- Author, Will Grant
- Role, Correspondente da BBC News na América Central
Se ainda estiver vivo, José Duval Mata está preso em um pesadelo real.
Há mais de dois anos, o motorista de trator de 26 anos está detido em El Salvador, acusado de “associação com gangues”, embora a Justiça do país tenha ordenado por duas vezes sua libertação imediata.
Apesar das decisões claramente emitidas a seu favor por dois juízes, Mata ainda definha dentro de um dos piores presídios de segurança máxima do mundo: o Cecot, sigla para “centro de confinamento do terrorismo”, em El Salvador.
A BBC chamou repetidamente a atenção do governo salvadorenho para o caso — acionando o Ministério Público, o Ministério da Segurança, o vice-presidente e o próprio presidente, Nayib Bukele, no início deste ano.
Apesar das várias promessas de que as autoridades iriam investigar, nenhuma ação foi tomada até o momento.
É uma história de proporções kafkianas.
Com uma série de direitos constitucionais suspensos no âmbito de um decreto de emergência chamado Estado de Exceção, a polícia e as tropas podem prender qualquer pessoa suspeita de filiação a gangues sem o devido processo legal.
Cerca de 70 mil pessoas foram presas em dois anos, incluindo aproximadamente 3 mil crianças, muitas delas sem qualquer ligação aparente com atividades de gangues, afirma a organização Human Rights Watch, com sede em Nova York, nos EUA.
Apesar dos protestos de Mata de que nunca havia feito parte ou trabalhado para uma gangue, as tropas o prenderam por “associação ilícita” — um termo genérico usado sob o Estado de Exceção para deter pessoas.
A mãe dele, Marcela Alvarado, não vê nem tem notícias do filho desde aquele dia.
“A polícia me disse que eu precisava levar evidências para provar a inocência dele, então juntei o diploma dele do ensino médio, as escrituras da terra dele, os recibos de pagamento de um empréstimo bancário e uma declaração do empregador dele atestando seu bom caráter”, ela explica, mostrando à BBC os documentos que, segundo especialistas, praticamente nenhum membro de gangue salvadorenho possuiria.
Os esforços dela foram em vão.
Mata foi julgado com mais de 350 outros presos num julgamento coletivo que durou apenas alguns minutos. Ele foi condenado a uma pena inicial de seis meses, que desde então foi prorrogada indefinidamente.
Marcela ainda chora com a lembrança. Mas as coisas estavam prestes a piorar muito.
Mata foi brevemente solto depois de um juiz ter ordenado sua libertação imediata em setembro de 2022.
Mas ele foi detido novamente na porta da prisão — pelas mesmas acusações —, enquanto esperava sua família ir buscá-lo.
Voltar a deter os prisioneiros no portão da prisão é “uma ação arbitrária… são detenções ilegais e casos de dupla incriminação”, afirma Noah Bullock, diretor executivo da Cristosal, principal ONG de direitos humanos de El Salvador.
Mas, segundo ele, esta prática foi generalizada sob o Estado de Exceção.
Em junho de 2023, um segundo juiz confirmou a decisão anterior de libertar Mata. No entanto, mais de um ano depois, ele continua atrás das grades, e os pedidos de informação feitos por Marcela, cada vez mais desesperados, não resultaram em nada.
A família de Mata levou agora seu caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Uma fonte do Ministério Público salvadorenho disse à BBC que não via “nenhuma justificativa legal ou qualquer explicação clara” para o jovem permanecer detido.
Durante toda esta provação, Marcela levava religiosamente um pacote de comida todas as semanas para a prisão de Izalco, onde seu filho estava detido — uma sacola de plástico com “flocos de milho, aveia, pão e biscoito”, diz ela, para ajudar a complementar as escassas refeições oferecidas na prisão, e manter José Duval de pé.
Quando ela entregou uma sacola de comida em junho do ano passado, os guardas disseram que ele havia sido transferido da penitenciária algumas semanas antes.
Seus piores temores haviam se tornado realidade.
José Duval estava agora dentro do Cecot — o Centro de Confinamento do Terrorismo —, uma prisão de segurança máxima que é o pilar da política de repressão às gangues de Bukele.
Os apoiadores do presidente elogiam a instalação como evidência da sua mão de ferro no combate ao crime cometido por gangues.
Já seus críticos a consideram um buraco negro dos direitos humanos — e uma das prisões mais controversas do mundo.
O presidente Bukele afirmou muitas vezes que os detentos não veriam “um raio de Sol” sequer — e receberiam as refeições mais básicas e frias de arroz com tortilhas.
Imagens de presidiários tatuados e com a cabeça raspada sendo transferidos para as instalações foram amplamente divulgadas pelo governo Bukele.
Bukele defendeu repetidamente o Estado de Exceção e o Cecot por terem mudado a imagem da segurança em El Salvador.
Uma série de áreas “perigosas” e bairros controlados por gangues estão, de fato, de volta ao controle das forças de segurança, e comunidades inteiras dizem que já não vivem com medo.
Sendo assim, a repressão é extremamente popular. Milhões de pessoas em El Salvador são eternamente gratas ao jovem líder, bastante versado nas redes sociais, por enfrentar o problema das gangues com rapidez e força implacável.
Em fevereiro, Bukele foi reeleito com uma vitória esmagadora, garantindo cerca de 90% dos votos.
Em uma entrevista coletiva, perguntei a ele se no segundo mandato se concentraria na libertação daqueles que haviam sido detidos injustamente.
Bukele deu uma longa resposta atacando seus críticos, especialmente os estrangeiros, argumentando que erros judiciais de grande repercussão haviam sido cometidos no Reino Unido.
Segundo ele, suas forças de segurança haviam cometido apenas “alguns erros” — e cerca de 7 mil pessoas já haviam sido libertadas.
A repressão havia restaurado a calma nas ruas de El Salvador, e isso era o mais importante, insistiu o presidente.
Contei a ele detalhes sobre o caso de José Duval Mata e, após a coletiva de imprensa, sua equipe me pediu cópias das ordens de libertação emitidas pelos juízes. Poucos dias depois, um membro do seu círculo próximo solicitou uma segunda vez a informação, desta vez em formato digital, que eu forneci novamente.
Nas semanas seguintes, a BBC procurou repetidamente o governo Bukele, e eu falei diretamente com o vice-presidente, Félix Ulloa, em diversas ocasiões sobre o caso.
Há mais de um ano, ele disse à BBC que Mata estava a poucos dias de ser libertado.
Ulloa afirmou esperar que, uma vez fora da prisão, a imprensa retratasse Mata como um “caso emblemático de processo justo”.
Na verdade, naquele momento, ele estava sendo transferido para o Cecot sem o conhecimento da família.
No início deste ano, após meses de solicitações, a BBC obteve acesso ao Cecot, mas não nos foi permitido falar com os detentos ou perguntar aos funcionários sobre casos específicos.
Enquanto isso, Marcela não tem nenhuma prova de vida ou confirmação formal do bem-estar do filho há mais de dois anos. Não é de surpreender que muitas vezes tenha passado pela cabeça dela que Mata pode ter morrido na prisão.
“Eu costumava pensar nisso sem parar”, ela me conta em seu pequeno terreno em La Noria.
“Eu estava obcecada com a ideia, estava completamente desesperada. Tudo que eu fazia era chorar.”
Agora ela diz que está apenas agarrada à esperança de que seu filho ainda esteja vivo — e em algum momento seja libertado.
“Estou depositando minha confiança em Deus. É tudo que posso fazer.”
Fonte: BBC
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