Crédito, Reuters

  • Author, Anthony Zurcher
  • Role, Correspondente da América do Norte da BBC

Joe Biden virou a eleição dos EUA de cabeça para baixo. Após insistir veementemente por semanas que permaneceria como o candidato presidencial democrata, ele cedeu à pressão e retirou sua candidatura neste domingo (21/7).

Veja o que isso significa para a vice-presidente Kamala Harris, para os democratas de uma forma geral e para Donald Trump, na análise de Anthony Zurcher, correspondente da BBC na América do Norte.

Harris é um risco que muitos democratas estarão dispostos a correr

As perspectivas para Kamala Harris se tornar a candidata presidencial democrata receberam um grande impulso com o endosso de Joe Biden neste domingo.

Ele deu seu total apoio, afirmando que sua decisão de escolhê-la como vice-presidente há quatro anos foi a melhor que ele já tomou.

Harris respondeu dizendo que estava honrada por ter o apoio e faria tudo o que fosse possível para conseguir a nomeação.

É possível que a maioria dos democratas siga o exemplo do presidente e se una à vice-presidente para evitar uma grande incerteza a menos de um mês da convenção democrata.

Existem razões práticas e políticas para isso.

Ela é a primeira na linha de sucessão constitucional. A impressão de passar por cima da primeira mulher negra como cabeça de uma chapa presidencial seria terrível para o partido.

Harris também teria imediatamente acesso aos cerca de US$ 100 milhões ( R$ 554 milhões) em fundos que a campanha levantou até agora.

Mas também há riscos. Pesquisas de opinião pública mostram que as avaliações de Harris são tão baixas quanto as de Biden. E, em comparações diretas contra Donald Trump, ela tem um desempenho aproximadamente igual ao de Biden.

Além disso, Harris teve momentos difíceis como vice-presidente. No início do governo, ela recebeu a tarefa de abordar as causas da crise migratória na fronteira EUA-México.

Esse é um desafio e tanto, e uma série de erros e declarações equivocadas a expôs a críticas. Ela também tem sido a responsável do governo em temas como aborto, um assunto que ela tem lidado de forma muito mais eficaz. Mas aquelas primeiras impressões permaneceram.

Por fim, e talvez mais importante, Harris já concorreu a um cargo nacional – sua tentativa em 2020 pela nomeação presidencial democrata – e teve um desempenho ruim.

Embora tenha ganhado força no início, uma combinação de entrevistas desastrosas, falta de uma visão claramente definida e uma campanha mal administrada a levou a desistir antes mesmo das primeiras primárias.

Optar por Harris é um risco para os democratas, mas neste ponto não há opções seguras. E os riscos – uma possível vitória de Donald Trump – são os mais altos possíveis.

A convenção democrata pode ser caótica, mas empolgante

Nos últimos 50 anos, as convenções políticas nos EUA – quando os partidos escolhem seu candidato – foram transformadas em eventos um tanto entediantes.

Com cada minuto cuidadosamente roteirizado para a televisão, elas se tornaram comerciais prolongados de vários dias para o candidato presidencial.

A convenção republicana da semana passada certamente foi assim – mesmo com o discurso de aceitação de nomeação de Donald Trump, que foi excessivamente longo e, às vezes, divagante.

A convenção democrata em agosto, em Chicago, está se configurando para ser muito, muito diferente.

Qualquer roteiro que o partido e a campanha de Biden estavam preparando acabou de ser jogado pela janela. Mesmo que o partido se una em torno de Harris, será difícil planejar – e controlar – como as coisas irão se desenrolar no plenário da convenção.

E, se Harris não conseguir unir o partido, a convenção pode se transformar em uma batalha política, com vários candidatos disputando a nomeação diante das câmeras e a portas fechadas.

Isso pode resultar em um teatro político fascinante, ao vivo e imprevisível, de uma maneira que o público americano nunca viu antes.

Para os republicanos, o argumento ‘forte versus frágil’ cai por terra

A convenção republicana deste ano foi uma máquina minuciosamente programada, promovendo os itens mais populares da agenda do partido e concentrando críticas em um homem, o presidente Joe Biden.

Acontece que os republicanos estavam mirando na pessoa errada.

Com a notícia de que Biden abandonou sua campanha de reeleição, o plano dos republicanos liderado por Donald Trump foi virado de cabeça para baixo.

Os republicanos passaram uma semana inteira em eventos cuidadosamente roteirizados focando nas fraquezas erradas do democrata que se opunha a eles.

A campanha destacou a força e vitalidade de seu candidato, Trump, dando-lhe uma entrada barulhenta, precedida por aparições do ex-lutador Hulk Hogan e do empresário do Ultimate Fighting Dana White, além de uma apresentação do músico Kid Rock.

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Legenda da foto, Hulk Hogan na convenção republicana

As tentativas de contraste com a suposta fragilidade de Biden – e a estratégia de atrair eleitores homens mais jovens – eram óbvias.

Mas, em qualquer cenário agora, o candidato democrata será alguém muito mais jovem que o presidente.

Uma estratégia de “forte versus frágil” contra a vice-presidente Kamala Harris ou um dos governadores democratas mais jovens mencionados como possíveis sucessores de Biden não terá o mesmo impacto.

Se Harris for a candidata, espere que os republicanos tentem vinculá-la às falhas percebidas do governo atual. Durante meses, eles a chamaram de “czarina da fronteira”.

Embora a ex-promotora não seja de maneira alguma da ala progressista do partido, ataques republicanos anteriores sugerem que eles também podem pintá-la como de “esquerda radical”.

Não importa quem seja o candidato, os republicanos certamente culparão os democratas por encobrir as fraquezas relacionadas à idade de Biden – e por colocar a nação em risco.

Neste ponto, todos estão voando às cegas, faltando apenas alguns meses para que as primeiras cédulas presidenciais sejam depositadas.