• Stephanie Mendez
  • BBC Travel

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As ‘yácatas’ (pirâmides) de Tzintzuntzan são circulares e únicas, feitas de pedra vulcânica – talvez as relíquias mais preservadas do povo purépecha

“Este é o legado do nosso povo”, dizia meu tio enquanto admirávamos as pirâmides.

Não estávamos no Egito, mas sim na cidade de Tzintzuntzan, Estado de Michoacán, no sudoeste do México.

As pirâmides, ou yácatas, elevando-se à nossa frente eram redondas e únicas, feitas de pedra vulcânica — talvez as relíquias mais preservadas dos purépechas, um grupo indígena pré-colombiano que, um dia, reinou por aqui, mas que a maioria das pessoas desconhece. De fato, eu nunca havia ouvido falar deles até poucos meses atrás, quando descobri que sou descendente direta daquele povo.

Nascida e criada na Califórnia, nos Estados Unidos, eu cresci sem conhecer essa parte da minha herança, que se perdeu na minha família com a morte do meu avô em 1978. Minha avó ficou com cinco filhos e sem rendimentos. Mas, depois de muito economizar, ela levou meu pai e seus irmãos do México para os EUA em 1983.

A pressão para integrar-se ao novo país fez com que meu pai se desligasse da nossa cultura purépecha. Apenas recentemente, quando comecei a ficar curiosa pela minha identidade, comecei a perguntar a ele sobre o nosso passado.

Até que, em 2021, quando eu tinha 31 anos de idade, ele me trouxe para Michoacán pela primeira vez. Foi quando conheci meu tio Israel, que contou que não apenas somos purépechas, mas que minha bisavó, Juana, ainda estava viva e morava na pequena vila de Urén, perto dali.

Quando as pessoas pensam no México antes da chegada dos espanhóis, elas automaticamente pensam nos astecas. Mas o que elas não sabem é que os purépechas viveram na mesma época — e o seu reino era tão poderoso que eles foram um dos poucos grupos indígenas mexicanos que os astecas não conseguiram conquistar.

Na verdade, é isso que os mexicanos geralmente sabem sobre os purépechas, segundo Fernando Pérez Montesinos, professor de história ambiental indígena da Universidade da Califórnia em Los Angeles.

“É uma [forma] muito comum de referir-se aos purépechas e sua história, porque sabemos que os purépechas eram tão poderosos quanto os astecas”, afirma ele, explicando que os astecas tentaram lutar contra os purépechas, mas não conseguiram derrotá-los.

Firme e forte em seu 1 metro e 40 centímetros de altura, minha bisavó purépecha é uma anciã na sua comunidade e mora em uma casa humilde e desgastada de paredes de cimento.

Ela fala o idioma nativo, um patrimônio ameaçado de extinção em um país onde a língua oficial é o espanhol. O México tem uma população estimada de 128,9 milhões de habitantes, dos quais 124,8 milhões — 97% — falam espanhol como língua nativa e apenas 175 mil falam purépecha, todos no Estado de Michoacán.

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Firme e forte com 1 metro e 40 centímetros de altura, minha bisavó purépecha é uma anciã na sua comunidade e sabe falar seu idioma nativo, ameaçado de extinção

Conversando na cozinha da bisavó Juana, observei tudo o que podia: como ela cozinha sem eletricidade nem fogão; suas fileiras de pratos de barro; e o fosso de pedra profundo no meio do cômodo onde ela prepara uma enorme panela de nixtamal — sementes de milho processadas de forma específica para fazer tortillas.

Animada com o novo conhecimento sobre os meus ancestrais, perguntei a ela onde poderia aprender mais sobre minha herança purépecha. Ela mexeu a comida e lançou um olhar de autoridade para o meu tio, dizendo a ele em espanhol: “leve-a para Pátzcuaro”.

No dia seguinte, estávamos na bacia do lago Pátzcuaro — eu, meu tio, tias e primos, observando maravilhados os monumentos que nossos ancestrais construíram em honra a divindades como o seu deus-sol, Curicaueri.

Entre o século 14 e o início do século 16, os purépechas dominaram o oeste do México, com uma população estimada de mais de um milhão de pessoas. Tzintzuntzan era a capital, onde vivia o irecha, o governante. Ao mesmo tempo, os astecas dominavam a região central do México, enquanto o império purépecha evitava que eles conquistassem os territórios ao norte e a oeste.

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Os purépechas foram um dos únicos grupos indígenas do México que os astecas não conseguiram conquistar

Segundo o geógrafo Jahzeel Aguilera Lara, pesquisador da Universidade Nacional Autônoma do México, “as yácatas de Tzintzuntzan — o ‘lugar dos beija-flores’ (em idioma purépecha) — são as estruturas piramidais mais bem preservadas da região”.

“Além de aprenderem sobre a arquitetura pública dos purépechas, (os visitantes) também aprendem sobre a forma em que os purépechas entendiam o mundo e a importância que o lago Pátzcuaro tinha para eles”, diz Aguilera Lara.

O império escolheu essa região por um motivo: a bacia abriga um lago colossal com diversas ilhas habitáveis, cheio de peixes e com um cenário exuberante à sua volta, com as montanhas cobertas de pinheiros. A região é tão espetacular que os purépechas acreditavam que o lago fosse um portal para o paraíso.

“Esta é uma região muito importante para o surgimento dos purépechas na era pré-colonial da nossa história”, afirma Sandra Gutiérrez de Jesus, nativa purépecha e professora de estudos latino-americanos da Universidade do Estado da Califórnia em Los Angeles. “Era um cenário de encontros e intercâmbios gastronômicos, culturais e linguísticos.”

Quando os espanhóis chegaram à bacia do lago Pátzcuaro, entre 1521 e 1522, eles capturaram o governante purépecha e forçaram o império a abdicar do seu poder.

Ainda assim, Pérez Montesinos explica que os historiadores consideram que essa transição foi mais pacífica que o cerco dos espanhóis aos astecas. Os purépechas conseguiram mais autonomia que os astecas, e suas elites continuaram a ter influência e autoridade sobre a região.

“Nada podia ser feito sem a permissão ou autorização das elites purépechas”, explica Pérez Montesinos.

“A forma tradicional de ver as coisas é que os espanhóis chegaram e faziam o que queriam, mas o que sabemos agora é que os espanhóis sempre precisavam perguntar e negociar com as elites purépechas para permanecer no comando.”

Um exemplo, segundo ele, é a Igreja Basílica de Nossa Senhora da Saúde, construída em Pátzcuaro perto de 1540.

“O conhecimento convencional é que [o bispo] Vasco de Quiroga construiu a catedral, mas ela foi obra das mãos dos purépechas”, afirma Pérez Montesinos. Ele explicou que os espanhóis não precisaram usar trabalho forçado para construir a catedral, pois a comunidade purépecha concordou em ceder sua mão de obra.

“Existe essa narrativa fortemente dominante de tentar diminuir as conquistas quotidianas do povo purépecha — destacando que foram os frades espanhóis que os ensinaram a fazer esses trabalhos artesanais, mas, frente aos desafios assustadores, os purépechas incorporaram novas coisas às suas vidas para fazer algo original”, ele conta.

Enquanto viajávamos pelo Estado, comecei a ver toques da arquitetura purépecha. Como Michoacán é rico em carvalhos e pinheiros, o império purépecha ficou conhecido pela sua habilidade em construções de madeira — as mais notáveis foram as casas de madeira tradicionais chamadas trojes.

Com a colonização, o povo purépecha incorporou seus trabalhos manuais à infraestrutura colonial espanhola, que permanece até hoje em toda a região de Michoacán.

Como os purépechas conseguiram manter grande parte da sua autonomia, os seus três centros administrativos de poder — Tzintzuntzan, Pátzcuaro e Ihuatzio — permaneceram sendo centros econômicos durante a era colonial.

“Eu vivi em Pátzcuaro por toda a minha infância e é o lugar mais bonito para visitar em busca da história dos purépechas. Não existe outro lugar igual”, disse meu tio.

Quando chegamos à Plaza Grande da cidade, havia uma celebração da cultura purépecha, como ocorre todos os fins de semana em Pátzcuaro. Meninos adolescentes apresentavam uma dança tradicional, a Danza de los Viejitos (“Dança dos Velhinhos”).

Eles estavam vestidos de branco e usavam gorros coloridos feitos à mão ou chapéus de palha cobertos com fitas vibrantes com as cores do arco-íris. Eles ficavam parados com suas bengalas e estranhas máscaras de homens mais velhos até começarem a sapatear.

Essa dança pré-colonial era realizada originalmente pelos mais velhos, como parte de um ritual para os antigos deuses. Mas, depois da colonização, os purépechas usaram a dança para zombar dos espanhóis. Por isso, os dançarinos usam máscaras engraçadas durante sua imitação exagerada dos homens idosos.

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A comunidade purépecha concordou em cooperar com os espanhóis para construir a Basílica de Nossa Senhora da Saúde em Pátzcuaro

Embora o império tenha adquirido enorme poder e deixado para trás todo esse incrível legado, os purépechas foram quase esquecidos da história mexicana, ofuscados pelos astecas.

“Isso tem mais a ver com a forma como surgiu o nacionalismo mexicano nos séculos 19 e 20. Tudo é centralizado na Cidade do México e a narrativa da identidade mexicana foi construída principalmente sobre o legado dos astecas”, segundo Pérez Montesinos.

“E, como há mais narrativas de batalhas, guerras e resistência contra os espanhóis, existe muito mais material [entre os astecas] para uma história épica, enquanto você não tem o mesmo tipo de drama com os purépechas.”

Voltei de Michoacán como outra pessoa, orgulhosa desse novo conhecimento sobre meus ancestrais, sua cultura e suas tradições. Fiquei tão entusiasmada que voltei para o México seis meses depois com meu pai e sentei-me com minha bisavó para continuar de onde paramos.

“Você pode me ensinar purépecha?”, perguntei. A bisavó Juana apontou e respondeu: “ele pode ensinar você”. Virei para trás e percebi que ela estava apontando para o meu pai.

“O quê? Você sabe falar purépecha?”, perguntei, sem acreditar. Ele riu e respondeu: “isso faz muito tempo, eu sabia, mas não sei mais”.

Juana contestou: “você pode ensinar a ela. Ninguém nunca esquece, esta é a nossa cultura.”

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