- Author, Isabella Kaminski
- Role, BBC Future
Nas últimas semanas, milhares de pessoas visitaram o Zoológico Aberto Khao Kheow, na Tailândia.
Em um fim de semana recente, cerca de 20 mil pessoas visitaram o local para observar um mamífero de dois meses de idade comendo e brincando, segundo o jornal The Independent.
Os visitantes foram até lá para ver uma importante celebridade, que atraiu a atenção internacional nas redes sociais e inspirou uma série de tutoriais de beleza, com suas bochechas rosadas.
Esta sensação viral é Moo Deng — uma fêmea de hipopótamo-pigmeu nascida em julho, conhecida pela sua estatura minúscula e pela sua fofura desconcertante.
Moo Deng pertence a uma espécie furtiva e vulnerável chamada Choeropsis liberiensis, nativa do oeste africano. E, enquanto ela ganha fama, seus parentes na natureza se tornam cada vez mais raros com a redução do seu habitat.
Os hipopótamos-pigmeus são a menor espécie de hipopótamo do mundo. Eles estão listados como animais em risco de extinção na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês).
No mais recente levantamento global sobre a espécie, em 2015, havia menos de 2,5 mil indivíduos adultos vivos na natureza.
Eles são considerados extintos na Nigéria, um dos países do oeste africano onde, um dia, já foram endêmicos. Mas pequenas populações ainda existem na Libéria, Costa do Marfim, Guiné e Serra Leoa.
Mamífero noturno e solitário
No seu habitat natural, os hipopótamos-pigmeus vivem em terra, em áreas florestais ao longo dos rios, córregos e pântanos, para manter sua pele úmida. Eles se alimentam principalmente de grama, folhas, brotos e frutos, à noite e perto do nascer e do pôr do Sol.
Estes carismáticos animais, há muito tempo, fazem parte da cultura e do folclore do oeste africano.
Uma lenda liberiana conta que os animais encontram seu caminho através da floresta à noite, carregando diamantes na boca para iluminar o caminho.
E uma história contada na Costa do Marfim garante que qualquer pessoa que olhar para a cauda de um hipopótamo-pigmeu e der risada ficará louco.
Mas, apesar do seu lugar na cultura local, os hipopótamos-pigmeus são enigmáticos e não foram estudados de forma tão intensiva quanto seus primos maiores. Eles são principalmente animais noturnos, reservados e relativamente solitários. Por isso, é difícil realizar pesquisas com eles nas florestas do oeste da África.
Devido à sua natureza reservada, os estudiosos só conseguem aprender sobre os hipopótamos-pigmeus com câmeras escondidas, rastreando pegadas e outros sinais, amostras de fezes e elaboração de modelos, para estimar seus números e explorar seus movimentos.
A organização sem fins lucrativos Fauna & Flora International e a Autoridade do Desenvolvimento Florestal da Libéria chegaram a usar tecnologia de DNA ambiental (eDNA) para procurar evidências das criaturas nas bacias fluviais do sudeste da Libéria — uma técnica que envolve a análise de DNA encontrado no seu habitat.
Os hipopótamos-pigmeus mantidos em cativeiro, como parte de programas de criação, também proporcionaram maior conhecimento científico sobre esses mamíferos.
Redução do habitat
O hipopótamo-pigmeu é considerado uma espécie protegida há décadas. Mas o pesquisador Bogui Elie Bandama, do Centro Suíço de Pesquisas Científicas na Costa do Marfim, afirma que os trabalhos de pesquisa aumentaram depois de 2010, quando as pressões sobre o seu habitat aumentaram significativamente.
Grandes áreas de floresta original, especialmente na Costa do Marfim, foram destruídas ou degradadas. Alguns trechos foram desmatados, por exemplo, para a criação de plantações de palma oleaginosa, cacau e borracha.
A pressão para a extração de madeira é outra ameaça. As florestas liberianas foram largamente derrubadas e o país luta para manter o controle sobre a extração ilegal. Moradores locais de toda a região também cortam as árvores para conseguir lenha.
Mas uma ameaça crescente, segundo Bogui, é a extração ilegal de minérios. No Parque Nacional de Taï, na Costa do Marfim, as pessoas garimpam em busca do ouro depositado nos rios e córregos.
A extensão do desmatamento e da degradação do habitat florestal dificulta muito a sobrevivência dos hipopótamos-pigmeus na natureza, segundo a consultora veterinária Gabriella Flacke, do plano de sobrevivência da espécie do hipopótamo-pigmeu e parte do grupo especializado em hipopótamos da IUCN.
Flacke explica que a espécie, naturalmente, já tinha um habitat restrito, o que a torna particularmente vulnerável a este tipo de perda.
“Não existe outro lugar para onde eles possam ir”, afirma Flacke. “Seu ambiente natural está ficando cada vez menor e existe simplesmente menos espaço para o seu comportamento natural, sua reprodução e para que tenham as necessidades do seu ecossistema disponíveis.”
Além de enfrentar a ameaça da redução do seu habitat, os hipopótamos-pigmeus também sofrem a ação dos caçadores, devido à sua carne. Mas os trabalhos para entender melhor e proteger esta espécie ameaçada continuam.
Os hipopótamos-pigmeus são protegidos legalmente em todos os quatro países do oeste africano que compõem o seu ambiente natural. Mas o nível de proteção varia.
“A Costa do Marfim, provavelmente, é o país mais bem equipado para o trabalho”, afirma Flacke. “O país é politicamente muito estável, em comparação com a Libéria e Serra Leoa. E eles têm mais recursos e melhor infraestrutura.”
Bogui realiza pesquisas no Parque Nacional de Taï, que é a maior floresta tropical primária protegida do oeste africano. Ele está incluído na lista do Patrimônio Mundial da Unesco.
“Este parque oferece um habitat apropriado para o hipopótamo-pigmeu, com alimento e, acima de tudo, proteção, mesmo que não seja 100% garantido”, afirma ele.
Bogui calcula que existam ali, atualmente, de 800 a 1 mil indivíduos. E, segundo ele, o governo marfinense realiza trabalhos de conservação, como o plantio de árvores e melhorias da legislação de proteção dos hipopótamos-pigmeus.
Trabalho comunitário
Paralelamente, a Libéria foi o primeiro país a elaborar uma estratégia nacional de conservação da espécie, com o apoio da organização Fauna & Flora International, em 2013.
Desde aquela época, pesquisas demonstraram que o Parque Nacional de Sapo – a maior área de ecossistema florestal ainda intacta da região da Alta Guiné – é um reduto fundamental para a espécie.
A especialista técnica da Fauna & Flora no oeste africano, Neus Estela, afirma que um objetivo fundamental da estratégia de conservação da entidade é conectar todas as populações remanescentes do hipopótamo-pigmeu.
Para isso, ela colabora na avaliação do terreno para identificar possíveis corredores de conservação no sudeste da Libéria.
A pobreza e a corrupção ainda são barreiras importantes para combater a perda de habitat desta e de outras espécies ameaçadas.
Uma solução sendo desenvolvida pela Fauna & Flora junto ao governo e às comunidades da Libéria é o estabelecimento de um projeto com base no programa de conservação florestal REDD , apoiado pelas Nações Unidas.
O objetivo é combater os motivos que levam ao desmatamento e à degradação, apoiando ao mesmo tempo a subsistência dos moradores locais e respeitando os direitos à propriedade da terra.
Flacke gostaria de ver mais esforços de concentração que envolvessem as comunidades locais do oeste africano.
“Existe muito interesse local”, explica ela. “Eles sabem que o hipopótamo-pigmeu é uma espécie simbólica, talvez uma espécie fundamental para o ecossistema. Mas a realidade da conservação é que, se não houver infraestrutura e recursos para apoiá-la, as pessoas terão dificuldade, não importa o quanto elas possam estar motivadas ou dedicadas.”
Para tentar resolver esta questão, um projeto piloto financiado pelo zoológico da Basileia, na Suíça, incentiva jovens desempregados que moram perto das florestas de Gola, em Serra Leoa e na Libéria, a se tornarem embaixadores desta espécie ameaçada.
A Fundação Hipopótamo-Pigmeu também treina guardas florestais comunitários no Parque Nacional de Sapo, para monitorar e proteger as populações de hipopótamos-pigmeus.
Apesar de anos de estudos, na natureza e em cativeiro, ainda há muito que não sabemos sobre a forma de vida dos hipopótamos-pigmeus.
Flacke espera, por exemplo, descobrir mais sobre o tamanho do seu habitat natural e se, na natureza, eles agem da mesma forma que em cativeiro.
O hipopótamo-pigmeu provavelmente exerce papel importante no seu ecossistema local. Pesquisadores especulam que, como o hipopótamo comum, talvez eles possam ajudar a dispersar sementes e reciclar nutrientes, espalhando suas fezes. Talvez eles até levantem as margens dos rios.
A Sociedade Zoológica de Londres (ZSL, na sigla em inglês) identificou os hipopótamos-pigmeus como prioridade de conservação em 2007, com base no seu Programa Limite da Existência. Mas a organização declarou à BBC que não desempenha mais trabalhos significativos em prol desta espécie.
Existem cerca de 450 hipopótamos-pigmeus em cativeiro em todo o mundo, segundo Flacke. Eles conseguem atrair extrema atenção das pessoas – o que, para uma criatura tão tímida, pode ser angustiante ou até perigoso.
Nas últimas semanas, Moo Deng foi assediada por alguns visitantes, levando o zoológico a aumentar a segurança no seu entorno.
Bogui destaca que os zoológicos são uma forma de preservar espécies ameaçadas, mas é muito melhor manter intacto seu habitat original.
Uma avaliação atualizada dos hipopótamos-pigmeus pela IUCN está prevista para o ano que vem. Flacke prevê que os números irão cair novamente.
“Eles ainda existem, sabemos disso. Mas certamente existem populações que não foram vistas nos últimos 20 anos, não há pegadas, nem fezes, nem marcas de dentes”, ela conta. “Para onde eles estão indo? Bem, eles estão desaparecendo.”
Enquanto Moo Deng cativa os corações humanos em todo o mundo, milhares como ela enfrentam dificuldades.
Fonte: BBC