- Inayatulhaq Yasini e Swaminathan Natarajan
- BBC World Service
“Algumas pessoas podem não estar felizes comigo — mas eu digo a elas que o país é como uma mãe, e ninguém deve traí-lo”, afirma Mohammad Edris Momand.
Ele está entre um pequeno grupo de pilotos militares afegãos treinados pelos Estados Unidos escolhidos a dedo para defender seu país nos anos que antecederam a volta do Talebã.
Mas quando os combatentes islâmicos estavam prestes a retomar Cabul no ano passado, ele deu as costas para seus aliados e entregou seu helicóptero aos ex-inimigos.
Acredita-se que ele seja o único piloto do antigo exército afegão que fez isso.
“Meu objetivo era proteger um ativo que pertence ao Afeganistão”, disse ele à BBC.
Momand ingressou nas forças armadas afegãs em 2009, e partiu para os EUA para se submeter a um extenuante programa de treinamento de quatro anos na Academia Militar Americana — conhecida como West Point.
Ele foi informado de que custa até US$ 6 milhões para treinar um piloto de helicóptero nos EUA. Momand valoriza essa oportunidade e ainda preza o dia em que fez sua primeira surtida — ou voo operacional — nos EUA.
“Eu estava muito feliz e animado. Não podia acreditar que chegaria um dia assim na minha vida”, afirma.
Só quando o treinamento acabou que ele voltou para casa e viu sua família novamente.
Inicialmente, ele foi enviado para Herat, no oeste do Afeganistão, onde pilotava helicópteros Mi-17 de fabricação russa. Alguns anos depois, ele teve outra oportunidade.
“No final de 2018, um pequeno grupo de jovens pilotos que haviam estudado a tecnologia de ponta da força aérea foi selecionado para pilotar helicópteros Black Hawk. Daí em diante, eu estava pilotando Black Hawks.”
Estes helicópteros militares eram usados em funções de abastecimento e transporte.
Durante anos, os EUA e seus aliados investiram dezenas de bilhões de dólares no treinamento e equipamento das Forças Armadas afegãs na esperança de que seriam capazes de manter o Talebã afastado uma vez que as forças estrangeiras saíssem do país.
Mas essa esperança se transformou em uma ilusão.
O exército afegão perdeu o controle do país para o Talebã num ritmo surpreendente, depois que o presidente americano, Joe Biden, fez um discurso em abril do ano passado, anunciando que as últimas tropas americanas deixariam o país em 11 de setembro.
Em julho, enquanto o Afeganistão mergulhava no caos, a data de saída teve que ser antecipada para 31 de agosto. Mas o avanço do Talebã foi mais rápido.
Em 6 de agosto, a primeira capital de província foi tomada pelos militantes. Uma após a outra, cidades e vilas foram caindo nas mãos dos insurgentes até o grupo tomar Cabul em 15 de agosto sem praticamente enfrentar resistência.
As Forças Armadas afegãs, treinadas e equipadas a um alto custo, simplesmente entraram em colapso — e muitos dos líderes do país fugiram, junto a dezenas de milhares de outros afegãos e estrangeiros.
Biden criticou os líderes do governo afegão que fugiram — e disse que os militares do país “desistiram, muitas vezes sem tentar lutar”.
Momand tinha clareza sobre a quem devia lealdade.
Ele se lembra de se apresentar para o serviço na base aérea de Cabul em 14 de agosto. A situação era tensa, com o Talebã às portas da capital. Havia rumores de que os principais líderes políticos e militares planejavam escapar.
O aeroporto estava sob controle militar dos EUA, mas não se sabia por quanto tempo permaneceria seguro.
“Nosso comandante da Força Aérea ordenou que todos os pilotos voassem para fora do país. Ele nos orientou a ir para o Uzbequistão”, lembra Momand.
Ele ficou irritado com a instrução e decidiu não obedecer.
“Meu comandante estava me incitando a trair meu país. Por que devo obedecer a tal ordem?”
Momand pediu o conselho de sua família. Ele conta que seu pai disse a ele que nunca o perdoaria se deixasse o país — e o advertiu:
“O helicóptero pertence ao Afeganistão.”
A província de Momand, Kunar, no leste do país, já havia caído nas mãos do Talebã. Seu pai conversou com o governador local, que garantiu que não fariam nenhum mal a ele se levasse o helicóptero para lá.
Momand elaborou então um plano de fuga — mas teve que se livrar primeiro da sua tripulação.
“Todo Black Hawk tem uma tripulação de quatro membros. Eu sabia que não podia confiar neles com meu plano. Tinha certeza que eles não iriam concordar. Eles teriam colocado minha vida em perigo e até destruído o helicóptero.”
Ele bolou então uma estratégia para enganá-los.
“Eu disse ao comandante da Força Aérea que o helicóptero estava com problemas técnicos, e eu não podia decolar. Quando ouviram isso, os três tripulantes subiram a bordo de outro helicóptero que estava sendo preparado para partir para o Uzbequistão.”
Depois que todos os outros helicópteros decolaram, ele ligou o motor para um voo solo de 30 minutos até Kunar.
“Os americanos estavam controlando o controle de tráfego aéreo. Então, eu disse a eles pelo rádio que estava decolando para o Uzbequistão. Depois de sair do aeroporto, desliguei o modo radar e fui direto para Kunar.”
“Aterrissei na minha vila, perto da minha casa. Depois de obter garantias do Talebã, levei o helicóptero para um lugar onde os helicópteros eram reabastecidos no passado.”
Ele diz que sua família, amigos e vizinhos apoiaram totalmente sua decisão.
Momand afirma que não se arrepende de suas ações. Ele ressalta que teve a opção de deixar o Afeganistão com sua esposa e filhos, mas decidiu ficar.
“Conselheiros americanos me enviaram três mensagens. Eles disseram: ‘Mesmo que você não possa trazer o helicóptero, venha pela estrada com seus familiares para serem retirados daí’. Mas não aceitei a oferta.”
No final de junho de 2021, a Força Aérea afegã operava 167 aeronaves, incluindo helicópteros e aviões de ataque, de acordo com um relatório divulgado pelo Inspetor Geral Especial para Reconstrução do Afeganistão (Sigar, na sigla em inglês), com sede nos EUA.
Alguns desses ativos aéreos foram levados para fora do país pelos colegas de Momand. Uma análise de imagens de satélite do Aeroporto de Termez, no Uzbequistão, em 16 de agosto, mostra que ele abrigava mais de duas dúzias de helicópteros, incluindo Black Hawks, Mi-17 e Mi-25, e várias aeronaves de ataque leve A-29 e C-208.
As tropas americanas fizeram o que puderam para sabotar a maioria dos aviões e helicópteros deixados para trás em Cabul.
Não está claro quantos permanecem operacionais no Afeganistão hoje.
“Agora temos sete helicópteros Black Hawk que podem ser usados. Engenheiros afegãos com recursos limitados foram capazes de repará-los. Aos poucos, colocaremos outros helicópteros Black Hawk em uso”, diz Momand.
Longe de sentir que abandonou seus companheiros, Momand os culpa, dizendo que infligiram grandes perdas ao Afeganistão ao seguir cegamente a ordem de deixar o país.
“Aqueles que voaram com seu helicóptero para o Uzbequistão realmente decepcionaram o país. Os helicópteros pertencem ao nosso país. Custaram muito caro. Acho que nunca vamos recuperá-los.”
Momand não vê nenhuma contradição em pilotar seu Black Hawk para o Talebã, depois de ter sido treinado pelos EUA para lutar contra os insurgentes.
“Os governos sempre mudam. Pessoas como nós pertencem à nação e servem à nação. Os militares não devem se envolver em política. O país investiu muito em pessoas como eu.”
Embora o Talebã esteja no poder há um ano, nenhum país os reconheceu formalmente como governantes legítimos do Afeganistão.
Apesar disso, Momand permanece determinado.
“Vou continuar no meu campo para servir a minha nação até o último dia da minha vida.”
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