- Author, Frankie Adkins
- Role, BBC Future
Quando pensamos na comunicação entre os peixes, talvez venha à nossa mente o silêncio reinante embaixo d’água, permeado por estranhas bolhas.
Mas, na verdade, “os oceanos são repletos de sons”, segundo o pesquisador Aaron Rice, da Universidade Cornell em Ithaca (Nova York), nos Estados Unidos.
Estalos, grunhidos, gritos e ruídos aquáticos são apenas alguns dos sons usados pelos peixes para alertar os demais debaixo d’água. Alguns, como o peixe-sapo, cantam belas canções uns para os outros. Já o arenque surpreende e se comunica usando o trato digestivo.
Os peixes usam esses sinais por diversas razões: para alertar concorrentes, soar alarmes e até para atrair possíveis parceiros para acasalamento.
As indicações de que os peixes são mais faladores do que pensamos começaram a surgir no século 4º, com os trabalhos de Aristóteles – sem falar nos comentários das comunidades pesqueiras tradicionais, segundo Rice.
Mas a nossa capacidade de ouvir os peixes sempre foi limitada pela qualidade dos aparelhos usados para gravar sons debaixo d’água.
O monitoramento acústico sofreu grandes avanços desde os anos 1930. Agora, os cientistas usam microfones subaquáticos, conhecidos como hidrofones, para ouvir o mundo marinho.
Esta tecnologia foi inventada na Segunda Guerra Mundial para detectar submarinos. Hoje, ela nos ajuda a ouvir os peixes conversando entre si, nas profundezas dos oceanos, rios e lagos.
Estima-se que existam 34 a 35 mil espécies de peixes de nadadeiras raiadas. Elas incluem o bacalhau, atum, truta e salmão. Destes, apenas cerca de 4% tiveram sua produção sonora estudada.
Mas as pesquisas de Rice indicam que nós apenas começamos a nos aventurar no misterioso mundo da comunicação entre os peixes – e que até dois terços deles podem emitir ruídos, segundo ele.
Eles descobriram o animal depois de ouvirem misteriosos sons de estalos vindo dos tanques de peixes do seu próprio laboratório. Com 12 mm de comprimento, o peixe usa um órgão chamado bexiga natatória para produzir sons que atingem 140 decibéis na água ao seu redor.
Os pesquisadores ainda não sabem ao certo o propósito desse som. Aparentemente, apenas os peixes machos podem emiti-lo e seu uso pode estabelecer uma espécie de hierarquia nos tanques.
Os peixes costumam emitir ruídos por motivos territoriais ou reprodutivos – ou seja, para buscar alimento e sexo, segundo Rice. E os ruídos debaixo d’água parecem muito mais claros para os peixes do que para nós.
“O som viaja debaixo d’água cerca de cinco vezes mais rápido que no ar”, explica a ecologista Audrey Looby, da Universidade da Flórida, nos Estados Unidos. Ela estuda a bioacústica dos peixes.
“Se colocássemos nossa cabeça em uma piscina e tentássemos distinguir de onde vem um som, realmente teríamos muita dificuldade”, segundo ela. “Mas os peixes podem obter informações de direção a partir dos sons subaquáticos.”
Looby compilou mais de 1,2 mil ruídos em uma biblioteca online chamada FishSounds. E, entre todos aqueles grunhidos, chilros e guinchos, existem alguns sons que se destacam – sem falar nos comportamentos que eles indicam.
Linguagens do amor
O peixe-sapo pode ser conhecido por ser “viscoso e de aparência rabugenta”. Mas ele é um “cantor belo e surpreendente”, segundo Looby. Ela estuda os peixes-sapos do Golfo do México no arquipélago de Flórida Keys.
Na sua estação reprodutiva, os machos formam seus ninhos nos estuários do litoral, nas pradarias de ervas marinhas e nas rochas da região costeira. Ali, eles chamam as fêmeas, com um coro alto, para atraí-las para o ninho – ou para alertar outros machos para que se afastem, segundo Looby.
Esses chamados começam normalmente com um grunhido, seguido por uma série de estalos.
Outros peixes-sapos, como o peixe-sapo-ostra, produzem um som parecido com o apito de um barco, enquanto o peixe-sapo barbudo macho – uma espécie que, decididamente, não é atraente – produz um forte som de buzina para atrair as fêmeas para o seu refúgio.
O peixe-donzela é uma espécie de água salgada famosa pelas suas cores brilhantes. Eles também são ótimos seresteiros.
E, quando o assunto é flerte, a donzela-de-Ambon, que vive em recifes de corais no oeste do Oceano Pacífico, está um passo à frente dos demais.
Cientistas que estudavam um recife em Taiwan gravaram um som com tom distinto e estridente, como um limpador de para-brisa sobre vidro seco, quando esses peixes tentavam atrair parceiros para acasalamento.
Ao contrário dos estouros, estalos e chilros emitidos por alguns peixes-donzela rangendo os dentes para defender seus ninhos, os chamados de corte da donzela-de-Ambon diferenciam este peixe na competição com os demais para se acasalarem.
Machos de pescada também tentam seduzir possíveis parceiros com uma série de batidas e zumbidos, que ficam cada vez mais exaltados quanto mais eles se excitam.
Sinais para os amigos
Certas espécies de Clupeidae – uma família de peixes que inclui o arenque, o sável e a sardinha – passaram a ser alvo de piadas científicas devido à sua estranha forma de comunicação. Estes peixes usam sons do trato digestivo para fazer contato com seus pares.
“Os cientistas têm senso de humor”, segundo Looby. “As pessoas que descobriram esses sons os chamaram de Tiques Repetitivos Rápidos [‘Frt’, na abreviação em inglês – uma corruptela de ‘fart’, que significa ‘pum’].”
Um estudo sobre o arenque-do-pacífico indicou que a maioria desses sons não é afetada pela alimentação dos peixes, nem se eles tiveram acesso direto ao ar. Esta conclusão elimina os gases da digestão ou ar que foi engolido como possíveis fontes dos sons Frt.
Aparentemente, os animais expelem gases pela região do duto anal – seja através do intestino ou da bexiga natatória – para produzir as distintas manifestações na forma de sons pulsantes.
Esses sons podem durar vários segundos. Eles costumam ser produzidos à noite e podem servir a propósitos sociais. Eles ajudam o peixe a manter a conexão com seus pares, segundo Looby.
Evitando os predadores
Alguns peixes usam o som como ferramenta para criar distância, em vez de atrair outros peixes.
O bagre, por exemplo, emite um som alto de coaxar para assustar os predadores. Para produzir este ruído, ele agita as espinhas das suas barbatanas peitorais em ranhuras no seu ombro, como sinal de alarme ou desconforto.
Outra espécie, o peixe-picasso, produz uma série de “curtos rufares de tambores” que soam por cerca de 85 milissegundos, quando é ameaçado.
Recentemente, cientistas da Universidade Sueca de Ciências Agrícolas encontraram evidências de que as arraias (que fazem parte da mesma família dos tubarões) também produzem ruídos.
Acreditava-se até então que os tubarões e seus parentes só fizessem ruídos passivos associados à alimentação, como mastigar, exceto pelos relatos de que algumas arraias produzem sons murmurantes depois de comer.
Mas os pesquisadores gravaram arraias-de-mangue e arraias-cauda-de-vaca produzindo diversos sons altos, na forma de estalos em alta frequência. Eles acreditam que esta possa ser uma reação de ameaça ao perigo.
Construção e defesa de ninhos
Em alguns casos, os chamados usados pelos peixes podem ser sofisticados.
O boldião é uma espécie nativa da Europa, do Mediterrâneo e do mar Adriático, que vive nos recifes rochosos da região. Ele tem um complexo repertório de quatro chamados diferentes.
Pesquisadores estudaram fêmeas de boldiões e classificaram esses sons em grunhidos, grunhidos profundos, estalos e ruídos aquáticos.
Ao fazer estalos, os boldiões rapidamente fecham a boca, comprimindo as mandíbulas. Esta mudança territorial ocorre ao atacar ou repelir outros peixes. Ela é tão alta que pode ser ouvida acima da superfície da água.
Já os ruídos aquáticos podem ser ouvidos quando o boldião macho coleta alimentos ou material para o ninho, ou quando as fêmeas nadam em volta dos ninhos.
Oceanos barulhentos
À medida que os cientistas fazem novas descobertas sobre os mistérios da comunicação entre os peixes, um novo problema vem abafando a cacofonia marinha natural.
O ruído dos oceanos prejudica as comunicações subaquáticas e os peixes estão tendo mais dificuldade para conversar entre si. Esse ruído inclui o barulho das atividades humanas, como a pesca, a exploração de petróleo e gás e a construção de fazendas eólicas em alto-mar.
Aaron Rice compara a situação com duas pessoas tentando conversar, uma de cada lado da rua.
“Se passar um caminhão, podemos ter dificuldade para ouvir o que o outro diz”, explica ele. “Você pode ouvir ou interpretar errado o que estou dizendo e se afastar levando uma mensagem completamente diferente.”
O aumento do ruído pode causar impactos fisiológicos aos peixes, segundo Rice, particularmente aumentando os níveis de estresse.
Os transtornos causados pelos navios já estão causando problemas de comunicação entre as baleias. E estudos demonstram que os peixes sofrem mudanças sensoriais em ambientes com alto nível de ruído.
Um estudo sobre o peixe donzela-dorso-de-mel concluiu que a exposição dos peixes a música de alta intensidade ou sons executados com nível mais alto de decibéis deixou os peixes mais ansiosos e enfraqueceu sua memória.
Grande parte das comunicações entre os peixes ainda é um mistério. Mas colecionar gravações sonoras é uma etapa importante para que os peixes continuem conversando.
“Parece esotérico, mas realmente é fundamental entender como os peixes sobrevivem e interagem”, afirma Rice. “Ainda existem muitas descobertas a serem feitas.”
Fonte: BBC
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