- Nina Nazarova e Kateryna Khinkulova
- BBC
Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, a eclosão da guerra provocou a separação de uma família com seis de seus filhos adotivos. E, ao ouvirem falar de alguns casos de adoções forçadas na Rússia, os pais temeram que nunca mais os veriam.
Logo após o início da ofensiva russa, no fim de fevereiro, Olga Lopatkina foi tomada por uma sensação de pânico — ela imediatamente pensou nos seus seis filhos adotivos que estavam em viagem ao litoral, em Mariupol, a 100 km de casa.
Eles estavam em uma colônia de férias perto do mar. A guerra estourou, e o caminho até a cidade litorânea se tornou extremamente perigoso, devido a intensos bombardeios.
Olga estava diante de uma escolha horrível: pedir a seu marido Denis que arriscasse tudo para tentar resgatá-los de lá ou deixar as crianças em Mariupol. Naquele momento da guerra, a cidade ainda parecia relativamente segura.
“Começamos a entrar em pânico e não sabíamos o que fazer”, diz ela.
A destruição completa de Mariupol acabou virando um símbolo da crueldade dos bombardeios da Rússia.
A realidade brutal da guerra ficou evidente para Olga depois de apenas dois dias, quando ela encontrou refugiados do leste. Ela ficou chocada ao ver a rapidez com que a vida normal havia se deteriorado.
Como muitas pessoas na Ucrânia, Olga supôs que a guerra terminaria dentro de poucos dias ou semanas e esperava que as crianças fossem evacuadas para uma área segura pelas autoridades ucranianas.
Mas logo ficou claro que o conflito estava se intensificando e que as crianças estavam correndo perigo extremo. Mesmo se sobrevivessem ao bombardeio, Olga se preocupava com o futuro dos filhos sob controle russo.
Começaram então a surgir relatos de civis, adultos e crianças sendo transferidos para a Rússia. Moscou dizia que essas transferências eram “evacuações”. Mas a Ucrânia as classificou como deportações forçadas, uma prática semelhante à da era Stalin, nos anos 1940.
O casal começou a adotar filhos em 2016. Em fevereiro deste ano, quando a guerra começou, eles tinham sete filhos adotivos de seis a 17 anos, além de dois filhos biológicos.
“Somos pessoas loucas, mas gostamos disso. As crianças nos dão emoções que de outra forma não teríamos — a vida era vazia antes delas”, diz ela.
Olga trabalhava como professora de música infantil e Denis, mineiro. A vida deles era feliz e completa. Mas no início de março, a família estava separada e com medo.
A eletricidade no refúgio das crianças em Mariupol foi cortada por causa dos bombardeios, e os filhos de Olga não conseguiam mais carregar seus telefones, ficando incomunicáveis com a mãe.
Em casa, na cidade oriental de Vuhledar, os pais da família Lopatkin também se abrigaram em seu porão, com o acirramento da guerra. “Fomos bombardeados por toda parte, é assustador”, diz Olga.
Eles decidiram ir de carro até Zaporizhzhia, para onde algumas pessoas de Mariupol estavam sendo evacuadas, esperando que as autoridades ucranianas levassem as crianças para lá também.
Mas a cidade não era segura. Sem nenhum sinal das crianças, a família decidiu se mudar para Lviv, mais a oeste.
Lá, surgiu um novo problema: Denis poderia ser convocado para o Exército. Contra sua vontade, eles decidiram fugir da Ucrânia.
Menos de duas semanas após o início da guerra, Olga, Denis e seus três filhos restantes eram refugiados — mas Olga diz que nunca perdeu a esperança de recuperar seus filhos.
A família estava na Alemanha, decidindo para onde se mudar, quando receberam notícias das crianças.
Elas haviam sido levadas para uma parte da região de Donetsk controlada por separatistas pró-Rússia, onde foram colocadas em um hospital de tuberculose. Isso porque antes elas haviam se abrigado em um sanatório para pacientes com problemas respiratórios.
Os serviços sociais disseram às crianças que elas haviam sido abandonadas.
O filho mais velho, Timofey, de 17 anos, conseguiu carregar seu telefone e mandar uma mensagem para Olga. Ele disse que recebeu a oferta de ir embora sozinho, mas se recusou para ficar e cuidar de seus irmãos e que estava com raiva por ela ter deixado a Ucrânia.
“Eu entendia que eles não poderiam vir nos buscar em Mariupol, mas o fato de terem ido para o exterior realmente me deixou furioso”, conta ele.
Sentindo-se sem ação, Olga continuou a postar nas redes sociais pedindo ajuda e informações sobre seus filhos, mas recebeu insultos na maior parte das vezes. Muitos a acusaram de não se esforçar o suficiente para resgatar as crianças e a criticaram por deixar a Ucrânia. Acusações de que ela abandonou seus filhos a magoaram profundamente.
Ela falou com a imprensa internacional para dar sua versão.
“Tentei de todas as formas divulgar nossa situação, esperando que alguém ouvisse algo e pudesse ajudar”, diz ela.
Enquanto isso, o casal estava decidindo onde se estabelecer na Europa. Eles escolheram a pequena cidade de Loue, no noroeste da França, onde estabeleceram novas vidas, com empregos e uma casa subsidiada pela Cruz Vermelha grande o suficiente para todas as crianças.
O prefeito convidou dez famílias de refugiados ucranianos para se mudarem para a cidade, com vantagens para famílias com filhos adotados.
No início de abril, Olga e Timofey estabeleceram uma rotina de falar ao telefone com seus filhos quase todas as noites, o que ajudou a restaurar o relacionamento.
Era preciso esperar e torcer para que os serviços sociais de Donetsk concordassem em liberar as crianças, o que eventualmente aconteceu.
Mas não foi tão simples. Eles disseram que só os entregariam os filhos à responsável legal: Olga. E ela teria que voltar para o lugar de onde tinha acabado de fugir.
“Eu era uma refugiada fugindo da Federação Russa e agora teria que ir para a Federação Russa?”
Por um tempo, parecia haver um impasse. Os serviços sociais de Donetsk estavam exigindo que Olga enviasse as certidões de nascimento das crianças para provar sua identidade, mas ela temia que isso os levasse a serem colocados para adoção.
Esse medo tinha fundamento. A TV russa frequentemente veicula reportagens otimistas sobre a “evacuação” de civis das regiões “libertadas” da Ucrânia.
O governo da Ucrânia diz que se trata de deportação forçada que, no caso de crianças órfãs, equivale a sequestro.
Em maio, o presidente russo Vladimir Putin emitiu um decreto “simplificando” a emissão de documentos russos para crianças da Ucrânia. O Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia disse que a medida viola a convenção de direitos humanos de Genebra.
No início deste mês, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky disse que até dois milhões de ucranianos foram deportados à força para a Rússia, incluindo centenas de milhares de crianças.
Mas logo houve um fio de esperança no caso de Olga. Em junho, ela recebeu um telefonema. Havia alguém em Donetsk que poderia trazer seus filhos para a Europa Ocidental.
Tatyana, uma voluntária experiente em Donetsk que trabalhou com crianças órfãs e mães vulneráveis por muitos anos, tinha uma relação profissional com as autoridades e estava disposta a ajudar.
Olga e Denis entregaram os documentos das crianças a Tatyana junto com um formulário de liberação, tornando-a sua guardiã legal temporária. Eles tiveram que confiar cegamente na voluntária, mas Olga diz ter sentido que era a coisa certa a fazer.
Ainda assim, o processo não era simples. Eles só ficaram sabendo no último momento que a papelada tinha sido aprovada. Tatyana viajou com as crianças para a Rússia, depois para a Letônia e a Alemanha. Cada passagem de fronteira era estressante.
“Todas têm sobrenomes diferentes e o original do formulário de liberação estava em francês. Eu tive que explicar nossa situação várias vezes a inúmeros guardas de fronteira”, diz Tatyana.
Ela levou as crianças até Berlim, onde as entregou a Denis, que as levou para sua nova casa em Loue.
A reunião da família após quatro meses de incerteza e ansiedade foi incrivelmente emocionante.
Lágrimas se misturaram com risos quando primeiro Denis e depois Olga esmagaram seus filhos em abraços, ainda sem acreditar que os estavam vendo de verdade.
Olga não parava de abraçar as crianças, dizendo: “Deixe-me ver vocês, deixe-me apenas olhar para vocês! Vocês cresceram tanto, faz tanto tempo que não as vejo!”
Timofey evitou demonstrar afeto: “Estou muito feliz por tudo ter dado certo, mas também sou mais velho, então não demonstro o quão feliz estou. Estou feliz por estarmos todos juntos novamente e mantive minha palavra e trouxe os filhos para os pais.”
Olga é eternamente grata à mulher que nunca conheceu e descreve como “nossa heroína”.
Agora a família está planejando merecidas férias. Olga quer viajar para Portugal.
“Eu nunca vi o mar”, diz ela. “Claro, vamos todos juntos. Não vou deixá-los fora da minha vista novamente.”
Colaboraram Anastasia Lotareva e Alexey Gusev. Fotos de Vladimir Pirozhkov.
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