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Se a principal responsabilidade dos pais é manter seus filhos seguros e livres de sofrimento, o que pode ser feito quando circunstâncias conspiram contra eles?

Seja com uma morte na família, uma lesão ou doença, ou a ameaça de uma guerra, os responsáveis por uma criança precisam não apenas gerenciar seus próprios sentimentos, mas também negociar conversas que podem ser devastadoras com mentes jovens que ainda têm dificuldade para compreender o mundo à sua volta.

Até notícias de acontecimentos aparentemente distantes podem gerar grande ansiedade e inquietação, que precisam ser processadas na família. Mas os desafios serão muito maiores se a própria criança for diretamente atingida pelos eventos.

Infelizmente, o auxílio profissional pode não estar disponível. “Para muitas crianças, os pais são as únicas pessoas que oferecerão apoio depois de uma experiência traumática”, afirma Sarah Halligan, professora de psicologia da Universidade de Bath, no Reino Unido.

É desnecessário dizer que o amor e a compreensão devem ser a base desses diálogos. Mas pesquisas recentes indicam que o teor específico das interações e a linguagem empregada para abordar os eventos podem também ter profundos efeitos sobre o processamento das emoções pelas crianças.

Além de oferecer conforto imediato, as conversas familiares podem moldar as memórias da criança sobre o que aconteceu quando sua mente retornar a isso no futuro, e as formas como ela reagirá a adversidades futuras. De fato, se você pensar nas suas próprias reações a eventos traumáticos hoje em dia, é muito provável que você esteja repetindo conversas da sua própria infância que foram internalizadas.

“Algumas pessoas acham que, se conversarem sobre eventos negativos, elas irão traumatizar a criança ou piorar a situação”, segundo Melanie Noel, professora de psicologia clínica da Universidade de Calgary em Alberta, no Canadá. “Mas essas conversas difíceis podem ensinar às crianças a empatia, a compreensão e a capacidade de regular suas emoções.”

Esponjas sociais

É bem conhecido o fato de que as interações entre pais e filhos desempenham papel fundamental em todos os tipos de desenvolvimento cognitivo.

“O cérebro das crianças ainda está em desenvolvimento e os pais fornecem importante apoio e estrutura para ajudá-las a navegar nos seus mundos emocionais”, segundo Dylan Gee, professora de psicologia da Universidade Yale em Connecticut, nos Estados Unidos.

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Desde o nascimento, as crianças são muito sensíveis às emoções e reações dos adultos ao seu redor

Desde o nascimento, a atenção das crianças será constantemente orientada por indicações dos adultos à sua volta. Perceber o medo dos pais poderá ajudá-las a evitar, por exemplo, um animal potencialmente perigoso ou uma pessoa que não merece confiança.

À medida que a criança aprende a falar, as palavras dos cuidadores também orientarão seu pensamento e raciocínio, com repercussões que vão muito além do conhecimento de vocabulário e gramática. Até as conversas mais casuais podem moldar as lembranças de uma criança, de forma que elas costurem os detalhes em uma narrativa e comecem a entender seus sentimentos.

Depois de uma visita ao barbeiro, um dos pais poderá perguntar como a criança se sentiu quando a máquina de cortar passou sobre sua cabeça, e se ela sentiu cócegas. Ou poderá perguntar se a criança se assustou com o borrifador de água. Eles podem dizer como ficaram orgulhosos por verem seu filho conseguir superar sua timidez, o que reforça o sentimento de coragem da criança.

Essa melhor compreensão das suas emoções, por sua vez, pode moldar o comportamento da criança, de forma que ela preste mais atenção nas suas ações, sem ceder aos seus impulsos.

Em meados de 2010, Diana Leyva, professora de psicologia da Universidade de Pittsburgh, na Pensilvânia (Estados Unidos), filmou 210 pares de pais e filhos enquanto conversavam sobre experiências positivas e negativas na vida das crianças. Durante essas conversas, alguns pais fizeram muito mais perguntas do que outros – e Leyva concluiu que isso poderia prever o comportamento das crianças na escola alguns anos depois.

As crianças que haviam sido incentivadas a analisar seus sentimentos eram mais capazes de manter sua atenção e controlar seus impulsos na sala de aula. É interessante observar que as conversas sobre experiências negativas pareceram fazer mais diferença, talvez porque esses sentimentos desconfortáveis são os mais difíceis de compreender e regular sem a orientação dos pais.

Gee chama esse tipo de conversa produtiva de “coaching emocional”.

“Exemplos de coaching emocional eficaz incluem ajudar as crianças a identificar seus sentimentos, respeitando e legitimando os sentimentos das crianças, ajudando-as a identificar formas de lidar com emoções mais difíceis e fornecendo oportunidades para discutir abertamente as emoções das crianças”, explica ela.

As pesquisas de Gee examinaram como as famílias lidaram com a pandemia. Ela descobriu que o coaching emocional dos pais atenuou os efeitos do estresse durante essa época difícil, de forma a causar menos efeitos sobre a saúde mental das crianças.

Conversar sobre eventos traumáticos

Considerando essas descobertas, é simplesmente natural que o comportamento dos pais tenha influência poderosa sobre as reações das crianças a outros tipos de dores e traumas.

Alguns anos atrás, a equipe de Sarah Halligan, da Universidade de Bath, convidou 132 famílias com um filho que havia sofrido um evento traumático (como um acidente de carro ou um incêndio doméstico) que resultou em visita ao hospital.

Além de responder a vários questionários, pediu-se aos pais e às crianças que fizessem uma conversa gravada sobre o evento, que foi analisada pela equipe.

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Durante a pandemia, o apoio emocional dos pais aos seus filhos aliviou o impacto do estresse, segundo os pesquisadores

Halligan concluiu que a avaliação dos eventos pelos pais poderia antever os sintomas de estresse pós-traumático das crianças seis meses após o evento. E é importante ressaltar que isso ocorreu mesmo depois que os pais controlaram a reação inicial da criança.

A pior característica parecia ser o “pensamento catastrófico”, em que o pai concentrava-se exclusivamente na ameaça e na sua possível influência permanente na vida da criança. Nesses casos, a criança era mais propensa a apresentar sintomas duradouros.

Até certo ponto, as crenças carregadas de terror dos pais haviam se tornado profecias autorrealizadoras. Mas isso não quer dizer que os cuidadores devem suavizar o evento, nem menosprezar o sofrimento.

“É importante que os pais realmente reconheçam o que as crianças estão passando. Eles não devem fingir que não é algo estressante”, orienta Halligan. “Mas, às vezes, vemos pais aumentando a seriedade do evento.”

Esse exagero do evento traumático e dos seus efeitos pareceu levar a resultados piores, em comparação com famílias em que o pai enfatizou a capacidade da criança de recuperar-se do trauma.

Outras evidências vêm da pesquisa de Melanie Noel na Universidade de Calgary. Em um experimento, sua equipe convocou 112 crianças que passavam por uma operação de retirada das amígdalas.

Logo depois da operação, cada criança avaliou a dor que estava sentindo, com base em um questionário ilustrado que mostrava diferentes níveis de desconforto. Duas semanas depois, a equipe gravou uma conversa entre o pai e a criança descrevendo a experiência e sua recuperação, que foi analisada segundo o nível de elaboração e o conteúdo emocional. E, por fim, um mês após a operação, os pesquisadores entrevistaram novamente a criança, para determinar sua recordação da cirurgia e de quanto desconforto ela havia sentido.

De forma geral, as discussões mais detalhadas das emoções gerais das crianças pareceram ajudá-las a entender o que aconteceu. Mas isso não ocorreu quando os pais concentraram-se excessivamente nas dores físicas sofridas pela criança. Nesses casos, as crianças relembraram a operação e sua recuperação como sendo muito mais perturbadoras que o relatado logo após a cirurgia.

“Sempre que você fala sobre algum acontecimento doloroso, especialmente com as crianças, você abre aquela recordação para que seja alterada e distorcida”, afirma Noel. “E algumas crianças desenvolvem essas lembranças exageradas e assustadoras.”

Ela defende que isso é importante, já que muitas pesquisas demonstraram que nossas recordações de dores parecem moldar nossas experiências futuras. Se nos lembrarmos de uma cirurgia como algo muito doloroso, ficaremos muito mais ansiosos – e sofreremos maior desconforto – quando passarmos por outra cirurgia no futuro.

Noel e sua aluna de doutorado Maria Pavlova projetaram um curto programa de treinamento sobre as melhores formas de ter conversas mais construtivas.

Elas aconselham os pais a evitar falar demais sobre as dores físicas. Em vez disso, eles são incentivados a se concentrar nos elementos mais positivos da experiência e elogiar a criança pela forma como ela conseguiu lidar com aquele desconforto.

Considere, por exemplo, uma interação na qual a criança recorda todas as lágrimas derramadas durante o evento. “Chorei muito”, ela diz. É importante não desprezar esse fato, mas o pai pode tentar relembrar à criança a rapidez com que ela se recuperou. “Sim, você chorou, mas só por alguns minutos, lembra? Porque depois tomamos sorvete.”

O pai poderá então enfatizar a gentileza dos funcionários e elogiar a criança por ter lidado com aquela dor respirando fundo.

Para comprovar os benefícios dessa intervenção, Noel e Pavlova novamente convidaram famílias com um filho que havia sofrido extração das amígdalas. Após a cirurgia, os pais receberam uma curta sessão de treinamento.

A intervenção funcionou exatamente conforme o planejado – reduzindo a tendência das crianças a exagerar seu desconforto nas reminiscências posteriores – e formou recordações mais sutis e realistas do evento.

Embora a intervenção não fosse especificamente projetada para alterar as conversas sobre dores físicas, Noel suspeita que reformular as conversas dessa forma (para que elas enfatizem a superação além do sofrimento) poderá ajudar as crianças a processar muitos outros tipos de traumas.

Escolher o seu momento

Para qualquer família que processe um evento traumático, um dos maiores desafios pode ser encontrar o momento certo para iniciar essas conversas.

Halligan afirma que alguns pais procuram evitar falar sobre o tema (mesmo entre eles) se as lembranças aumentarem o sofrimento da criança. Mas isso poderá criar a sensação de que o assunto é algum tipo de tabu.

“As crianças muitas vezes podem recear que irão aborrecer os seus pais e acabam silenciando sobre o tema”, segundo Halligan. Para ela, pode ser melhor permitir que o assunto surja naturalmente.

Perguntar regularmente à criança como ela se sente geralmente deverá oferecer a ela o espaço necessário para falar sobre o que a está angustiando. “Você precisa garantir que o seu filho saiba que pode ter a conversa com você e fornecer ativamente essas oportunidades para conversar”, acrescenta ela.

Mesmo se a criança não falar diretamente sobre o evento traumático, ela poderá conversar sobre outros motivos de estresse, o que pode oferecer uma boa oportunidade para o coaching emocional.

As crianças podem ser mais propensas a se abrir quando você estiver cuidando de outras atividades diárias, como andar de carro ou durante um passeio no parque. “Muitas vezes, os pais encontram boas oportunidades para conversar com as crianças quando outras coisas estão acontecendo”, afirma Halligan.

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As crianças podem ficar mais dispostas a abrir-se enquanto praticam outras atividades, o que oferece uma oportunidade para o coach emocional

Se você então seguir as sugestões inspiradas pelas pesquisas – como valorizar os sentimentos da criança, enfatizar o bom além do mau e reafirmar a capacidade da criança de lidar com aquilo – você pode estar fornecendo técnicas emocionais mais abrangentes que durarão por décadas.

“Se quisermos incentivar a superação nas crianças, precisamos ensinar aos pais como ter conversas construtivas com elas sobre temas traumáticos, assustadores e estressantes”, afirma Noel. “Isso poderá evitar muitos problemas no futuro.”

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