- Author, Zaria Gorvett
- Role, BBC Future
Importante: a reportagem a seguir contém detalhes e imagens que podem ser perturbadores para alguns leitores.
Em 7 de maio de 1821, dois médicos estavam engajados em uma busca frenética. O motivo era um corpo em decomposição. Se eles não encontrassem logo um pouco de gesso, suas feições seriam perdidas para sempre.
Poucas horas antes, o ex-imperador da França Napoleão Bonaparte (1769-1821) havia sucumbido devido a uma doença fatal, após seis anos de exílio.
Os médicos estavam ansiosos para criar uma máscara mortuária – uma impressão do rosto que normalmente era feita logo após a morte de uma pessoa.
No entanto, havia duas pequenas falhas neste caso.
Primeiramente, o evento se passava na ilha tropical de Santa Helena, um pedaço de terra árida no Atlântico Sul a 1.299 km de distância de qualquer outro ponto de terra. Não havia naquela “rocha sombria e miserável”, como Napoleão a descreveu, nenhuma loja que pudesse fornecer produtos altamente especializados, como gesso.
Além disso, nenhum dos médicos presentes havia feito uma máscara mortuária antes.
A história das máscaras mortuárias remonta a milênios atrás, na Antiguidade.
A maioria das máscaras mortuárias daquela época não eram réplicas exatas tiradas de moldes, mas obras de arte criadas para membros da alta sociedade – uma espécie de armadura protetora que poderia ajudar o falecido a navegar pelo além-túmulo ou afastar espíritos malignos.
No fim da Idade Média, a Europa ficou obcecada pela morte, depois que a peste varreu até 50% da população em apenas quatro anos traumáticos.
Foi naquele momento que as verdadeiras máscaras mortuárias substituíram as produzidas artisticamente.
As imagens eram criadas por modelagem de cera ou gesso sobre o rosto. Era uma forma útil de preservar a aparência de parentes falecidos, que os escultores poderiam usar como referência para as representações exibidas nos funerais.
Até que, no século 18, aconteceu algo inesperado: as pessoas começaram a dar importância às máscaras mortuárias pelo seu próprio valor.
Nos 200 anos seguintes, médicos de toda a Europa cuidaram de preservar assiduamente essas visões dos momentos após a morte para a posteridade. Os rostos de pessoas famosas, criminosos e até de bebês foram imortalizados em detalhes impressionantes.
Esta prática coincidiu com o aumento do interesse pela frenologia, uma pseudociência segundo a qual os traços da personalidade da pessoa seriam deduzidos a partir das características do seu crânio.
Muitas máscaras mortuárias foram transformadas em heranças fantasmagóricas. Algumas até se tornaram souvenirs que podem valer centenas de milhares de dólares hoje em dia.
Houve até uma máscara mortuária que foi reverenciada como objeto de beleza comparável à Mona Lisa, inspirando incontáveis obras de arte e teorias mirabolantes.
Esta é uma história resumida da máscara mortuária e do que ela pode revelar sobre como o nosso comportamento em relação à morte se alterou ao longo dos séculos.
O século 19
Mas vamos voltar à ilha de Santa Helena, onde os dois médicos ainda precisavam de gesso fresco para preparar a máscara mortuária de Napoleão.
Sem material disponível, eles tiveram duas ideias alternativas.
O médico pessoal de Napoleão, François Antommarchi, correu para a aldeia local, Jamestown, e comprou cerca de 150 moldes feitos de gesso.
Esses moldes foram moídos até virarem pó e usados para fazer uma máscara de gesso improvisada. Mas, quando essa mistura esquisita foi aplicada ao rosto do falecido, infelizmente ela não funcionou.
O outro médico era o cirurgião irlandês Francis Burton. Ele se concentrou em procurar gesso na sua forma natural, um mineral macio encontrado em camadas de rocha sedimentar.
Para poder usar o gesso, o mineral é moído até ser transformado em pó e aquecido para evaporar a água nele contida. Este processo desagrega os cristais da rocha.
Em seguida, o gesso desidratado é novamente misturado com água para formar uma pasta. E, à medida que seca, sua estrutura de cristal se forma novamente e o gesso endurece, formando seu estado moldado.
Por fim, os médicos acabaram identificando uma fonte local desse valioso ingrediente e, um dia e meio depois dos suspiros finais de Napoleão, foi obtido o molde.
Naquele momento, já havia passado mais tempo após a morte de Napoleão do que o normal para a produção de máscaras mortuárias. Por isso, o rosto do ex-imperador foi imortalizado em estado cadavérico, com olhos afundados e bochechas profundas.
O corpo de Napoleão já havia iniciado o processo de decomposição e os músculos faciais estavam menos tensos, o que forneceu uma aparência relaxada àquele homem normalmente melancólico.
Mas, se o antigo imperador francês tivesse sonhado que o seu rosto ficaria na cabeceira da sua esposa, Marie Louise, ou em um local de honra nacional, ele provavelmente ficaria surpreso com o que aconteceu em seguida.
Antommarchi roubou o molde da máscara mortuária bem sucedida do seu colega e criou centenas de cópias que foram vendidas como souvenirs colecionáveis, pela bagatela de apenas 20 francos.
Como resultado, a máscara mortuária original desapareceu há muito tempo, mas suas cópias estão atualmente espalhadas em museus e coleções particulares em todo o mundo.
O Século das Luzes
Quando Isaac Newton (1642-1727) morreu durante o sono, aos 84 anos, ele deixou um legado formidável.
Sua herança incluía um conjunto de cartas e manuscritos composto por cerca de 10 milhões de palavras, inúmeras descobertas revolucionárias – como a lei da gravidade e infindáveis anotações sobre experimentos fracassados de alquimia – e uma bizarra coleção de anagramas do seu próprio nome.
Pouco tempo depois, a extensa lista recebeu mais um item: a sua máscara mortuária.
Roma Antiga
Na era romana, cidadãos da classe alta costumavam homenagear a morte de um familiar criando máscaras funerárias idealizadas.
Essas imagens normalmente não eram sepultadas com o falecido, mas sim mantidas como memoriais. Elas eram guardadas em locais específicos da casa da família e, às vezes, usadas em outros funerais pelos familiares sobreviventes.
Essa tradição era normalmente reservada aos homens idosos, para que eles fossem iniciados no cânone de ancestrais da família.
No entanto, perto do século 2º d.C., veio uma mudança. As imagens passaram a ser populares também entre as classes menos favorecidas.
Essas versões eram máscaras mortuárias verdadeiras, na forma de moldes. E, neste mundo fora da elite, elas não eram reservadas apenas para os homens.
Pesquisas da estudante de arqueologia Kelsey Madden, da Universidade de Sheffield, no Reino Unido, indicam que, nas classes mais baixas, as mulheres e crianças também podiam se tornar “ancestrais”.
Uma imagem famosa que se acredita estar nesta categoria é a de Claudia Victoria, uma menina de 10 anos de idade que morou na cidade romana de Lugdunum em Gaul, hoje enterrada em Lyon, na França. Seu jovem rosto redondo foi preservado em gesso e sepultado ao lado dela na sua tumba.
A inscrição diz o seguinte: “Ao espírito que partiu de Claudia Victoria, que viveu 10 anos, um mês e 11 dias. Sua mãe Claudia Severina construiu este monumento para sua doce filha e para si própria durante sua vida.”
A Revolução Industrial
No final dos anos 1880, o corpo de uma jovem, que se acredita ter morrido afogada, foi encontrado flutuando no rio Sena, em Paris.
O corpo foi levado para o necrotério local (uma atração popular, na época) e colocado em exposição para o caso de que alguém pudesse identificar aquela pessoa.
Essa história, por si só, já é profundamente assustadora. Mas ele teve ainda um estranho desdobramento. O patologista de plantão ficou tão comovido com a beleza e inocência da jovem que fez sua máscara mortuária antes do sepultamento.
A máscara da Desconhecida do Sena (L’Inconnue de la Seine, em francês) mostra a mulher que parece estar sorrindo satisfeita, com seus lábios enrugados. Ela acabou se tornando uma obra de arte popular.
A máscara inspirou escultores, escritores e pintores. Ela era exibida nas paredes das casas de pessoas comuns.
Até que, mais de meio século depois da morte da desconhecida, um fabricante de brinquedos da Noruega decidiu usar aquele rosto para uma boneca realista de ressuscitação. Assim nasceu “Resusci Annie” (“Resgate Annie”).
Estima-se que os cursos de reanimação cardiorrespiratória que a boneca ajudou a promover tenham evitado a morte por parada cardíaca de cerca de 2,5 milhões de pessoas.
Era moderna
Com a mudança do comportamento em relação à morte e o aumento da popularidade da fotografia no século 19 e início do século 20, a prática de elaboração de máscaras mortuárias gradualmente saiu de moda.
Afinal, as pessoas não precisavam mais delas quando podiam olhar para uma foto dos seus entes queridos.
Atualmente, o costume de preparar máscaras mortuárias praticamente desapareceu. Mas alguns artistas ainda mantêm essa prática viva com suas próprias interpretações modernas.
Um exemplo é a série “máscaras mortuárias”, criada pela artista britânica Tracey Emin, famosa por elaborar obras honestas e, às vezes, surpreendentes que contam sua própria história.
As quatro impressões que ela tirou do seu próprio rosto foram descritas como irônicas e autobiográficas. Elas também desafiam a perspectiva histórica de que as máscaras mortuárias foram criadas para os homens.
Outra abordagem moderna é uma obra do escultor americano Robert Gober, que preservou a memória do seu amado cão, Paco. Ele moldou o seu focinho e combinou um molde do seu próprio rosto.
O resultado caricaturesco foi a forma que Gober encontrou de preservar essa tradição antiga. E, quem sabe, ela pode até virar moda outra vez.
Fonte: BBC
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