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O projeto de Júlio César de organizar o confuso calendário romano quase naufragou devido a um erro básico de contagem

  • Author, Martha Henriques
  • Role, BBC Future

Era o século 1º a.C. Segundo os rituais, deveria haver verduras e legumes prontos para comer durante a festa. Mas bastava o agricultor olhar para o campo e ficava claro que ainda faltavam vários meses para a colheita.

O motivo era o primeiro calendário romano. Ele ficou tão desregulado que importantes festivais anuais tinham cada vez menos semelhança com o que acontecia no mundo real. Até que Júlio César (100 a.C.-44 a.C.) quis corrigir esse sistema que não fazia mais sentido.

Não era uma tarefa fácil. Era preciso acertar o calendário do Império Romano e ajustá-lo para a rotação da Terra sobre seu eixo (um dia) e sua órbita em torno do Sol (um ano).

A solução encontrada por César nos deu o ano mais longo da história. Ele acrescentou meses ao calendário e os retirou em seguida, fixou o calendário às estações e criou o ano bissexto. Foi um projeto enorme, que quase deu errado devido a uma peculiaridade da matemática romana.

Estamos em 46 a.C. – o Ano da Confusão.

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Os dias de festa e de jejum, entre outras datas importantes em Roma, eram sujeitos aos caprichos de um calendário que mudava de forma imprevisível ano após ano

O ano de 46 a.C. pode ter sido complicado, mas não tanto quanto o anterior, segundo a professora de história Helen Parish, visitante da Universidade de Reading, no Reino Unido.

O primeiro calendário romano era determinado pelos ciclos da Lua e do ano agrícola. Observando com os olhos modernos, a impressão é que está faltando alguma coisa.

O ano tinha apenas 10 meses. Ele começava em março (primavera do hemisfério norte) e o décimo mês do ano – o último – era o que conhecemos hoje como dezembro.

Seis desses meses tinham 30 dias e quatro tinham 31. Ao todo, o ano tinha 304 dias.

Como ficavam, então, os dias restantes?

“Os dois meses do ano em que não havia trabalho a se fazer no campo simplesmente não eram contados”, explica Parish.

Em outras palavras, o Sol nascia e se punha, mas oficialmente não havia se passado nenhum dia no primeiro calendário romano. “Foi aí que começaram a surgir as complicações”, segundo a professora.

Em 731 a.C., o segundo rei de Roma, Numa Pompílio (753 a.C.-673 a.C.), decidiu melhorar o calendário romano. Ele acrescentou meses adicionais para cobrir o período de inverno.

“Qual o propósito de um calendário que cobre apenas uma parte do ano?”, questiona Parish.

A resposta de Pompílio foi acrescentar 51 dias ao calendário, criando os meses que hoje chamamos de janeiro e fevereiro. Esta extensão aumentou o ano-calendário para 355 dias. O número pode parecer estranho, mas foi escolhido de propósito.

Este número faz referência ao ano lunar (12 meses lunares), que tem 354 dias de duração. Mas, “devido à superstição romana com os números pares, foi acrescentado mais um dia, totalizando 355”, segundo Parish.

Nesta reorganização, os meses foram dispostos de forma que todos tivessem números ímpares de dias, exceto fevereiro (28).

“Por isso, fevereiro é considerado de má sorte e a época de purificação social, cultural e política”, segundo Parish. “É o momento em que você tenta apagar o passado.”

Para a professora, o calendário de Pompílio foi um bom progresso, mas ainda faltavam cerca de 11 dias para atingir o ano solar de 365 dias e algumas horas.

“Mesmo esse calendário melhorado de Pompílio ainda fica dessincronizado com as estações com muita facilidade.”

Perto do ano 200 a.C., o calendário estava tão adiantado que os romanos registraram como tendo ocorrido em 11 de julho um eclipse solar quase total observado em Roma no que hoje seria o dia 14 de março.

Quando o calendário atingiu esse ponto de “erro tão catastrófico”, nas palavras de Parish, o imperador e os sacerdotes romanos recorreram à inserção pontual de um mês “intercalado” adicional, chamado mercedônio, para tentar realinhar o calendário às estações.

Mas isso não funcionou muito bem. Havia, por exemplo, a tendência de acrescentar o mercedônio quando autoridades públicas favorecidas estavam no poder e não para alinhar rigorosamente o calendário às estações.

O historiador e escritor clássico Suetônio (69-c. 141) queixava-se de que “muito tempo atrás, a negligência dos pontífices havia desordenado muito [o calendário], com seu privilégio de acrescentar meses ou dias segundo sua própria vontade, de forma que os festivais da colheita não caíam no verão, nem o das uvas, no outono.”

O que nos traz de volta a Júlio César.

No ano de 46 a.C., já estava programada a inclusão de um mercedônio. Mas o astrônomo Sosígenes de Alexandria, consultor de César, afirmou que o mês adicional não seria suficiente daquela vez.

Seguindo o conselho de Sosígenes, César acrescentou mais dois meses nunca vistos antes ao ano de 46 a.C. – um com 33 e outro com 34 dias – para alinhar o calendário ao Sol. Estas adições criaram o ano mais longo da história, com 445 dias, ou 15 meses.

Após 46 a.C., o mercedônio, os dois meses novos e a prática de meses intercalados como um todo foram abandonados. Se tudo corresse bem, eles não seriam mais necessários.

“Então, voltamos a ter um calendário mais parecido com o que reconhecemos”, conta Parish. “Excelente! Isso parece familiar e renovador!”

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Os eventos agrícolas e as comemorações religiosas eram intimamente relacionados na Roma Antiga. O difícil era acompanhar essas datas com o instável sistema de calendário da época

Mas, infelizmente, alinhar o calendário ao Sol é uma coisa – mantê-lo alinhado é outra, bem diferente. O inconveniente é que a quantidade de dias (rotações da Terra) em um ano (órbitas da Terra em torno do Sol) não é um número redondo.

“É onde todo o problema começa”, explica o astrônomo Daniel Brown, da Universidade Trent de Nottingham, no Reino Unido. O número de rotações terrestres em uma volta do planeta em torno do Sol é de cerca de 365,2421897… dias.

Em outras palavras, a Terra acrescenta quase um quarto de volta a mais sempre que completa uma órbita em torno do Sol. Por isso, Sosígenes calculou que acrescentar um dia a cada quatro anos – em fevereiro – ajudaria a compensar o desalinhamento.

Este sistema teria funcionado muito bem, pelo menos por algum tempo, não fosse a forma idiossincrática em que os romanos contavam os anos.

“Eles olhavam para os anos e contavam: um, dois, três, quatro”, explica Parish. “Depois, eles recomeçavam a partir de quatro – então, eles contavam: quatro, cinco, seis, sete. Depois, eles começavam em sete – eram sete, oito, nove, 10.”

“Eles contavam acidentalmente um desses anos duas vezes. Não levou muito tempo para perceber o início do desalinhamento.”

Isso foi corrigido no reinado de Augusto. Os anos bissextos passaram a acontecer a cada quatro anos em vez de três e o calendário juliano começou a funcionar bem.

“Júlio César está quase chegando aonde o calendário precisa estar”, afirma Parish.

Novas correções

O calendário juliano poderia ter sido o calendário definitivo, se a rotação da Terra, de fato, completasse exatamente um quarto de volta a mais todos os anos. Mas essa diferença é um pouco menor, em cerca de 11 minutos.

“Ou seja, lentamente ainda estamos ficando dessincronizados”, segundo Brown.

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A menor diferença entre o calendário humano e o movimento da Terra em torno do Sol gera uma discrepância que se acumula ao longo do tempo

A solução surgiu apenas muito tempo depois, em 1582, quando o papa Gregório 13 fez novos ajustes no calendário.

“Foi a correção feita pela reforma do calendário gregoriano – observar esse ponto e adaptar um pouco mais o calendário, cuidando para que [o ano bissexto] não seja apenas a cada quatro anos, mas para pular essa regra a cada 100 anos”, explica Brown.

“Mas, depois, eles observaram que isso não coincide completamente – a compensação é excessiva. Por isso, a cada 400 anos, você não pula a regra.”

É por isso que o ano 2000, por exemplo, foi bissexto: porque ele é divisível por 100 e por 400.

Para Parish, “tudo isso parece muito organizado”, mas é aqui que a política começa a influenciar o curso do tempo. “É um calendário implementado por uma bula papal e, na verdade, não tem valor fora da Igreja e da tutela do bispo de Roma.”

Houve pessoas que se queixaram de que o papa, na verdade, roubou 10 ou 11 dias do seu tempo ao ajustar o calendário, segundo Parish. Ainda assim, ao longo dos séculos, cada vez mais países passaram a adotar o calendário gregoriano.

“Mas, gloriosamente, eles não adotaram todos ao mesmo tempo”, afirma Parish. “Se arrumou o calendário, mas passou a haver calendários em diferentes países seguindo modelos muito distintos.”

Essas discrepâncias fazem com que “você possa ter a situação mais bizarra, na qual uma resposta escrita na Inglaterra para uma carta que chegou da Espanha pode parecer ter sido enviada antes da chegada da primeira”, explica Parish, “porque a Inglaterra está na frente da Espanha no calendário.”

Desde que foi amplamente adotado e sincronizado internacionalmente, o calendário gregoriano passou a oferecer alguns milênios de precisão. Mas ele ainda não é perfeito.

Na verdade, em meados do século 56, “alguém irá coçar a cabeça e dizer, ‘espere um minuto, hoje deveria ser segunda, mas na verdade parece terça-feira'”, segundo Parish. “Acho que provavelmente é uma margem de erro que iremos acabar aceitando.”

Pelo menos, o calendário gregoriano nos fez ganhar algum tempo, até que chegue essa segunda-feira. Ou será que é terça?