mostram as pesquisas.
Sem chorar — mas ainda acordado
Um dos poucos estudos de longo prazo conduzidos sobre o treinamento do sono comparou bebês com oito meses de idade que receberam treinamento com choro controlado (esperar cada vez mais antes de responder ao choro) ou acampando no quarto (sentar-se com o bebê até que ele durma, sem pegá-lo do berço, e mover-se gradualmente para mais longe), em comparação com atender o bebê normalmente.
Todos os bebês do teste, realizado na Austrália, foram descritos pelas mães como tendo problemas do sono. Nos questionários que elas responderam, algumas chegaram a relatar que o treinamento do sono ajudou seus bebês no curto prazo, mas nem todas.
84% das mães que adotaram o choro controlado e 49% das que acamparam no quarto do bebê afirmaram que seus métodos foram úteis. Mas vale a pena ressaltar que a intervenção que recebeu melhor avaliação da maioria das mães era muito diferente: “ter alguém com quem falar”, considerada útil por 95% delas.
E, para aqueles que consideraram útil encontrar uma forma de treinamento do sono, os efeitos não foram necessariamente duradouros. Dois meses após a intervenção, quando os bebês tinham 10 meses de idade, 56% das mães que praticavam treinamento do sono e 68% das demais relataram que seus bebês ainda enfrentavam problemas para dormir. E, quando eles completaram 12 meses, esses percentuais eram de 39% entre as mães que praticavam treinamento do sono e 55% das demais.
Mas isso não significa simplesmente que o treinamento do sono pode não funcionar para todos os bebês. O fato é que, para as famílias que tiveram sucesso, o treinamento do sono muitas vezes precisa ser repetido para que os efeitos sejam duradouros. Esta conclusão é apoiada por outra pesquisa, conduzida no Canadá, cujos questionários concluíram que os pais tentaram o choro controlado, em média, entre duas e cinco vezes no primeiro ano de vida dos seus bebês.
Em prazo mais longo, o estudo australiano concluiu que todas as melhorias do sono decorrentes do treinamento relatadas pelos pais desapareceram aos dois anos de idade. Já em crianças com seis anos de idade, os pesquisadores não encontraram diferenças de medição — negativas ou positivas — entre os que receberam treinamento do sono ou não, incluindo nos seus padrões de sono, comportamento, conexão ou níveis de cortisol.
“Concluímos que não havia diferença entre o sono e o comportamento das crianças e que os pais não eram mais severos, abusivos ou descompromissados dos seus filhos, segundo Harriet Hiscock, uma das autoras do estudo e membro do Conselho Nacional de Pesquisa Médica e de Saúde da Austrália.
A conclusão do estudo — de que o treinamento do sono pode reduzir os problemas do sono em algumas famílias a curto prazo — é consistente com muitas outras pesquisas. Uma análise abrangente de 52 estudos realizada em 2006 concluiu que mais de 80% das crianças que receberam intervenção (incluindo outras estratégias além dos métodos “chorar até dormir”, como a implementação de uma rotina na hora de dormir) demonstraram “melhoria clinicamente significativa, que foi mantida por três a seis meses”.
Mas não foi utilizada nenhuma medição objetiva do sono em mais de 77% dos estudos incluídos na análise de 2006. Esta foi uma das razões por que, dos 52 estudos analisados, os pesquisadores consideraram que apenas 11 continham dados de boa qualidade.
O estudo de Hiscock também não usou medições objetivas. Segundo uma análise de pesquisas sobre o treinamento do sono, “existem pontos fracos” até em muitos dos testes com controle aleatório, “pois muitos estudos sobre a intervenção utilizaram relatos dos pais, questionários e diários, e não medições objetivas como dados de actigrafia como resultados”.
Por outro lado, as pesquisas conduzidas com medições objetivas, como a actigrafia, concluíram que não há diferenças reais do sono entre os bebês que receberam treinamento do sono e os que não receberam. E o estudo de Wendy Hall não é o único.
Um estudo canadense com 246 mães e seus recém-nascidos “não encontrou diferenças significativas” do despertar ou da quantidade de sono entre os bebês cujas mães receberam informações sobre estratégias para otimizar o sono dos seus bebês e as que não receberam. É interessante notar que as mães que receberam esses conselhos dormiram apenas seis minutos a mais que as outras.
Um estudo com 802 famílias na Nova Zelândia concluiu que “não houve efeito significativo da intervenção sobre os resultados do sono” após seis meses, com redução do despertar noturno de 8% e aumento de seis minutos na duração do sono em bebês que foram deixados para dormir sozinhos, em comparação com os bebês que foram embalados ou alimentados para dormir.
E um estudo muito pequeno, com 43 bebês, que comparou três grupos — choro controlado, adiamento da hora de dormir (os bebês são colocados na cama tão tarde que adormecem facilmente, com a hora de dormir sendo antecipada gradualmente) e um grupo controle — foi muito comentado na época da sua publicação, por demonstrar que o treinamento do sono traz bons resultados, com os pais fora do grupo controle relatando que seus bebês acordaram menos e dormiram por mais tempo.
Mas, novamente, essa conclusão não foi atingida com medições objetivas. Como indicaram os autores do estudo, “não foram encontradas mudanças do sono significativas utilizando actigrafia objetiva, o que sugere que os diários do sono e a actigrafia medem fenômenos diferentes (por exemplo, ausência de choro x movimentos dos bebês, respectivamente), o que volta a indicar que os bebês ainda podem ficar acordados, mas sem alertar os pais.”
A pesquisadora do sono Jodi Mindell, diretora do Centro do Sono do Hospital Infantil da Filadélfia, nos Estados Unidos, que defende o treinamento do sono, afirma que a razão é simples: o principal objetivo do treinamento do sono não é evitar que os bebês acordem, nem ajudá-los a ter mais sono. É ensiná-los a voltar a dormir sozinhos, em vez de acordar os seus pais.
“Todos os bebês acordam frequentemente durante a noite”, afirma ela. “É apenas questão de se eles conseguem voltar a dormir sozinhos. Eu não espero que os bebês acordem com menos frequência. E nem sempre espero que eles durmam mais, com base em medições objetivas.”
Esse despertar frequente pode ser difícil para os pais, mas desempenha um papel importante para manter a saúde e a segurança dos bebês. Os bebês evoluíram para acordar com frequência para receber alimentação, cuidados e para sua própria proteção, o que inclui a proteção contra a síndrome da morte súbita infantil.
E, mesmo em testes com controle aleatório e medições objetivas, as pesquisas sobre o treinamento do sono enfrentam outras dificuldades. Existem, por exemplo, evidências de que os participantes dos testes podem sentir-se pressionados a seguir uma intervenção do sono, o que levanta questões sobre a adequação dessas conclusões aos pais em geral no dia a dia — um fenômeno que raramente é exclusivo das pesquisas sobre o sono pediátrico.
Tome-se como exemplo o questionário canadense: apenas 14% dos pais relataram que o choro controlado eliminou por completo o despertar noturno e quase a metade afirmou que não reduziu o despertar. Os pesquisadores observam que esses resultados indicam “que os pais em geral estão tendo sucesso consideravelmente menor com a extinção gradual que os pais no ambiente clínico/de pesquisa”.
Essa discrepância faz sentido, especialmente se considerarmos que muitos desses testes foram conduzidos por clínicas do sono ou seus pesquisadores, segundo Helen Ball, diretora do Centro da Infância e do Sono de Durham, professora de antropologia da Universidade de Durham, no Reino Unido, e crítica de longa data dos métodos de treinamento do sono do tipo “chorar até dormir”.
“As pessoas que conduzem esses testes possuem uma mentalidade específica”, segundo ela — por exemplo, que o treinamento do sono funciona —, o que pode traduzir-se em maior comprometimento com a intervenção pelos participantes do estudo. “Sempre sou um pouco cética de que os dados produzidos por esses estudos são realmente aplicáveis à vida real.”
Alívio ou estresse?
Se os bebês que recebem treinamento do sono continuam acordando com frequência, mas apenas não choram nem alertam os pais, isso leva a outro debate fundamental para o treinamento do sono.
Quando esses bebês acordam, eles realmente estão aprendendo a acalmar-se de um estado de estresse (uma espécie de “autorregulação” emocional)? Ou eles sentem o mesmo estresse e necessidade de cuidados quando acordam, mas simplesmente aprenderam que, se chorarem, ninguém irá responder?
Muitos pesquisadores do treinamento do sono acreditam totalmente na primeira hipótese. “Não subestime a capacidade das crianças de autorregular-se”, afirma Wendy Hall, a pesquisadora do sono pediátrico que empregou actigrafia no seu estudo com 235 famílias canadenses.
“Os pais podem ajudá-los a autorregular-se, dando a eles oportunidades para a autorregulação. É assim que você pode considerar o autorrelaxamento — uma oportunidade para que eles se acalmem”, segundo Hall.
Mas é difícil medir objetivamente se os bebês realmente estão se acalmando sozinhos ou se desistiram de pedir ajuda. Uma forma poderia ser medir o nível de cortisol, frequentemente conhecido como o hormônio do estresse. Mas o cortisol aumenta e diminui em resposta a outros fatores além do estresse e os estudos que o mediram apresentaram resultados variáveis.
Um desses estudos concluiu que os níveis de cortisol nos bebês foram elevados logo após uma intervenção do sono, mas não houve grupo controle de bebês sem treinamento para comparar. Já o pequeno estudo com 43 bebês concluiu que o cortisol diminuiu, mas somente realizou a medição depois de uma semana de intervenção.
E, na tentativa de descobrir se o treinamento do sono gerou níveis elevados de estresse a longo prazo, um terceiro estudo — o estudo longitudinal de Hiscock na Austrália — mediu os níveis de cortisol em amostras cinco anos mais tarde e não encontrou diferenças.
“Pessoalmente, tenho uma dúvida com relação aos estudos de cortisol”, afirma Jodi Mindell. “O cortisol se altera ao longo do dia. Até a amostragem de cortisol é muito difícil. Ela é baseada em muitas coisas, incluindo a quantidade de horas em que a pessoa ficou acordada, a forma de amostragem — é algo complicado. As pessoas muitas vezes acham que ‘oh, se medirmos o cortisol, saberemos se o bebê está estressado ou não’.”
Até o termo “autorrelaxamento” tem uma história confusa. Cunhado pelo pesquisador do sono norte-americano Thomas Anders nos anos 1970, ele é frequentemente utilizado como sinônimo da ideia de que os bebês podem autorregular-se. Mas, para Anders, um bebê que se autorrelaxa é aquele que simplesmente volta a dormir sem a intervenção dos pais — ele não estava tentando quantificar o nível de estresse dos bebês.
Consequências mentais
Nenhum dos (poucos) estudos que examinaram os resultados de curto a longo prazo do treinamento do sono encontrou efeitos sobre a conexão ou a saúde mental dos bebês.
O estudo de Harriet Hiscock, por exemplo — o maior e mais longo estudo longitudinal já realizado sobre treinamento do sono —, concluiu que as crianças que receberam treinamento do sono não apresentaram maior propensão à insegurança na conexão com seus cuidadores que as demais, com seis anos de idade.
Especialistas como Hiscock afirmam que não conhecem estudos sobre os potenciais efeitos de longo prazo do “chorar até dormir”. Eles também examinaram bebês saudáveis com pelo menos seis meses de idade. Por isso, essas conclusões não se aplicam necessariamente a bebês treinados quando mais jovens, ou de outras formas.
Como outros estudos longitudinais, o de Hiscock perdeu o contato com muitas famílias na época do acompanhamento final: 101, das 326 originais. Isso significa que é teoricamente possível que o treinamento do sono tenha afetado algumas crianças a longo prazo, de forma positiva ou negativa, sem que suas experiências tenham sido computadas.
Mas é mais provável que eventuais efeitos de intervenções isoladas tenham simplesmente se “desvanecido” depois de seis anos, segundo Hiscock.
Os benefícios de atender ao choro
Outra forma de examinar a questão da autorregulação é considerar os cérebros em desenvolvimento dos bebês e suas limitações.
Os bebês humanos nascem neurologicamente muito imaturos em comparação com outros mamíferos. Seus cérebros têm cerca de um terço do tamanho do cérebro adulto. O córtex pré-frontal, onde “mora” a regulação emocional no cérebro, é uma das últimas partes do cérebro a amadurecer e só se desenvolve totalmente quando o indivíduo tem cerca de 25 anos de idade. Por isso, ao longo de toda a infância, o cérebro depende da “corregulação” — o auxílio de um cuidador que atenda a criança — para acalmar-se.
O Conselho Científico Nacional da Criança em Desenvolvimento dos Estados Unidos define como reação “positiva” ao estresse aquela que resulta de estresse rápido, “suave a moderado”, que depende “da disponibilidade de um adulto cuidadoso e responsável que ajude a criança a lidar com o fator de estresse, de forma a fornecer efeito de proteção que facilite o retorno dos sistemas de reação ao estresse para a situação inicial”. Essa mesma definição é adotada pela Academia Norte-Americana de Pediatria.
Particularmente, um dos períodos mais importantes para o desenvolvimento da regulação emocional é dos seis aos 12 meses de idade, segundo Dan Siegel, professor de psiquiatria clínica da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em Los Angeles, nos Estados Unidos, e autor de diversos livros sobre o desenvolvimento infantil, incluindo The Whole-Brain Child: 12 Revolutionary Strategies to Nurture Your Child’s Developing Mind (publicado no Brasil com o título “O Cérebro da Criança: 12 estratégias revolucionárias para nutrir a mente em desenvolvimento do seu filho e ajudar sua família a prosperar”).
“A segunda metade do primeiro ano de vida é um grande momento para aprender a autorregulação”, segundo ele. E, por esta razão, Siegel acredita que pode haver razão para esperar até pelo menos depois do primeiro ano para realizar o treinamento do sono.
Embora as medições de cortisol precisem ser analisadas com cautela, os cientistas indicam que os estudos demonstram consistentemente que bebês de pais menos atenciosos têm níveis mais altos de cortisol, particularmente depois de um evento estressante.
Pesquisadores descobriram, por exemplo, que recém-nascidos cujas mães eram mais “sensíveis” a eles durante o banho — ou seja, que percebiam e reagiam rápida e adequadamente às comunicações do bebê — apresentavam melhor regulação dos seus níveis de cortisol quando eram retirados da água. Já a regulação dos níveis de cortisol de bebês com sete meses de idade de mães menos sensíveis levava mais tempo depois de uma situação estressante.
E isso é igualmente verdade à noite. Um estudo concluiu que atender os bebês com três, seis e nove meses de idade durante a noite estava associado a níveis de cortisol infantil mais baixos. Outro estudo concluiu que os bebês jovens de mães emocionalmente disponíveis na hora de dormir — incluindo as que atendem aos seus bebês em até um minuto quando eles começam a chorar — tinham níveis de cortisol mais baixos que os bebês de mães menos disponíveis (embora, novamente, seja preciso ter cuidado com a interpretação excessiva do significado dos níveis de cortisol).
“Como os bebês podem estar muito cansados na hora de dormir, eles podem ter menor tolerância ao estresse e, por isso, precisar de auxílio adicional para regular suas emoções”, segundo os pesquisadores. “Portanto, a capacidade dos pais de acalmar seus filhos e criar um ambiente calmo e seguro que permita que eles adormeçam pode ser particularmente importante para os processos regulatórios dos bebês, como a secreção de cortisol.”
Enquanto isso, muitas pesquisas demonstraram que a capacidade de atendimento consistente de um cuidador “muitas vezes é associada ao desenvolvimento psicossocial, cognitivo e da linguagem”, incluindo melhor aquisição de linguagem, menos problemas comportamentais, menor agressividade, maior inteligência e mais segurança nas conexões.
Para pesquisadores como os que concluíram que os bebês tinham níveis de cortisol mais baixos quando atendidos à noite, existe o risco de estresse a prazo mais longo. “Como as primeiras experiências de estresse podem programar o eixo HPA (hipotálamo-pituitária-adrenal) para maior reação ao estresse, o que aumenta o risco de problemas de saúde física e mental ao longo da vida, nossos resultados indicam que o cuidado dos pais, em contextos de sono infantil, pode desempenhar um papel importante para modelar como a criança reage ao estresse ao longo da infância”, segundo os pesquisadores.
Além disso, o choro é uma das únicas formas de comunicação dos bebês antes deles começarem a falar, especialmente se estiverem tentando acordar os pais que estão dormindo. Isso gera preocupações sobre o impacto de intervenções especificamente destinadas a “eliminar” seus choros.
Os críticos do “chorar até dormir” salientam que essa intenção é uma das diferenças entre um bebê que chora em treinamento do sono e uma situação em que o bebê chora, mas o pai ou a mãe pode não conseguir oferecer seu nível habitual de atenção, como quando está dirigindo.
E um bebê que acorda regularmente com frequência ou tem dificuldade para acomodar-se pode ser sinal de um problema de saúde subjacente, como refluxo ou língua presa. Por isso, é importante eliminar eventuais razões médicas para os problemas do sono antes de qualquer outra medida.
Os críticos do treinamento do sono também argumentam que podemos simplesmente não estar fazendo as perguntas certas ou não estar usando as ferramentas científicas corretas para compreender completamente os potenciais riscos. “Acredito que [a conexão e os níveis de cortisol] sejam apenas duas coisas que temos ferramentas para medir. Por isso elas foram escolhidas”, afirma Ball.
Personalidades diferentes
Existe outro fator complicador: a importância do papel desempenhado pela personalidade individual dos bebês para definir se eles conseguem dormir sozinhos ou se o treinamento do sono é o responsável pelo sucesso.
Pesquisas demonstraram, por exemplo, que, quanto mais ativamente os pais ajudarem seus bebês a dormir, mais tempo leva para que os bebês aprendam a dormir sozinhos. Isso muitas vezes é interpretado como indicando que você deve deixar seu bebê dormir sozinho ou treinar seu sono para que ele durma de forma independente. Mas estes foram estudos de observação — é possível que os bebês que precisam de atenção para dormir tenham pais que os atendam para acalmá-los.
De fato, outra pesquisa descobriu que bebês com temperamentos mais difíceis também têm maior dificuldade para dormir — e os pais os atendem mais à noite. Um estudo longitudinal concluiu que, se os bebês dormirem mal, seus pais têm maior propensão a adotar comportamentos que os ajudem a acomodar-se, mesmo depois de um ano de idade.
Os resultados “indicam que problemas do sono com pouca idade podem prever distúrbios do sono futuros com mais precisão que os comportamentos de intervenção dos pais”, segundo os pesquisadores.
Pesquisas recentes também descobriram que crianças com temperamentos mais sensíveis (às vezes chamadas de “crianças-orquídea”) podem apresentar reações mais fortes ao seu ambiente — por exemplo, sendo mais prejudicadas pelo estresse.
De fato, os pesquisadores do sono afirmam que alguns bebês permanecem calmos e recolhidos quando seus cuidadores se afastam momentaneamente, enquanto outras ficam perturbadas e frustradas. Segundo eles, este é um sinal de que algumas crianças aprendem a autorregular-se com menos idade do que outras.
“Isso significa que você precisa ter muito cuidado ao sugerir aos pais como gerenciar problemas do sono, levando em conta essas diferenças de ansiedade de separação”, orienta Hall.
Essas diferenças de temperamento podem ajudar a explicar por que o treinamento do sono (ou, no seu lugar, sugestões como “coloque seu bebê sonolento no berço, mas acordado”) parece funcionar brilhantemente para algumas famílias, cujos bebês mal reclamam antes de adormecer, e não funciona para outras, com seus bebês podendo soluçar por horas e dias a fio.
No questionário preenchido pelos pais canadenses, por exemplo, 25% relataram o uso de choro controlado por períodos de mais de duas semanas de cada vez — 13% chegaram a tentar por mais de um mês. Mas o conselho de Mindell é: “fique em 7 a 10 dias. Se, depois de 7 a 10 dias, não estiver funcionando, faça um intervalo. Não permaneça por muito tempo nesse caminho.”
Também vale a pena observar que os principais resultados dos estudos normalmente indicam o resultado médio, sem exibir a variação da experiência de cada família, especialmente nos extremos, como as que consideram o treinamento do sono um tremendo sucesso ou um fracasso total.
Devido a essas diferenças individuais, ao discutir como ajudar uma criança com qualquer nova habilidade, Siegel incentiva os pais a considerar a “zona de desenvolvimento próximo”. A parte inferior da zona é o que a criança pode fazer sozinha, enquanto a parte superior envolve uma habilidade mais complexa que você precisa fazer com a criança.
“A melhor transmissão de habilidades ocorre dentro dessa zona. ‘Vou ensinar como você faz. É assim que você escova os dentes.’ ‘Agora, vamos ver se você consegue fazer sozinho. OK, você ainda não consegue.’ ‘OK, você está um mês mais velho e agora você consegue'”, orienta ele.
Nem todos acreditam que dormir sozinho seja uma habilidade, indicando que isso acontece normalmente dentro do desenvolvimento, ensinando-se o bebê ou não, e que, ao contrário, por exemplo, de engatinhar, pode ser algo intermitente (a criança pode se acomodar sozinha na creche, mas não em casa; ou pode se acostumar por alguns meses e depois parar). Mas, se for uma habilidade, Siegel afirma que é mais eficiente trabalhar dentro daquela zona, sem forçar a criança para além do seu limite.
Mas como você determina qual é o limite da criança? Quinze minutos de choro significam que aquilo que você está tentando ensinar é avançado demais para a criança naquele momento? Ou uma hora?
“Eu não posso responder como cientista”, afirma Siegel. “Mas, intuitivamente, como pai e como terapeuta e educador, se, em cinco minutos, o seu filho não estiver encontrando uma forma de se acalmar, isso indica que a sua zona de desenvolvimento próximo foi ultrapassada, eu acho, foi além dos seus limites. E você irá querer dar o seu apoio.”
A dificuldade é que o treinamento do sono é baseado no entendimento de que você estaria “recompensando” uma criança que chora se você a atender, ensinando a ela que você a atenderá se ela sinalizar — o que é exatamente o que os programas de treinamento do sono dizem para não fazer.
Cansaço familiar
Os pesquisadores tendem a concentrar-se no possível impacto do treinamento do sono sobre os bebês — o que faz sentido, já que eles são os membros mais indefesos e vulneráveis da unidade familiar. Mas é claro que o treinamento do sono afeta também o restante da família.
Vale a pena observar que esta pode ser uma via de mão dupla. Alguns pais lamentam profundamente usar um método de extinção com seus pequenos, especialmente se for contra os seus instintos.
O questionário canadense concluiu que, de forma geral, os pais tendem a considerar o choro controlado “muito estressante” para eles e para a criança. “Você põe em risco a saúde mental dos pais quando se sobrepõe aos seus instintos, pois acho que isso deixa os pais ansiosos entre o que eles querem fazer (confortar o seu bebê) e o que eles acabam fazendo (deixar o bebê chorar). E acho que é muito difícil saber o que você está colocando em risco em nome do bebê”, afirma Helen Ball.
Mas o que se ouve com mais frequência é que o treinamento do sono pode ajudar as famílias, o que é confirmado pelas pesquisas.
O estudo de Harriet Hiscock concluiu que as mães de bebês que receberam treinamento do sono apresentavam menor propensão à depressão quando o bebê tinha dois anos de idade. Outra pesquisa concluiu que os pais de bebês com quatro meses de idade com problemas do sono sentiam mais raiva dos seus bebês e mais sintomas depressivos. E problemas do sono dos bebês foram também associados a maiores problemas de saúde das mães e dos pais.
Por sua vez, a saúde mental do pai ou da mãe pode afetar os padrões reais do sono dos bebês. Um pequeno estudo utilizando actigrafia concluiu que mães com depressão são mais propensas a ter bebês com mais dificuldades de sono. Problemas de saúde mental de um dos pais podem também colocar os bebês em maior risco de insegurança nas conexões.
O estudo de Wendy Hall também examinou essa questão. Embora a actigrafia tenha demonstrado que os bebês dormem e acordam de forma similar, tenham eles sido treinados para o sono ou não, a percepção da situação pelos pais era muito diferente.
Após seis semanas, os pais de apenas 4% dos bebês que receberam treinamento do sono relataram que seus filhos tinham graves problemas de sono, contra 14% dos bebês do grupo controle. Enquanto isso, os níveis de fadiga, qualidade do sono e humor depressivo dos pais aumentaram significativamente.
Embora haja ressalvas quanto a essas conclusões (por exemplo, se elas podem ser aplicadas principalmente às mães que já têm sintomas de depressão), muitos especialistas consideram que este é um forte argumento para o uso de treinamento do sono, a fim de aumentar o bem-estar de toda a família.
“Se não formos saudáveis e eficientes como pais, será muito difícil cuidar dos nossos filhos e dar a eles o amor e os cuidados de que eles precisam”, afirma Hiscock. “Existem algumas pessoas que afirmam que precisamos colocar o bebê em primeiro lugar sem nos preocupar com os pais e simplesmente acho que isso está errado. Se você não tiver uma mãe feliz e saudável, é difícil ter um bebê que seja feliz e saudável. É um relacionamento dinâmico e não excludente.”
Os estudiosos que se opõem ao treinamento do sono concordam que esses fatores são importantes. A questão, segundo eles, é que muitos pais frequentemente são apenas aconselhados a fazer o treinamento do sono, sem que sejam informados sobre os detalhes — que ele não funciona para todos os bebês ou que muitas vezes precisa ser repetido — e não são apresentadas outras opções.
“Acho que muitas vezes isso é vendido aos pais que se sentem em dificuldades e [acham que] precisam fazer o treinamento do sono com seus filhos para poderem sobreviver. Mas, na verdade, acho que precisamos ajudá-los a descobrir outras estratégias muito antes que eles cheguem a esse ponto da crise”, afirma Ball.
Uma estratégia que tanto Ball quanto o antropólogo norte-americano James McKenna, fundador e diretor do Laboratório de Comportamento do Sono da Mãe e do Bebê da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos, encontraram para famílias de baixo risco é dormir junto com as crianças, no mesmo quarto ou na mesma cama.
Estudos menores concluíram que as mães afirmam que dormem melhor na mesma cama do que separadamente dos seus bebês, muito embora as medições objetivas demonstrem alterações apenas discretas do seu sono. Outras pesquisas demonstraram que, embora bebês que dormem na mesma cama acordem com mais frequência, o seu tempo total acordado não difere dos bebês que dormem sozinhos.
A organização britânica Lullaby Trust oferece orientações para dormir junto com os bebês com segurança neste link (em inglês).
Existem outras estratégias com as quais os pesquisadores dos dois lados do debate estão de acordo.
Uma delas é a implementação de uma rotina da hora de dormir. Jodi Mindell é uma das autoras de um estudo que concluiu que seguir uma rotina na hora de dormir faz com que as crianças adormeçam com mais rapidez, acordem menos e durmam por mais tempo.
Colocar a rotina em prática funcionou até como a única estratégia seguida pelas famílias: um teste com controle aleatório de 405 crianças com idades de 7 a 36 meses concluiu que os bebês que receberam aleatoriamente uma rotina de três etapas de banho, massagem ou loção e uma atividade calma como leitura dormiram melhor e por mais tempo que bebês que não tinham esse tipo de rotina.
Ball, que trabalhou recentemente com outros pesquisadores para adaptar o programa de sono australiano Possums para profissionais do serviço de saúde pública britânico NHS, também indica que muitas vezes tomamos ações que dificultam ainda mais as coisas para nós mesmos.
“Temos essa obsessão cultural por colocar as crianças na cama às sete horas da noite”, segundo ela, “mas a maioria dos bebês precisará comer novamente antes que seus pais vão para a cama. E, normalmente, quando o bebê dorme, o primeiro bloco de sono é o mais longo da noite.”
E essas primeiras quatro horas de sono são também quando temos a maior parte do nosso sono profundo.
“Se você tiver o seu período de sono mais profundo ao mesmo tempo que o seu bebê tem o maior período de sono, indo para a cama ao mesmo tempo que eles, você maximiza o benefício. Por que então ficamos sentados na sala assistindo à televisão?”, questiona Ball.
“Quando você diz esse tipo de coisa para os pais, alguns deles argumentam ‘nós queremos algum tempo para nós, queremos algum tempo sem as crianças’. Bem, então a escolha é de vocês. Vocês estão trocando o sono por aquilo”, argumenta ela.
Fornecer mais apoio e informações para os pais também pode ajudar. É bom lembrar que a intervenção considerada mais útil para a maioria das mães no estudo longitudinal de Hiscock foi: “ter alguém com quem falar”.
Grande parte dos pais também considerou útil aprender o que piorou o sono das crianças e quais os padrões normais de sono — tão útil quanto o choro controlado. E, além disso, receber conselhos sobre como cuidar do seu próprio bem-estar e conseguir informações sobre a administração de chupetas foi mais importante para muitas mães do que acampar no quarto do bebê.
De forma mais geral, os críticos também indicam que o sono dos bebês é uma questão social. Muitas famílias modernas dependem de duas rendas e têm pouca ou nenhuma licença-maternidade (ou paternidade). Esses aspectos pressionam os pais a conseguir rapidamente uma boa noite de sono, frequentemente muito antes que o bebê se desenvolva a ponto de dormir sozinho sem estímulo. É comum ver pedidos de concessão ou aumento de licença-maternidade ou paternidade nos círculos contrários ao “chorar até dormir”.
Mas há boas notícias para as famílias, quer elas decidam ou não fazer o treinamento do sono. Em algum momento, com ou sem treinamento, a maioria das crianças deixa de exigir o auxílio de um cuidador à noite.
Um estudo com mais de 4 mil crianças concluiu, por exemplo, que 71% dos bebês com cinco meses de idade que acordavam regularmente à noite abandonaram o costume aos 20 meses, enquanto 89% pararam de acordar à noite com 4,5 anos de idade.
Aqueles que acordavam com frequência enquanto eram bebês também apresentaram mais propensão a acordar na idade pré-escolar, mas, novamente, não se sabe o quanto disso se deve ao temperamento: um bebê que acorda poderá também ter mais possibilidade de ser uma criança que acorda.
Conclusão
“[O treinamento do sono] só vale a pena quando os pais quiserem fazê-lo e considerarem que se trata de um problema para o qual eles precisam de ajuda”, segundo Harriet Hiscock. “Conheço pais que poderão levantar-se três, quatro ou cinco vezes por noite, mas são felizes assim, ou estão enfrentando e administrando o problema.”
Jodi Mindell concorda. “Se você nina um bebê com quatro meses de idade para dormir e ele está acordando uma vez por noite, está funcionando para a família. Por que você irá mudar algo que é um sucesso? Por que você faria treinamento de sono?”
“Nós realmente só recomendamos o treinamento quando existe um problema”, conclui ela.
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