- Author, Peter Stenvinkel
- Role, The Conversation*
Quando chega o inverno frio e escuro, alguns de nós invejamos os animais que podem hibernar.
Esse descanso longo e profundo é um exemplo de como a natureza desenvolve soluções inteligentes para problemas difíceis. Neste caso, como sobreviver a um período longo, frio e escuro, sem muita comida ou água.
Mas a hibernação tem laços mais estreitos com a história humana do que se poderia esperar.
Um artigo do British Medical Journal de 1900 descreve uma estranha hibernação humana semelhante ao torpor chamada “lotska“, que era comum entre os agricultores em Pskov, na Rússia. Nessa área, a comida era tão escassa durante o inverno que o problema era resolvido dormindo durante a parte escura do ano.
Uma vez por dia as pessoas se levantavam para comer um pedaço de pão e beber um copo de água. Após a refeição simples, voltavam a dormir e os familiares se revezavam para manter o fogo aceso.
Há também descrições nas histórias entre os inuítes da Groenlândia (população indígena também presente no Alasca e no Canadá) de um sono prolongado, semelhante a uma hibernação, durante os longos e escuros meses de inverno.
Em algumas partes da Groenlândia é escuro de novembro até o final de janeiro.
Um estudo de 2020 sugere que os hominini, ancestrais do ser humano, podem ter hibernado quando povoaram a terra há 400 mil anos.
Ossos descobertos em uma caverna na Espanha mostram uma interrupção sazonal no crescimento, sugerindo que um dos antecessores do homem poderia ter usado a mesma estratégia dos ursos das cavernas para sobreviver aos longos invernos.
Animais e hibernação
A hibernação é mais profunda e complexa do que o sono normal e inclui mudanças dramáticas no metabolismo.
Esse longo período de descanso combina diversas condições relacionadas à longevidade, redução na ingestão de calorias, baixa temperatura corporal e metabolismo lento.
Animais que hibernam tendem a viver mais em comparação com outras espécies do mesmo tamanho.
Outros estudos recentes que utilizam relógios epigenéticos, que mapeiam a atividade dos genes ao longo do tempo, sugerem que a hibernação retarda o envelhecimento em marmotas e morcegos.
A hibernação pode, portanto, conter pistas importantes sobre como retardar os processos de envelhecimento.
Existem diferentes formas de envelhecimento: idade cronológica e biológica.
Na realidade, a idade cronológica refere-se apenas a quantas revoluções a Terra fez em torno do Sol desde que nascemos.
Não é o tempo em si que nos envelhece, mas sim o “desgaste”.
A idade biológica mede o desgaste. É uma medida de saúde mais completa e pessoal do que a idade cronológica e um melhor preditor de longevidade.
Um estudo de 2023 estabeleceu que a idade biológica varia e que um aumento temporário, por exemplo durante uma cirurgia ou um período de estresse, é revertido quando a pessoa se recupera.
As doenças do “desgaste”
As doenças relacionadas com o estilo de vida e que se acumulam com a idade, como as doenças cardiovasculares, a obesidade, a demência e a doença renal crônica, são causadas pelo “desgaste”.
Isso resulta em inflamação, alteração na composição da microbiota intestinal e aumento do estresse oxidativo.
O estresse oxidativo ocorre quando há muitos radicais livres (átomos instáveis que danificam as células) em seu corpo.
Uma nova ciência baseada em relógios epigenéticos e em lições aprendidas com animais em hibernação poderia nos ajudar a tratar pacientes que sofrem de doenças causadas por “desgaste”.
Poderíamos usar medicamentos que podem retardar o envelhecimento.
Por exemplo, a metformina é o principal medicamento de primeira linha para o tratamento do diabetes tipo 2.
Regula a inflamação, a sensibilidade à insulina e retarda os danos ao DNA causados pelo estresse oxidativo.
Há evidências crescentes de que pode ajudar a controlar outras doenças “debilitantes”, como doenças cardiovasculares, e o uso prolongado da droga pode estar associado a um menor declínio cognitivo.
Aprender mais sobre a hibernação pode beneficiar a medicina humana no tratamento de lesões cerebrais traumáticas, perda grave de sangue, preservação da massa muscular e óssea e fornecer melhor proteção durante o transplante de órgãos.
Um estudo de 2018 descobriu que imitar as condições de hibernação para armazenar enxertos renais de doadores falecidos parecia melhorar o nível de preservação.
A degeneração do músculo esquelético é frequentemente determinada por genes, mas esses genes parecem estar desativados nos ursos que hibernam.
Animais e longevidade
Também podemos aprender com animais de vida longa que não hibernam, como o tubarão da Groenlândia, o rato-toupeira-pelado, o molusco islandês e o peixe bodião-de-rougheye [Sebastes aleutianus].
Estas espécies desenvolveram mecanismos superiores que as protegem contra o envelhecimento.
Parece que a proteção contra a inflamação, o estresse oxidativo e as modificações proteicas que ocorrem com a idade são mecanismos que geralmente beneficiam todos os animais de vida longa.
Estudos genéticos do bodião-de-rougheye, que pode viver mais de 200 anos, sugerem que um grupo de alimentos chamados flavonoides está ligado à longevidade.
Frutas cítricas, frutas vermelhas, cebola, maçã e salsa são ricas em flavonoides, que possuem propriedades antiinflamatórias e protegem contra danos aos órgãos, por exemplo, causados por produtos químicos ou pelo envelhecimento.
O estudo de 2023 sobre o bodião-de-rougheye descobriu que um conjunto de seus genes que poderiam estar ligados à longevidade estava associado ao metabolismo dos flavonoides.
O que comer
Portanto, um peixe longevo pode ter algo a nos ensinar sobre o que comer para viver mais.
As lições da natureza e dos animais em hibernação nos dizem que a preservação celular, a regulação do metabolismo e as adaptações genéticas desempenham papéis fundamentais na longevidade.
Nosso estilo de vida e hábitos alimentares são nossas melhores ferramentas para imitar alguns desses mecanismos.
Ainda há muito que não entendemos sobre a hibernação, mas sabemos que o sono normal também está ligado à longevidade.
Por exemplo, um estudo de março de 2023 mostrou que um sono de boa qualidade pode acrescentar cinco anos à vida dos homens e dois anos e meio às mulheres.
Os pesquisadores definiram um sono de boa qualidade como dormir de sete a oito horas por dia, não precisar de medicamentos para dormir e acordar se sentindo descansado pelo menos cinco dias por semana.
Os animais têm enormes variações nos seus padrões de sono, desde ursos e marmotas que hibernam oito meses por ano até elefantes que dormem apenas duas horas por dia.
Como os elefantes conseguem viver tanto dormindo tão pouco permanece um mistério para os cientistas.
Descobrir como a natureza resolveu esses extremos pode ajudar os cientistas a achar novas formas de melhorar a saúde humana.
*Peter Stenvinkel é professor de nefrologia no Instituto Karolinska.
*Este artigo foi publicado no The Conversation e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons. Clique aqui para ler a versão original e ver links para os estudos citados.
Fonte: BBC
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