- Michelle Potters
- BBC Reel
A Holanda é um país pequeno, mas conhecido por muitas coisas: as bicicletas, o queijo, os “coffee shops”, os moinhos de vento e pela população mais alta do mundo.
Um detalhe mais curioso tem a ver com algo que os holandeses raramente fazem: pedir desculpas.
Saaskia Maarse, palestrante de cultura holandesa, diz que há um motivo cultural por trás disso.
“Os holandeses são conhecidos por serem diretos, o que quer dizer que suas mensagens são claras e precisas”, diz ela à BBC Reels. “Mas na maioria dos demais países o estilo de comunicação é indireto, o que significa que, para entender as pessoas, é preciso considerar seus valores subjacentes”.
“O estilo dos britânicos, por exemplo, tem muita cortesia, diplomacia e tato. Já nos Países Baixos os valores subjacentes são a transparência, a honestidade e a franqueza”, Maarse acrescenta.
Os holandeses pedem desculpas apenas quando de fato se arrependem, diz Maarse, mas não como um recurso polido de conversa como ocorre em tantos países.
“No estilo de comunicação britânico, ‘desculpe’ (sorry) é uma boa palavra a se usar para ser mais diplomático ou educado. Já aqui (nos Países Baixos) dizemos que você só deve pedir desculpas se realmente sentir arrependimento.”
Choque cultural
Para pessoas de outros países que se mudam aos Países Baixos, é necessário um pouco de esforço para compreender o estilo holandês.
É o caso de Verena, oriunda da Indonésia. Ela diz que no seu país natal predomina um estilo bastante diferente.
“Nós indonésios não somos nada diretos. Tendemos a dar voltas ao falar, enquanto os holandeses são do tipo: ‘se você quer dizer algo, simplesmente diga. Vá logo ao ponto'”, conta.
Desse modo, alguns estrangeiros veem o estilo holandês como brusco, mas entendem que é acima de tudo um traço cultural.
A BBC Reels saiu às ruas de Amsterdã para ouvir opiniões a respeito dessa curiosa característica.
“Os jovens nas bicicletas são muito bons, sempre se desculpam. Mas outras pessoas, as gerações mais velhas, não. Nunca pedem desculpas”, afirma um dos entrevistados.
“Se eu sei que tenho culpa, peço desculpas. Não suporto a injustiça”, diz outro holandês.
Raízes históricas
Esse traço cultural tem curiosas origens históricas e práticas, segundo Maarse: é parte de uma espécie de “cultura de consenso”.
“Se você observar a história, verá que (nós holandeses) temos um inimigo em comum: a água”, diz ela, em referência ao fato de que, historicamente, o país sempre enfrentou enchentes. E quase um quarto do seu território fica abaixo do nível do mar.
Por isso, ao longo de séculos, os holandeses se viram obrigados a trabalhar em conjunto em busca de soluções para enfrentar inundações.
“Eles se sentavam ao redor de mesas e mantinham longas discussões e deliberações. Era preciso ser honesto nas ideias, pensamentos e opiniões, para poder encontrar uma solução comum”, argumenta Maarse.
A especialista diz ainda que, nesse contexto, as pessoas sempre se viam em pé de igualdade — algo que também se enraizou no estilo de comunicação.
A franqueza holandesa pode causar dissonância de comunicação em especial com o estilo dos britânicos.
“Se você faz uma oferta de negócios e o britânico ou britânica diz ‘ah, isso soa interessante, vou analisar’, nós entendemos como ‘ah, ele realmente ficou interessado e vai analisar’. Mas (para não-holandeses) isso pode muito bem significar ‘não estou interessado porque é uma ideia ruim’. O desafio para os holandeses é entender o real sentido da conversa. Nós falamos inglês, mas nem sempre entendemos a mensagem”, afirma Maarse. Ela agrega:
“Ao mesmo tempo, é claro, para as pessoas do Reino Unido, é um desafio não se chocar com a franqueza (holandesa). A intenção é ser honesto e claro, mas é algo às vezes percebido como rude ou mesmo arrogante.”
Desculpas pra valer
Het spijtme é uma frase usada em holandês para expressar arrependimento que vai além da palavra “desculpe” na maioria dos idiomas.
“O Het spijtme envolve mais (do que um pedido de desculpas): envolve uma história, uma situação”, explica Maarse.
Na palavra de Lynn, uma das holandesas entrevistadas pela BBC, a frase visa exprimir “algo que realmente vem do coração. Significa realmente se arrepender”.
Para Lynn, prevalece a ideia de que não se deve pedir desculpas à toa.
“Apenas diga ‘desculpe’ se realmente quiser se desculpar. Não diga se não for o que sente”, defende ela.