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Partida de tênis entre duplas masculinas na antiga sede do All England Club, em Worple Road. O clube e o torneio de Wimbledon se mudaram para o local que ocupam atualmente em 1922

  • Author, Jess Anderson
  • Role, BBC Sport

Em uma noite fria de fevereiro em Londres, uma mulher rasteja furtivamente, disfarçada na escuridão, em direção às bancadas vazias e quadras de grama impecáveis de Wimbledon.

Ela carrega na bolsa cinco latas de óleo de parafina, um pacote de acendedores de fogo, um pacote de raspas de madeira e duas caixas de fósforos.

Então ela escolhe um lugar, coloca a bolsa sobre a grama e prepara os ingredientes para destruir um dos espaços esportivos mais famosos do Reino Unido.

Este foi apenas um dos incidentes em um ano de protestos nos principais eventos esportivos — a última tentativa de conquistar as mentes e os corações do público sobre uma questão que divide o país e provoca fúria nos dois lados da discórdia.

O ano em questão é 1913. E há mais um objeto na bolsa da mulher: um pedaço de papel. Nele, está escrito: “não haverá paz até que as mulheres consigam votar”.

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Identidade da mulher por trás do plano de incendiar quadras de tênis permanece um mistério até hoje

Das passeatas para as bombas

“As suffragettes [defensoras do direito de voto às mulheres] são a maior organização terrorista que já operou em solo britânico, elas não têm paralelo”, afirma a historiadora Fern Riddell.

“Elas estavam em outra escala em relação a qualquer outra coisa”, prossegue ela. “Houve centenas e centenas de ataques, com centenas de pessoas presas, e ninguém comenta este fato.”

Na verdade, a causa das suffragettes é mais recordada do que os métodos utilizados para defendê-la.

No início dos anos 1800, a ideia de que as mulheres tivessem direito a voto no Reino Unido era absolutamente estranha para muitas pessoas. Em 1831, apenas uma minúscula parte da sociedade britânica — cerca de 2% da população — podia participar das eleições parlamentares.

No ano seguinte, a Lei da Reforma ampliou o direito ao voto entre os homens, mas excluiu explicitamente as mulheres da cabine de votação.

No início do século 20, depois de 60 anos de protestos pacíficos, distribuição de panfletos e apresentação de educados pedidos ao governo para dar às mulheres o direito ao voto, o cansaço e a frustração entre muitas participantes dos movimentos pelo sufrágio feminino eram cada vez maiores.

“Havia muitas pessoas que não apoiavam o voto das mulheres — é uma ideia muito complicada para muitas pessoas, por mais bizarro que possa parecer hoje em dia”, afirma Riddell, autora do livro Death in Ten Minutes (“A morte em 10 minutos”, em tradução livre), uma biografia da suffragette Kitty Marion (1871-1944).

“A ideia de que as mulheres tivessem direito a voto não tinha grande apoio”, diz.

As suffragettes então decidiram que precisavam aumentar suas apostas.

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Uma mulher observa através de uma janela quebrada no presídio feminino Holloway, em Londres, depois de um ataque a bomba em dezembro de 1913. A União Social e Política das Mulheres era suspeita de estar por trás do ataque

Quando as pessoas pensam nas suffragettes, provavelmente vêm à mente imagens de passeatas e protestos com bandeiras, grandes reuniões com líderes do movimento discursando para multidões inflamadas ou mulheres amarradas aos trilhos, recusando-se a sair dali.

E, até cerca de 1909, era o que as suffragettes faziam no Reino Unido. Até que o movimento mudou sua forma de ação.

Em 1903, foi formada a União Social e Política das Mulheres (WSPU, na sigla em inglês), liderada por Emmeline Pankhurst (1858-1928). Seu lema era “ações, não palavras”. A organização percebeu rapidamente, depois de esgotar outras formas de manifestação, que a violência era mais convincente.

Entre 1912 e 1914, elas eram a maior ameaça à paz doméstica do Reino Unido, com células espalhadas por todo o país. Elas realizaram centenas de ataques, com o propósito de causar o máximo de destruição e prejuízo possível à vida diária.

Pankhurst afirmava que o objetivo da WSPU era “tornar a Inglaterra e todos os setores da vida inglesa inseguros e desprotegidos”, criando um “reino do terror”.

No fim de 1912, 240 pessoas haviam sido presas por atividades militantes das suffragettes.

As ações diretas incluíam lançar bombas sobre as casas de parlamentares, colocar explosivos em caixas de correio e realizar ataques incendiários em locais públicos, como trens e igrejas.

Os alvos eram cuidadosamente selecionados, com base na sua importância para a vida britânica. Por isso, não é coincidência que alguns dos objetivos preferidos delas fossem também os espaços esportivos.

“O esporte é uma parte muito importante da vida cultural inglesa”, explica Riddell. “Se você quiser dirigir as coisas para levar sua causa para as pessoas comuns, é claro que você irá atingir o esporte.”

Campos de golfe e hipódromos foram os mais atingidos pelos ataques, porque ficavam frequentemente vazios, eram em grande parte desprotegidos e, como outras instalações esportivas, eram espaços dominados pelos homens.

Os membros dos clubes de golfe apareciam frequentemente para jogar pela manhã e descobriam que intrusos haviam passado a noite arrancando a grama, lançando ácido sobre a área verde e escavando no chão as letras VW (sigla de Votes for Women, ou “Votos para as Mulheres”, em inglês).

Um incêndio no hipódromo de Ayr, na Escócia, causou prejuízos estimados, na época, em duas mil libras (cerca de 190 mil libras, ou R$ 1,2 milhão, em valores atuais). Já o hipódromo de Hurst Park, perto de Londres, foi incendiado por Kitty Marion, influente integrante do segmento da WSPU que ficaria conhecido como “jovens sangues quentes”, por praticar ações violentas e diretas.

As bancadas eram um alvo popular de ataques incendiários nos espaços esportivos. Elas eram grandes e o espetáculo das chamas era certeza de publicidade.

Um plano de incendiar a tribuna do estádio Crystal Palace, em Londres, na véspera da final da Copa da Inglaterra foi frustrado em 1913.

Mas a tribuna do estádio Manor Ground em Plumstead, também em Londres, foi atacada, causando danos no valor de 1 mil libras (cerca de 95 mil libras, ou R$ 600 mil, em valores atuais). O estádio era a casa do Woolwich Arsenal — como se chamava, na época, o Arsenal F.C.

A tragédia no hipódromo

Muitos dos incidentes foram esquecidos ou perdidos nos anais da história, mas um deles permaneceu como marco histórico, com final trágico.

Em junho de 1913, durante o Derby de Epsom, na Inglaterra, Emily Davison (1872-1913) ficou em pé, em frente ao cavalo do rei George 5º. Acredita-se que sua intenção fosse adornar o animal com uma bandeira das suffragettes como forma de manifestação — e, com isso, naturalmente chegar à primeira página dos jornais do dia seguinte.

Mas Davison foi ferida pelo cavalo e morreu em seguida.

A rainha Mary estava sentada com o rei na tribuna de Epsom. Naquela noite, ela descreveu Davison como uma “mulher horrível” no seu diário.

Mas o ato trágico da suffragette estabeleceu o caminho do progresso.

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Rose Lamartine Yates estava ao lado do leito de Emily Davison após sua colisão fatal com o cavalo do rei, no hipódromo de Epsom. Ela organizou um funeral que atraiu milhares de suffragettes e observadores

Davison esteve em Wimbledon um dia antes da sua visita fatal ao Derby de Epsom.

Acredita-se que ela tenha visitado sua velha amiga e colega suffragette Rose Lamartine Yates (1875-1954) — a dinâmica líder da filial da WSPU em Wimbledon — para pegar bandeiras com os dizeres “Votos para as Mulheres” que seriam distribuídas no hipódromo.

Wimbledon — o subúrbio no sudoeste de Londres, não o famoso torneio de tênis — havia se tornado um centro de atividade das suffragettes, muito antes do ataque à sede do torneio de tênis, o All England Club.

Yates desafiou as tentativas das autoridades de proibir suas aparições públicas. Ela discursava todos os domingos no Wimbledon Common, um espaço ao ar livre, atraindo multidões que chegavam a 20 mil pessoas.

Em março de 1913, um desses eventos terminou em tumulto, depois que 300 policiais tentaram evitar que as mulheres se reunissem. Na semana seguinte, um protesto contrário às suffragettes usou uma sirene e gás tóxico sulfeto de hidrogênio para tentar dispersar as manifestantes.

“Muitos de vocês parecem pensar que estas reuniões são proibidas”, disse Yates a seus detratores em abril daquele ano. “Mas, até que tenhamos conhecimento desse fato, não privaremos vocês do prazer de nos ouvir.”

Yates precisou do apoio da cavalaria e de um cordão policial para voltar para casa, rodeada por uma multidão de manifestantes contra as suffragettes.

Uma organização local chamada “Liga da Retaliação” prometeu que “todo ato de violência perpetrado por aquelas mulheres será respondido por ataques às casas ou propriedades particulares de militantes suffragettes”. Já a revista feminina semanal The Gentlewoman rotulou as manifestantes como “um grupo de mulheres extremamente irresponsáveis”.

Winston Churchill (1874-1965), secretário de Assuntos Internos entre 1910 e 1911, foi citado descrevendo as suffragettes como “um bando de mulheres tolas, neuróticas e histéricas”.

A polícia tratava a campanha do grupo como uma empreitada terrorista, mas tinha dificuldade para mantê-las sob qualquer tipo de controle.

Eles tentavam desesperadamente identificar e deter membros importantes do grupo sob suspeita de lançar bombas e realizar ataques incendiários. Algumas das mulheres presas entravam em greve de fome para dar continuidade aos seus protestos e eram alimentadas à força.

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As mulheres se reuniam aos domingos na área verde de Wimbledon Common, em Londres

A própria Yates passou um mês no presídio feminino de Holloway, em Londres, por obstrução das vias públicas durante uma passeata das suffragettes em Westminster. Ela promoveu eventos comemorando a libertação de outras prisioneiras pela causa.

Embora a WSPU de Wimbledon ainda promovesse festivais de verão, com a venda de roupas de crianças feitas à mão para levantar dinheiro, as ações mais diretas da campanha afastaram parte do público.

“Quando você ataca e prejudica a vida das pessoas comuns, você perde o apoio”, explica Riddell.

Segundo ela, “quando as suffragettes começaram a bombardear vagões de trem, espaços esportivos e locais públicos aonde as pessoas vão, esperando passar um tempo agradável com a família, o apoio do público enfraquece”.

Mas a mensagem do grupo ainda era clara: “não haverá paz até que as mulheres consigam votar”.

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Yates, no centro, discursa em uma reunião das suffragettes na sua casa, em Dorset Hall (Londres)

‘Silenciosa’

Mas voltemos àquela noite de fevereiro de 1913 no All England Club e à mulher que se preparava para incendiar uma das bancadas da quadra central de Wimbledon. Será que ela teve sucesso?

Resumindo a história, não.

O jardineiro responsável pela grama, Joseph Parsons, encontrou a mulher. Ela tentou fugir correndo, mas caiu. Ele a pegou e denunciou à polícia antes que qualquer dano acontecesse. O ataque foi frustrado.

A suffragette desconhecida falou apenas uma vez, durante a acusação na delegacia. Ela disse: “protesto contra a acusação. Protesto por ser detida aqui.”

Ela compareceu ao tribunal, sem dar detalhes de si própria — nem nome, nem idade, nem local de nascimento. Sua identidade é desconhecida até hoje.

Os jornais da época calcularam que a mulher tivesse cerca de 35 anos. Ela foi condenada a dois meses de prisão. A declaração condenatória de Joseph Parsons foi suficiente para selar sua sentença.

Seu silêncio no tribunal levou alguns jornais a apelidá-la de “a suffragette silenciosa”.

Mas certamente alguém sabia quem ela era. Alguém como Rose Yates.

“Se Rose não estava conduzindo esses atos ela própria, ela certamente saberia quem era a pessoa sendo enviada pela liderança da WSPU até o seu território, para conduzir esses ataques”, afirma Riddell. “Ou teria sido alguém que ela conhecia pessoalmente.”

A identidade da mulher misteriosa provavelmente nunca será descoberta. Mas seu plano de incendiar Wimbledon foi um dos incidentes de uma vasta operação que durou muitos anos e dominou os debates.

A guerra e o sufrágio feminino

Com a Primeira Guerra Mundial, o lançamento de bombas por manifestantes foi colocado de lado, para tristeza de algumas participantes da WSPU, incluindo Yates.

Mas as mulheres queriam mostrar que podiam ser úteis e razoáveis, colaborando com o esforço de guerra, como parte da evolução da sua estratégia na luta contra as desigualdades.

Mulheres com mais de 30 anos receberam o direito ao voto após a guerra, em 1918. Mas as mulheres britânicas somente conquistaram o direito ao voto nas mesmas condições que os homens — com pelo menos 21 anos de idade — em 1928.

“O motivo por que as mulheres votam hoje em dia, em parte, é devido às bombas”, afirma Fern Riddell.

“Com o término da Primeira Guerra Mundial, havia um risco muito claro de que as suffragettes começassem novamente sua campanha com bombas”, explica ela. “O governo e a Polícia Metropolitana, que não haviam conseguido impedir as bombas, não conseguia entender quem estava fazendo os explosivos, nem de onde eles vinham.”

“Eles eram incapazes de lidar com aquilo, estavam apavorados e o uso de bombas iria começar de novo, em uma sociedade completamente traumatizada pela guerra. Não acho que teríamos conseguido o voto sem as bombas, sem o início da guerra e sem a ameaça do retorno das bombas.”

Pouco depois da guerra, o All England Club também pôs em prática algumas mudanças. Ele se mudou da sua sede na Worple Road para o local que ocupa até hoje, na Church Road, em Wimbledon.

A razão da mudança foi o aumento do público. E uma das principais atrações do torneio, na época, era justamente a tenista francesa Suzanne Lenglen (1899-1938), a primeira mulher número um do mundo, seis vezes campeã em Wimbledon e, talvez, a primeira mulher superestrela do esporte.

A “suffragette silenciosa” pode não ter tido sucesso naquela noite de fevereiro de 1913, mas trouxe progressos fora das quadras. Ela podia estar no lado contrário da lei, mas certamente estava no lado certo da história.