“Da manga rosa quero o gosto e o sumo”, assim canta o poeta Alceu Valença (em Morena Tropicana). É que manga tem mesmo um gosto muito especial. Boa para comer em qualquer lugar. Sobretudo à beira do mar. Amassando e apertando a fruta, para soltar o caldo. Depois chupando e deixando esse caldo lambuzar boca, mão e rosto. “Teu sumo escorre da minha boca”, canta ainda Alceu (em A Manga Rosa).
No fim, ainda, roer e roer, deixando o caroço bem branquinho e os dentes cheios de fiapos. Caroços e cascas ainda servem como adubo orgânico ou ração animal. Recentemente, a Universidade Federal de Pernambuco descobriu que a gordura da amêndoa (que fica dentro do caroço) pode virar biodiesel; servindo também para o controle da larva do mosquito transmissor da dengue. Literalmente uma fruta de mil e uma utilidades.
Só para lembrar, Mangueira (Mangifera indica Linn) é árvore frondosa e longeva. O botânico francês Charles Marie de La Condamine (1701-1774) estudou, em Darbhanga (Índia), mangueiras plantadas pelo imperador Akbar Mogul, há mais de três séculos, ainda apresentando surpreendente beleza e viço. Cresce até 30 metros de altura e não é exigente quanto ao solo, mas prefere regiões de clima quente e chuvoso. E só não gosta do vento da beira-mar.
Período ideal para plantio é a estação das chuvas. Mudas são feitas por sementes, enxertos ou alporques (processo de reprodução que consiste em enterrar um ramo no chão, sem destacar do galho, para que crie raízes). E, tempo das mangas vai de setembro a janeiro.
Assim como os homens, nesse vasto e insensato mundo, também suas folhas mudam com o tempo. Primeiro são avermelhadas, ainda jovens; depois vão escurecendo, até chegar ao verde-escuro na maturidade. Suas flores são pequenas – alvas, róseas ou esverdeadas. A fruta é carnuda, suculenta, fibrosa, perfumada, muito saborosa e protegida por grossa casca – razão pela qual é, das frutas, a que menos tem bichos no seu interior. E sua polpa é amarelo vivo. “Amarelo-manga”, assim se diz, como no belo filme do pernambucano Cláudio Assis.
No início, apenas umas poucas variedades eram conhecidas: espada, rosa, manguito, Itamaracá (a mais gostosa) e Carlota. Só não se sabe exatamente quem foi essa Carlota, em cuja homenagem se batizou a fruta. Segundo versão popular, seria a ninfomaníaca esposa do glutão D. João VI (1767-1826), Carlota Joaquina Teresa Caetana de Boubón y Bourbón (1775-1830). Mas não há prova documental disso.
E a hipótese é mesmo improvável; dado ter superfície bem lisa, tão diferente das marcas de bexiga no rosto áspero daquela “megera de Queluz” – em meio, segundo versões, de generosas barbas. Mais razoável é que a homenagem se destine a alguma outra senhora; só que no caso, mais propriamente, bonita, meiga, doce e delicada, tudo o que não era aquela portuguesa de tão má fama.
Hoje, são cultivadas mais de 500 variedades: com destaque para Alphonso, Atkins, Bourbon, Haden, Golden Nuggets, Keitt, Kent, Rubi, Sensation, Tommy. Além de Coração de boi, Jamim, Primavera e Amélia – sendo irresistível a tentação de dizer que essa Amélia é que seria a manga de verdade. Mas nem sempre a vida imita a arte. Índia continua sendo o maior produtor mundial, seguida por México.
No Brasil temos São Paulo, Minas Gerais e estados do Nordeste – Bahia, Pernambuco, Piauí, Ceará, crescendo, sobretudo hoje, a cultura no Vale do São Francisco. Curioso é que mangas todas, razoavelmente semelhantes na forma, são bem diferentes entre si – na coloração, no sabor e no tamanho.
Enxertos e cruzamentos acabaram deixando-as menos fibrosas, maiores e mais bonitas, consequência inevitável de uma globalização que invade nossos quintais. Só não se conseguiu, nessa alucinação mercadológica, foi tornar ditas mangas mais saborosas que as originais. Missão impossível. Por já serem perfeitas. (continua)
MOUSSE DE MANGA
INGREDIENTES
6 mangas
8 folhas de gelatina incolor
6 claras batidas em neve
6 colheres (de sopa) de açúcar
1 caixa de creme de leite
PREPARO
. Corte quatro mangas e passe no liquidificador com o creme de leite. Reserve
· Dissolva a gelatina em bem pouca água. Reserve
· Bata bem firme as claras em neve. Junte açúcar, gelatina dissolvida e creme de manga
· Coloque em fôrma de canudo molhada. Leve à geladeira por no mínimo 12 horas
· Na hora de servir, desenforme e cubra com um doce feito do restante das mangas junto com água e açúcar
*É pesquisadora de Gastronomia e escreve quinzenalmente neste espaço
Fonte: Folha PE
Autor: Letícia Cavalcante
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