- Alessandra Corrêa
- De Washington (EUA) para a BBC News Brasil
Enquanto os Estados Unidos assistiam nesta semana a mais um massacre em uma escola do país, depois que um atirador matou 19 crianças e duas professoras na cidade de Uvalde, no Texas, Lori Alhadeff pensava no que as famílias das vítimas terão de enfrentar nos próximos dias e meses.
“Eles ainda nem conseguem processar o que está acontecendo. Terão de começar a preparar os funerais de seus filhos”, diz Lori à BBC News Brasil.
“É algo terrível, para a qual você nunca poderia se preparar. Essas famílias estão paralisadas, sua cabeça está rodando. Estão sentindo tanta dor e tanta raiva. Pelo menos foi isso que senti”, afirma.
A filha mais velha de Lori, Alyssa, tinha 14 anos de idade quando foi morta ao lado de outros 13 estudantes e três funcionários em um dos massacres mais chocantes do país, na escola secundária Marjory Stoneman Douglas, em Parkland, na Flórida, em 14 de fevereiro de 2018.
“Você manda seus filhos para a escola e espera que eles voltem para casa seguros”, diz Lori.
Ela conta que está participando de um esforço para enviar cartas às famílias afetadas pela tragédia na escola primária de Uvalde e lembra que, quando Alyssa foi morta, sua família também recebeu inúmeras mensagens de apoio.
O massacre no Texas é a mais recente em uma longa lista de tragédias do tipo que se repetem há décadas nos Estados Unidos. É também o ataque com o maior número de mortos em uma escola americana desde 2012, quando um atirador matou 20 crianças e seis adultos na escola de Sandy Hook, na cidade de Newtown, em Connecticut.
Pais e mães cujos filhos foram mortos em tiroteios em escolas acabam formando laços profundos, em uma rede de solidariedade que continua ganhando novos integrantes a cada tragédia.
“Nós entramos para esse clube do qual ninguém nunca quis fazer parte”, afirma Lori. “Temos uma conexão. Porque ninguém mais consegue entender ou sentir o que nós sentimos.”
Lori conta que as 17 famílias das vítimas de Parkland permanecem muito próximas. Sua família também mantém contato com outros pais e mães que perderam filhos em tiroteios anteriores em escolas.
‘Alyssa me inspirou a transformar minha dor em ação’
Lori se emociona ao falar da filha. “Alyssa era uma menina incrível, bonita, cheia de vida. Ela amava a praia, o mar, os amigos. Era uma estudante excelente e jogava futebol. Ela vestia a camisa número 8. Era a menor em campo, mas com a maior voz, era a capitã do time.”
Até a morte da filha, Lori diz que era uma dona de casa comum. “Durante 14 anos, fui uma mãe em tempo integral, com três filhos. Eu cozinhava, limpava a casa, levava as crianças para as aulas de futebol”, lembra.
Mas, depois da tragédia em Parkland, tudo mudou. “Alyssa me inspirou a transformar minha dor em ação”, afirma. “A dor de ter minha filha morta em um tiroteio na escola me fez chegar a esse ponto em que eu precisava fazer algo, ter uma voz para mudar as coisas, um lugar na mesa.”
Meses depois do massacre Lori foi eleita para conselho escolar do condado de Broward, divisão administrativa da qual Parkland faz parte, após uma campanha focada em melhorar a segurança nas escolas.
Ela e o marido, Ilan Alhadeff, criaram uma organização sem fins lucrativos, Make Our Schools Safe (“Torne Nossas Escolas Seguras”, em tradução livre), em homenagem à filha. O objetivo é melhorar os protocolos de segurança nas escolas.
Os Alhadeff observam que, no dia do ataque em Parkland, não havia cerca para impedir que o atirador entrasse na escola, e a porta do prédio não estava trancada.
“A sala em que Alyssa estava foi a primeira que o atirador atacou. Ela foi atingida imediatamente, mas depois que o atirador foi embora, houve um período de tempo durante o qual estava viva e poderia ter se movido até uma zona de segurança na sala de aula. Mas ela não sabia onde se esconder, não sabia onde ficava a zona de segurança”, descrevem.
“O que aconteceu? Não havia orientação. Quando o atirador retornou, nossa Alyssa foi atingida de novo… e de novo… e de novo.”
Os esforços dos Alhadeff já resultaram na aprovação em dois Estados de uma lei batizada com o nome de Alyssa e que prevê a instalação de botões de pânico nas escolas, conectados diretamente com a polícia. A lei já foi aprovada na Flórida e em Nova Jersey, e Lori espera que seja bem-sucedida em outros Estados.
Outro de seus esforços, um projeto federal, prevê financiamento para melhorar diferentes aspectos de segurança nas escolas.
Armas e segurança
Nesta semana, depois do massacre em Uvalde, as reações nos Estados Unidos seguiram o mesmo roteiro repetido há décadas no país após cada tragédia do tipo, com políticos democratas pedindo maior controle no acesso a armas e republicanos rejeitando restrições.
O mesmo ocorreu após o tiroteio em Parkland, quando muitos dos estudantes sobreviventes encabeçaram uma nova onda de ativismo por leis que restrinjam o acesso a armas, com várias passeatas, protestos e outras ações.
Mas o tema provoca muitas divisões, e é difícil aprovar leis do tipo no Senado. Diante dessa polarização, Lori diz que prefere concentrar seu ativismo em algo sobre o que a maioria das pessoas concorde, como a necessidade de melhorar a segurança das escolas.
“Como a questão das armas provoca tanta polarização, sinto que nada acaba sendo feito”, observa.
“Eu respeito a luta (por restrições ao acesso a armas) de muitas das 17 famílias (de Parkland) e de tantos outros. Mas, no meu caso, sigo no tema de segurança nas escolas. Porque, no fim das contas, nossos filhos continuam indo à escola, e nós continuamos tendo que protegê-los”, afirma.
Os dois filhos mais novos de Lori hoje têm 15 e 17 anos. Ela conta que, logo depois da morte de Alyssa, começou a enviá-los à escola com mochilas à prova de balas.
“Porque eu pensava que, se todo o resto falhasse, pelo menos eles teriam aquilo para se proteger.”
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