- Author, Alicia Hernández
- Role, BBC News Mundo
- Twitter, @por_puesto
“O processo que nos trouxe até hoje não foi fácil. Obrigado pela confiança.”
Nesta quinta-feira (16/11), ele foi reeleito presidente de governo da Espanha para os próximos quatro anos, em um ambiente de elevada tensão política e social.
Sánchez obteve um total de 179 votos no Congresso dos Deputados, de 176 necessários.
O resultado foi possível graças ao apoio do chamado “bloco de investidura”, um grupo heterogêneo de deputados esquerdistas, nacionalistas e separatistas com quem o PSOE fechou acordos que causaram grande controvérsia.
O partido chegou a isso após semanas de negociações, pactuações e também protestos contrários.
No centro de tudo está uma lei, a da anistia, e no fundo uma questão que marca a vida política espanhola há décadas: o movimento separatista catalão.
1. Como Pedro Sánchez chegou à reeleição
A Espanha é governada em um sistema parlamentarista.
Para que o premiê tome posse no Parlamento espanhol, precisa do apoio da maioria absoluta dos parlamentares numa primeira tentativa, ou 176 dos 350 deputados. Ou então precisa alcançar a maioria simples numa segunda tentativa.
Nas eleições, o conservador Partido Popular foi o partido mais votado: com 33% dos votos teve 137 parlamentares. Na segunda posição ficou o Partido Socialista, que com 31,6% dos votos alcançou 121 deputados.
O líder do PP, Alberto Núñez-Feijóo, apresentou-se para a posse ao final de setembro e contou com o apoio principal do Vox, partido da direita radical.
Mas só obteve o voto de 172 deputados, insuficiente para ser empossado, principalmente porque nenhum outro partido quis apoiá-lo.
Depois foi a vez de Sánchez, que teve sucesso em se reeleger, apesar de até poucos meses atrás esse cenário parecer impossível.
A carreira política do socialista tem sido singular e isso também ajuda a explicar como ele conseguiu chegar até aqui.
O atual líder começou na política aos 21 anos, como militante de base, vereador e depois deputado no Congresso.
Venceu as primárias do seu partido contra a própria máquina do PSOE.
Conseguiu uma moção de censura contra o então presidente Mariano Rajoy (PP), em maio de 2018, forçando sua destituição do cargo. E está à frente do governo espanhol desde então.
“É um animal político, sem dúvida”, afirma Javier Martín Merchán, professor de Ciência Política da Universidade de Comillas (Espanha).
Essa capacidade de superação quando tudo parece estar contra ele foi demonstrada este ano, quando, depois de resultados muito fracos para o PSOE nas eleições regionais de maio passado, Sánchez anunciou surpreendentemente uma antecipação das eleições gerais.
Naquele momento, quase ninguém acreditava que ele pudesse ter sucesso.
“Parecia que eram o auge do desastre para o Partido Socialista e que ele iria terminar seu período na Moncloa [sede da presidência de governo da Espanha]”, recorda Martín Merchán.
Mas, apesar de não ter ficado em primeiro lugar nas eleições, o PSOE “se converte na força parlamentar capaz de obter mais apoios”, diz o analista, referindo-se ao resultado desta quinta-feira.
No entanto, Merchán observa que a imagem do partido sai diminuída depois do “muito desgaste das negociações”.
2. Um quebra-cabeça de acordos
Para voltar a ser primeiro-ministro, Sánchez teve de procurar o apoio de partidos rivais para superar a diferença entre os 122 assentos que o PSOE conquistou nas eleições e os 176 necessários para obter a maioria absoluta.
Isto foi alcançado após meses de intensas negociações e acordos que causaram grande controvérsia na Espanha.
Um dos primeiros acordos foi com Sumar, grupo de movimentos de esquerda criado este ano sob a liderança da candidata e vice-líder do governo Yolanda Díaz, que foi a segunda vice-líder no mandato anterior de Sánchez.
Com o Sumar, seu principal aliado no Congresso, o PSOE pactou acordos em temas trabalhistas e salariais, como a redução da jornada de trabalho de 40 horas para 37,5 horas semanais.
Também fechou acordos com partidos como o Bloco Nacionalista Galego (BNG) e a Coligação Canária (CC), e com bascos nacionalistas e separatistas do Partido Nacionalista Basco e do Bildu (partido outrora ligado à organização nacionalista basca ETA).
Nesse caso, os acordos vão desde a ampliação de direitos trabalhistas até o perdão de dívidas, a transferência de poderes ou a ampliação de recursos.
Mas os acordos que causaram mais controvérsia foram assinados com dois partidos separatistas catalães, a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) e o Juntos pela Catalunha.
O primeiro contempla, entre outras coisas, o perdão da dívida do governo catalão no valor de US$ 15 bilhões (R$ 73 bilhões).
Já o segundo inclui a medida mais controversa entre as negociadas pelo PSOE: uma lei de anistia que beneficia centenas de condenados no processo independentista catalão, que culminou em 2017 com uma declaração unilateral ilegal de independência da comunidade autônoma.
3. A polêmica lei de anistia
O separatismo catalão, bem como sua relação com o governo espanhol, é um tema que está na agenda política do país há mais de uma década e tem gerado suspeitas e grandes tensões.
O ponto máximo de tensão nesse processo foi o referendo de autodeterminação na Catalunha em 2017, pelo qual dezenas de líderes políticos e cidadãos catalães foram condenados pelo sistema judicial espanhol, uma vez que o movimento já tinha sido declarado ilegal e suspenso pela Corte Constitucional.
Foi realizado no 1º de outubro daquele ano, um dia violento, marcado pela intervenção das forças de segurança do Estado.
O então governo catalão, liderado pelo ex-presidente Carles Puigdemont, considerou os resultados legítimos e declarou unilateralmente a independência da Catalunha. Dias depois, Puigdemont fugiu para Bruxelas, na Bélgica, para evitar ser preso.
No início desta semana e após várias semanas de expectativa, o grupo parlamentar socialista apresentou ao Congresso a polêmica proposta de uma lei de anistia.
“A proposta prevê que durante um período, de 2012 a 2023, sejam anulados determinados crimes previstos no código penal e que em alguns casos já foram julgados e condenados por sentença”, explica Rafael Rubio, professor de Direito Constitucional na Universidade Complutense de Madrid.
“Trata-se de uma suspensão excepcional e temporária de determinados crimes que, de alguma forma, eliminaria tanto seus efeitos, como seus vestígios.”
A anistia elimina o crime pela raiz, por outro lado, o perdão reconhece o crime cometido, mas elimina a pena.
Estima-se que a anistia beneficie cerca de 400 pessoas, incluindo políticos, líderes catalães, lideranças sociais, cidadãos e policiais envolvidos no processo.
“Há uma longa e genérica lista de crimes contemplados neste projeto de lei, mas, basicamente, são aqueles cometidos com a intenção de promover a secessão ou independência da Catalunha e de todos aqueles que contribuíram para alcançar esse propósito”, explica Rubio.
Assim, estariam incluídos crimes como usurpação de funções públicas, desobediência, ataques à autoridade, prevaricação ou peculato.
Embora possam existir alterações e vários atrasos no caminho para a aprovação da lei de anistia, se todos os grupos parlamentares que fecharam acordos com o PSOE para iniciar esta legislatura derem seu apoio, a proposta poderá ver a luz do dia dentro de alguns meses, avalia Rubio.
O Partido Popular e o Vox já anunciaram que vão apresentar recursos contra a lei de anistia junto ao Tribunal Constitucional e perante a justiça da União Europeia, por considerarem que ela rompe com o princípio da separação de poderes do Estado de Direito, ao permitir ao Poder Legislativo anular resoluções adotadas pelo Poder Judiciário.
No PP, a proposta foi classificada como um “cheque em branco para os separatistas” e nomes do partido chegaram a acusar Pedro Sánchez de “corrupção política” por “tomar decisões contra o interesse geral em troca de benefícios pessoais”.
Diferentes associações de juízes e procuradores na Espanha assinaram uma declaração conjunta na qual manifestaram “profunda preocupação” com o acordo e não descartaram tomar medidas por considerarem que “há um risco óbvio de quebra da democracia”.
Após o registro do projeto no Congresso, no entanto, eles não voltaram a se manifestar oficialmente.
Tanto Sánchez quanto seus parceiros de governo defenderam que os acordos estão dentro da Constituição.
E que são uma opção contra a “direita reacionária”, cuja ascensão deve ser interrompida pela “construção de um muro de democracia, coexistência e tolerância”.
A posse de Sánchez ocorreu em meio a uma grande mobilização de segurança no Congresso. E após dias de tensão nas ruas e protestos em frente à sede do Partido Socialista, principalmente em Madri, que se repetiram todas as noites durante quase duas semanas.
Algumas dessas manifestações terminaram em confrontos.
As maiores ocorreram no fim de semana anterior à posse. Foram liderados pelo Partido Popular e levaram centenas de milhares de pessoas às ruas em diferentes partes do país.
No seu discurso inaugural, Sánchez defendeu a lei da anistia, mesmo sabendo que uma parte importante dos cidadãos a rejeita.
“É uma medida solicitada por uma parte muito relevante da sociedade catalã (…) que pode ou não ser partilhada pelos cidadãos, cujas emoções compreendo. Mas as circunstâncias são o que são e devemos fazer da necessidade uma virtude.”
Os grupos que fecharam os acordos saíram em sua defesa, descrevendo o pacto como um “acordo histórico” onde “a democracia vence porque só uma Espanha que se aceita como é pode enfrentar todos os seus desafios”, nas palavras de Yolanda Díaz (Sumar), atual vice-líder de governo da Espanha.
Embora os acordos lhe tenham assegurado a posse, resta saber o preço que Sánchez pagará por eles e quão difícil será para ele a legislatura
O porta-voz do Juntos já disse a Sánchez que “a estabilidade da legislatura está sujeita ao progresso e ao cumprimento dos acordos”.
“Conosco, não desafie o destino”, afirmou o porta-voz da Esquerda Republicana da Catalunha.
Por um lado, Sánchez enfrenta no Congresso não só a habitual oposição do PP e do Vox, mas está também com a “espada de Dâmocles” dos separatistas pairando sobre sua cabeça: eles já anunciaram que o apoio ao PSOE será algo que será avaliado “dia a dia”.
Por outro lado, Sánchez terá que lidar nas ruas com o descontentamento de quem não concorda com os acordos fechados.
Fonte: BBC
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