- Author, Redação
- Role, BBC News Mundo*
O plano do Japão de despejar no mar águas residuais da usina nuclear de Fukushima, severamente danificada pelo tsunami de 2011, continua enfrentando resistência na região — apesar do projeto ter recebido sinal verde da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) recentemente.
A agência afirmou na terça-feira (4/7) que o plano japonês, apresentado há dois anos, atende aos padrões internacionais.
Segundo Rafael Grossi, diretor da AIEA, órgão de controle ligado às Nações Unidas, o plano trará um “impacto radiológico insignificante para as pessoas e para o meio ambiente”.
A análise da AIEA, que durou dois anos, constatou que o projeto da Tepco — a empresa de eletricidade que opera Fukushima — e das autoridades japonesas cumpre as normas internacionais de segurança.
Desde o desastre de 11 de março de 2011, mais de 1 milhão de toneladas de águas residuais tratadas se acumularam — e, após o aval da AIEA, o Japão pretende jogá-las no oceano a partir de agosto.
Mas qual é exatamente o plano do Japão e por que ele continua gerando preocupações, mesmo após a avaliação da AIEA?
Por que o Japão escolheu essa saída?
Desde o desastre, a Tepco tem bombeado água para resfriar os reatores nucleares de Fukushima.
Com isso, a usina produz diariamente água contaminada — aproximadamente 100 m³ por dia —, que depois passa por tratamento e é armazenada em tanques gigantescos.
Até agora, mais de 1.000 tanques foram enchidos. O Japão diz que esta não é uma solução sustentável a longo prazo e, por isso, quer liberar gradualmente essa água no Oceano Pacífico ao longo de 30 anos.
O lançamento de águas residuais no mar é uma prática rotineira em usinas nucleares, mas como a situação em jogo é resultado de um acidente, não se trata de resíduos nucleares típicos.
A Tepco filtra as águas de Fukushima por meio do Sistema Avançado de Processamento de Líquidos, que reduz a maioria das substâncias radioativas a padrões de segurança aceitáveis, exceto o trítio e o carbono-14.
O trítio e o carbono-14 são, respectivamente, formas radioativas de hidrogênio e carbono. É difícil separá-las da água.
Essas substâncias estão presentes no ambiente natural, na água e até mesmo nos humanos, pois são formadas na atmosfera terrestre e podem entrar no ciclo da água.
Ambas emitem baixos níveis de radiação, mas podem trazer riscos se consumidas em grandes quantidades.
Antes de serem lançadas no oceano, as águas residuais tratadas costumam ser diluídas com água do mar para que as substâncias presentes tenham concentração reduzida.
A Tepco diz que seu sistema de válvulas garante que as águas residuais não serão liberadas acidentalmente.
O governo do Japão acrescenta que os níveis restantes de trítio — cerca de 1.500 becquerel por litro — são muito mais seguros do que os níveis exigidos pelas regras de descarte de resíduos nucleares ou pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para a água potável.
A Tepco garante também que os níveis de carbono-14 estão de acordo com os padrões internacionais de segurança.
A empresa e o governo japonês realizaram estudos para mostrar que a água descartada trará pouco risco para os humanos e para a vida marinha.
Muitos cientistas apoiaram o plano.
“A água descartada será uma gota no oceano tanto em volume quanto em radioatividade. Não há evidências de que esses níveis extremamente baixos de radioisótopos tenham um efeito prejudicial à saúde”, disse o patologista molecular Gerry Thomas, que trabalhou com cientistas japoneses em pesquisas sobre a radiação e assessorou a AIEA nos relatórios que a agência produziu sobre Fukushima.
O que dizem os críticos?
Mas nem todos estão convencidos pelos argumentos da empresa e do governo japonês.
Antes da aprovação do plano pela AIEA, a ONG Greenpeace publicou relatórios levantando preocupações sobre o processo de tratamento da Tepco, dizendo que ele não é o suficiente para remover substâncias radioativas.
Para os críticos do plano, o Japão deveria, por enquanto, manter a água tratada nos tanques — ganhando tempo com o desenvolvimento de novas tecnologias e com a redução natural da radioatividade.
Alguns cientistas alertam também para os possíveis impactos dos resíduos na vida marinha.
“Vimos uma avaliação inadequada do impacto radiológico e ecológico. Estamos preocupados não só com o fato de o Japão ser incapaz de detectar o que está jorrando na água [do mar], nos sedimentos e nos organismos, mas também, se isso acontecer, de ser incapaz de remover isso [o material contaminado]. Não há como colocar o gênio de volta à garrafa”, explicou o biólogo marinho Robert Richmond, professor da Universidade do Havaí, à BBC.
Tatsujiro Suzuki, professor de engenharia nuclear do Centro de Pesquisa para a Eliminação de Armas Nucleares da Universidade de Nagasaki, disse à BBC que o plano “não levaria necessariamente a uma contaminação grave ou prejudicaria o público, se tudo correr bem”.
Mas, como a Tepco falhou em 2011 em evitar o desastre, ele teme que um possível acidente possa acabar indo de encontro aos planos.
O que dizem os vizinhos do Japão?
A China exigiu que o Japão chegue a um acordo com outros atores regionais e instituições internacionais antes de liberar a água residual no mar.
Pequim também acusou Tóquio de violar suas “obrigações morais e legais internacionais” e alertou que, se o plano seguir em frente, “deve enfrentar as consequências”.
Os dois países passam por uma situação tensa no momento — intensificada pela maior militarização do Japão e por recentes ações na região de Taiwan vistas como provocativas pela China.
Tóquio está conversando com os vizinhos sobre a situação de Fukushima e recebeu uma equipe de especialistas sul-coreanos para visitar a usina em maio.
No entanto, não se sabe até que ponto o Japão esperaria obter a aprovação de outros países para seguir com seu plano.
Ao contrário de Pequim, Seul — que tem interesse em fortalecer seus laços com o Japão — aliviou suas preocupações, dizendo na terça-feira que respeita as conclusões da AIEA.
Mas essa postura irritou boa parte da população sul-coreana — 80% das pessoas estão preocupadas com a liberação dos resíduos, de acordo com uma pesquisa recente.
“O governo tem uma forte política para que não se atire lixo no mar… Mas agora o governo não está dizendo qualquer palavra [ao Japão] sobre as águas residuais que vão para o oceano”, disse à BBC Park Hee-jun, um pescador sul-coreano.
Milhares de pessoas participaram de protestos em Seul pedindo que o governo da Coreia do Sul tome uma posição mais firme contra o plano.
Em resposta, o parlamento sul-coreano aprovou uma resolução na semana passada se opondo ao projeto. Ainda não está claro o impacto disso na postura do Japão.
As autoridades também estão anunciando uma “inspeção detalhada” das importações de frutos do mar japoneses vindos de regiões próximas à usina de Fukushima.
Para amenizar os temores do público, o primeiro-ministro sul-coreano Han Duck-soo disse que beberia a água tratada da usina de Fukushima para provar que ela é segura.
Além disso, um funcionário do governo disse na semana passada que apenas uma fração da água despejada no oceano chegaria a águas coreanas.
Como o Japão está respondendo?
O governo do Japão e a Tepco estão tentando conquistar os críticos apontando para a ciência por trás do processo de tratamento.
O primeiro-ministro japonês Fumuio Kishida garantiu na terça-feira que todo o projeto será conduzido com “um alto nível de transparência”.
Segundo alguns textos no site do Ministério das Relações Exteriores do Japão, outras usinas nucleares da região, especialmente na China, liberam água com níveis muito mais elevados de trítio.
A BBC conseguiu confirmar alguns desses números fornecidos pelo governo japonês com informações das usinas nucleares chinesas disponíveis ao público.
*Colaboraram Tessa Wong, Yuna Kim e Chika Nakayama.
Fonte: BBC
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