- Zaria Gorvett
- Da BBC Future
O final da estação estava chegando rapidamente. Era a última tentativa de sucesso em uma expedição de custo muito alto.
Foi em agosto de 1902 que Barnum Brown havia levado uma equipe de paleontólogos para o cenário estranho e irregular das montanhas listradas nos desfiladeiros de Montana, nos Estados Unidos.
Em meio a temperaturas elevadas e ao acúmulo de poeira, eles procuravam fósseis escavando o terreno marrom-dourado com cinzéis e picaretas, formando minipedreiras em locais espalhados, às vezes desenterrando possíveis descobertas somente para abandoná-las em seguida.
Eles precisavam encontrar algo de bom com urgência para enviar ao Museu Americano de História Natural.
No seu escritório em Nova York, o chefe de Brown estava tão ansioso quanto seus funcionários em campo. Henry Fairfield Osborn havia recebido recentemente seu último prêmio, um enorme pedaço de rocha contendo o esqueleto de uma espécie de dinossauro com bico de pato.
Ele havia sido cuidadosamente transportado por 3.379 km desde o local da escavação — uma viagem arriscada e trabalhosa, que incluiu cavalos, viagens de trem e muito trabalho pesado.
Só então Osborn descobriu que, escondido no seu túmulo de pedra, o fóssil estava totalmente quebrado e deformado. O espécime foi guardado no porão do museu, mas poderia muito bem ter sido jogado fora.
Mas agora tudo estava melhorando. Brown havia descoberto uma série de ossos de um grande e promissor dinossauro carnívoro que era completamente novo para os cientistas. Seu osso do quadril tinha 1,5 metro de comprimento, que dirá o restante.
Era o Tyrannosaurus rex — o primeiro já descoberto. Brown nunca havia visto nada como ele.
Em uma carta para Osborn, Brown escreveu: “sem dúvida, este é o achado do ano, em termos de importância científica”.
Mal sabia ele que estava mais para o achado do século — uma descoberta que transformaria nossa compreensão dos dinossauros e consolidaria o interesse do público sobre esse grupo até então obscuro de criaturas antigas.
Mas, desde o começo, um aspecto desses reis dos “lagartos gigantes” era profundamente misterioso: seus braços minúsculos.
O esqueleto de T. rex de Brown não tinha os dedos e os antebraços, que foram desenhados nos primeiros retratos usando conjecturas surpreendentemente precisas e gerando especulações de que eles certamente não poderiam ser tão minúsculos. Mas, por mais bizarro que fosse, eles eram assim.
Qual poderia ter sido o seu propósito? E como eles acabaram ficando tão pequenos?
O T. rex hoje é tão famoso pelos seus bracinhos murchos, quanto pelos seus enormes dentes.
Eles são totalmente desproporcionais, quase como se tivessem sido simplesmente arrancados de outra espécie e fixados neles, relembrando os erros hilariantes de montagens de esqueletos cometidos no século 19 (como ocorreu quando as placas pontiagudas características das costas do estegossauro foram fixadas à cauda do animal).
“Você pode olhar para os braços e dizer que eles são ridículos. São tão diferentes de qualquer coisa viva hoje em dia, qual será o motivo?”, diz o paleontólogo L. J. Krumenacker, da Universidade do Estado de Idaho, nos Estados Unidos.
Com braços que podem medir apenas 90 cm de comprimento, em um indivíduo com 13,7 metros de altura, esses apêndices curiosamente pequenos de um carnívoro formidável geraram intensas especulações desde a sua descoberta. E, apesar de décadas de estudo, até hoje ninguém tem a menor ideia da sua utilidade.
Ossos ausentes
O T. rex original de Brown foi desenterrado em 1902, mas demorou um pouco para os cientistas começarem a se admirar com seus estranhos braços.
O esqueleto inicial incluiu pouco mais que um pequeno conjunto de ossos misturados — entre eles, a pélvis, uma única escápula, um único osso do antebraço e parte do crânio.
Seis anos depois, o caçador de fósseis descobriu outro indivíduo um pouco mais ao sul, em Big Dry Creek, no Estado do Colorado. Este foi um espécime extraordinariamente perfeito e sua figura gigantesca habita o Museu Americano de História Natural até hoje. Mas ele também não tinha os braços.
Na maior parte do século seguinte, os cientistas só podiam fazer conjecturas sobre a possível aparência dos antebraços do T. rex. Muitas delas eram baseadas no seu primo Gorgosaurus, outro tiranossauro que também habitou a América do Norte no Cretáceo Superior, cerca de 66 a 101 milhões de anos atrás.
Até que, em 5 de setembro de 1988, a fazendeira Kathy Wankel encontrou por acaso uma estranha protuberância surgindo do solo, perto do lago Fort Peck, em Montana. Parecia o canto de um envelope, segundo ela contou posteriormente ao jornal The Washington Post.
Wankel não teve tempo de retirar sua descoberta naquele dia, mas ela não se esqueceu. Um mês depois, ela voltou e desenterrou um conjunto de longos ossos, que levou para o Museu das Montanhas Rochosas, a centenas de quilômetros a oeste dali.
O diretor de paleontologia do museu concordou em dar uma rápida olhada. Logo eles perceberam que não eram fósseis de dinossauros comuns, mas sim ossos de braços de T. rex, completos, com a misteriosa metade inferior que faltava há tanto tempo.
O restante do dinossauro acabou sendo escavado, revelando um monstro de 3.175 kg, tão perfeitamente preservado que ainda estava na sua posição original de morte, com o pescoço para baixo, como um pássaro morto. Era o “Rex de Wankel” e seus membros anteriores eram ainda menores do que se imaginava.
Um pequeno e complicado quebra-cabeça
No século passado, os cientistas descobriram detalhes fascinantes sobre muitos aspectos da vida do T. rex, desde o seu andar lento e vacilante enquanto caminhava pelas florestas pantanosas do oeste da América do Norte, até a sua infeliz suscetibilidade a uma doença habitualmente associada aos reis humanos: a gota.
A paleontóloga Elizabeth Boatman e sua equipe chegaram até a observar o colágeno original preservado em alguns fósseis excepcionais.
Mas, até hoje, o propósito dos membros atarracados dos dinossauros permanece indefinido, não pela vontade dos cientistas.
Uma ideia inicial veio de Osborn, que definiu o nome do T. rex. “Ele viu esses braços muito pequenos, curiosamente minúsculos, e fez uma comparação com pequenas barbatanas presentes nos tubarões modernos”, segundo Scott Persons, curador-chefe do Museu de História Natural Mace Brown, na Carolina do Sul (EUA).
Os tubarões machos usam essas duas barbatanas na base da cauda (o clásper) para agarrar-se à fêmea durante o acasalamento, o que pode ser um tanto escorregadio debaixo d’água. Elas também são usadas para realizar o ato propriamente dito.
“Por isso, ele imaginou um casal de tiranossauros entrelaçados na corte primordial, com o macho por cima, usando os braços para agarrar-se à fêmea”, afirma Persons.
Persons explica que era perfeitamente possível que Osborn estivesse certo. Se o T. rex macho (célebre por ser difícil de identificar o sexo) tivesse desenvolvido braços com aparência diferente das fêmeas, faria sentido que eles os usassem para fazer sexo.
“Mas não foi assim que aconteceu”, segundo ele. À medida que outros indivíduos foram sendo descobertos (já são pelo menos 40), os cientistas confirmaram que todos eles têm os mesmos braços pequenos característicos e sempre têm mais ou menos a mesma aparência.
Outra possibilidade, que parece engraçada, é que o T. rex possa ter usado esses braços pequenos para se levantar do chão. Com corpos de até 7.031 kg (peso equivalente ao de um grande elefante africano), eles podem ter encontrado dificuldade para sair de uma posição de repouso ou ficar novamente de pé em caso de queda.
Na verdade, muitos animais vivos têm essa dificuldade até hoje, como as tartarugas, que muitas vezes se balançam para voltar à posição normal quando viram de costas.
“Por isso, quando eles estavam de cócoras e se levantavam, poderiam usar os braços para fazer uma minúscula flexão tiranossáurica”, diz Parsons.
Mas existe uma pequena falha nesta teoria: os braços do carnívoro, na verdade, não teriam sido de grande ajuda. “Você precisa entender que isso realmente ajudaria o tiranossauro apenas com os primeiros 70 cm. Depois, ele teria mais 13 metros para levantar do solo”, afirma.
Outra ideia controversa, apresentada por um único cientista em 2017, é que adultos como o Rex de Wankel podem ter usado seus braços atarracados como armas, talvez segurando a vítima nas mandíbulas ou prendendo-a com o peso do corpo, antes de rasgá-la e cortá-la.
O fundamento da ideia é que, embora sejam minúsculos, os braços do T. rex são surpreendentemente musculosos. Ele calculou que, mesmo com seus membros de 90 cm, essas ações de evisceração poderiam ter causado sérias lesões, gerando cortes com vários centímetros de profundidade e pelo menos um metro de comprimento em questão de segundos.
“Agora, eu pessoalmente acho que os braços são ridiculamente pequenos para que isso faça sentido”, afirma Persons.
Mas existe também a possibilidade de que eles não tivessem função alguma. Os braços minúsculos do T. rex seriam os últimos vestígios de apêndices que antes eram úteis e haviam deixado de ser necessários há muito tempo.
Mas, se fossem apenas vestígios de outra época, como o cóccix humano, o mais aterrorizante predador do mundo poderia ter tido um futuro ainda mais assustador, evoluindo até perder totalmente seus braços, assumindo a aparência de um terrível tubarão terrestre.
“Se… o reinado dos tiranossauros não tivesse sido interrompido pelo impacto do asteroide, se nós meio que avançássemos a fita no tempo, teoricamente até cinco ou até 20 milhões de anos à frente, será que os braços dos tiranossauros teriam continuado a encolher? Acho que sim”, afirma Persons.
“Eles teriam sido totalmente perdidos algum dia? Certamente acho que é uma possibilidade.”
Persons explica que, mesmo se o T. rex não tivesse uma função importante para os seus braços, atender a qualquer propósito, por pequeno que fosse, poderia ter sido suficiente para preservá-los, embora eles pudessem acabar ficando ainda menores. Isso pode incluir fêmeas que usavam seus braços para cavar um ninho, como fazem as tartarugas marinhas.
Persons indica que eles poderiam também servir simplesmente para asseio, com grupos de monstros de 13,7 metros de altura sentados e arranhando suavemente as penas uns dos outros (sim, muitos paleontólogos acreditam que eles fossem cobertos de penas).
Animais sociais?
Os cientistas já encontraram grupos inteiros de tiranossauros fossilizados em três locais separados na América do Norte. Alguns interpretaram essas descobertas como prova de que eles eram mais sociais do que se pensava. Uma equipe chegou a propor um coletivo, em inglês, para essas congregações: um “terror” de tiranossauros.
Por isso, alguns especialistas especularam que os tiranossauros sociais podem ter encontrado utilidade para seus braços minúsculos durante a agitação na hora de comer.
Se os dinossauros carnívoros comiam em grupos como hienas necrófagas, reunidos em volta de carcaças de Triceratops e outros de seus imensos contemporâneos, pode ter sido difícil manter os braços maiores fora do caminho de um par de mandíbulas descontroladas.
“Essa ideia meio excêntrica dizia que seus braços eram suficientemente pequenos para que não ficassem no caminho de todos aqueles animais brigando pela comida com suas bocas gigantes, de forma que, basicamente, não tivessem seus próprios braços mordidos”, afirma Krumenacker.
Mas ele indica que, evidentemente, é difícil testar essas ideias, em parte porque não existem animais similares vivos hoje em dia que facilitem a comparação.
“Com cabeça grande e braços minúsculos, o mais próximo a que podemos chegar talvez sejam algumas aves predadoras que vivem no chão”, afirma ele.
Uma alternativa é usar a física básica.
Curiosamente, uma das ideias mais recentes é que os braços do rei dos dinossauros podem ter encolhido até sua forma atrofiada para atender a um propósito importante — havia uma razão para que eles precisassem ser tão insignificantes.
É possível que seu pequeno tamanho os ajudasse a ter a maior cabeça e a mordida mais poderosa possível. A silhueta descomunal do T. rex médio não era por acidente. Para entender por quê, é preciso examinar sua estrutura corporal.
No início de 2022, pesquisadores anunciaram que outro dinossauro — o Meraxes gigas, um gigante de 4 toneladas que habitava a Patagônia, na Argentina, no cretáceo superior — tinha uma estrutura corporal excepcionalmente similar.
Os dois dinossauros eram apenas parentes relativamente distantes, mas ambos tinham corpos enormes com cabeças superdimensionadas e braços minúsculos. A ideia é que, à medida que as cabeças e os corpos dos predadores ficavam maiores, seus braços ficavam proporcionalmente menores, talvez para ajudar no seu equilíbrio.
Para entender por que essas proporções eram necessárias, é preciso examinar seus dentes.
Os grossos dentes cônicos do T. rex não eram como as agulhas perfurantes ou as espadas afiadas das mandíbulas de alguns animais. Na verdade, eles se pareciam mais com bananas serrilhadas: afiados nas bordas, mas não nas pontas.
“Você não consegue se cortar na ponta do dente de um tiranossauro”, afirma Persons, mas ele ressalta que é possível se cortar nas bordas. Isso porque os dentes não eram meros fatiadores de carne, mas sim projetados para esmagar ossos, poderosos e capazes de penetrar na sua enorme presa e arrancar pedaços que podiam ser engolidos inteiros.
Mas esta estratégia exigia muita força bruta. Os dentes pesados precisavam de mandíbulas vigorosas para suportar o impacto da mordida que, por sua vez, precisava de uma enorme carga de músculos para ser eficiente. Em resumo, a cabeça e o pescoço precisavam ser enormes.
“E isso pode ser um problema”, afirma Persons. “Pois todos os dinossauros carnívoros, desde o alossauro até o velociraptor, têm uma estrutura meio parecida com um pêndulo — eles ficam de pé sobre duas pernas”.
Com a cabeça superdimensionada do T. rex, braços maiores inclinariam a parte dianteira do animal para frente ou exigiriam uma cauda maior para atingir o equilíbrio.
Será que um dia saberemos?
Infelizmente, é possível que nunca venhamos a conhecer a verdadeira função dos braços do T. rex.
Às vezes, o contexto necessário para entender uma característica foi perdido no registro fóssil. É como se descobríssemos as flores de maracujá do continente americano com seus longos tubos, sem encontrar os beija-flores que nelas inserem seus longos bicos.
Depois de mais de 66 milhões de anos — em que vulcões surgiram e foram extintos, ilhas se formaram e foram perdidas e dezenas de milhares de espécies surgiram e desapareceram — pode ser muito difícil desvendar os detalhes necessários para compreender certos comportamentos.
Todo esse interesse pelos estranhos braços de um animal extinto há 66 milhões de anos pode parecer bizarro. Mas, além da curiosidade sobre algo intrinsecamente tão interessante, Persons acredita que sabe qual é o motivo do entusiasmo.
“Nós, seres humanos, provavelmente ficamos muito preocupados com a importância dos nossos braços e mãos porque eles são fundamentais para nossa sobrevivência”, diz ele.
Como os braços e as mãos são nossa principal forma de interação com o ambiente, é difícil imaginar alguém desistir deles de propósito. “E aqui temos esse animal incrivelmente bem sucedido e com aparência muito assustadora, que parece ter muito pouco a fazer com eles”, conclui Persons.
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