O economista Nouriel Roubini foi apelidado de “Dr. Fim do Mundo” por prever a crise financeira de 2008 e por suas advertências pessimistas em relação ao futuro da humanidade.
Em seu livro mais recente, Megathreats (“Mega-ameaças”, em tradução literal), ele identifica os principais perigos que, na sua opinião, espreitam nossa espécie.
Em sua lista de 10 ameaças, destacam-se o baixo crescimento econômico e a inflação, a dívida e as mudanças climáticas.
Embora às vezes seja criticado por seu catastrofismo, Roubini, que nasceu em Istambul, na Turquia, também propõe soluções.
Ele ganhou fama ao prever a crise financeira de 2008, uma das piores da história recente — dois anos antes de a mesma acontecer, o economista advertiu sobre a iminência da crise das hipotecas “subprime” em uma conferência do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Mais recentemente, Roubini, que é professor da Universidade de Nova York, nos EUA, fez um novo alerta.
Ele advertiu que o bitcoin estava “supervalorizado” e o comparou a uma “fossa”, um presságio que se confirmou quando o preço desta e de outras grandes criptomoedas caiu.
James Menendez, apresentador do programa Newshour da BBC, o entrevistou.
BBC – O mundo que se seguiu à Segunda Guerra Mundial tem sido de relativa paz, aumento de renda e saúde para grande parte do mundo. Isso está prestes a acabar?
Nouriel Roubini – Penso que sim. Há novas ameaças que não existiam nas décadas entre os anos 1960 e 1980. Naquela época, ninguém se preocupava com uma possível guerra nuclear entre superpotências, em meio à polarização entre os Estados Unidos e a União Soviética.
Ninguém falava tampouco das mudanças climáticas e, após a grande pandemia de 1918, não houve outra grande até a década de 1980.
Não fazíamos ideia de que a inteligência artificial, a robótica e a automação substituiriam a maioria dos empregos, e tínhamos democracias estáveis, não os populismos de esquerda e direita que estão chegando ao poder agora.
E os compromissos que vêm com o envelhecimento, para os quais não há financiamento, como aposentadorias e sistema de saúde, não existiam, porque ainda tínhamos uma população jovem e crescente.
Portanto, o mundo hoje é muito diferente do que era entre 1945 e meados da década de 1980. Há novas ameaças que são mega-ameaças e podem destruir não apenas a economia global, mas o mundo em geral.
BBC – Vou perguntar sobre uma delas, a dívida global. Por que o senhor acha que ela pode alterar radicalmente a economia mundial?
Roubini – Na década de 1970, a proporção da dívida pública e privada em relação ao PIB era de cerca de 100%, e agora nas economias avançadas está em 420% e subindo. Esse índice era alto, mas o custo dessa dívida era baixo até recentemente, graças a taxas de juros nulas ou negativas e políticas expansionistas. Até mesmo famílias, empresas e corporações “zumbis”, até mesmo governos “zumbis”, conseguiram sobreviver porque as taxas de juros eram muito baixas.
(No vocabulário econômico, chama-se de “zumbis” empresas caracterizadas pela tendência de não lucrar o suficiente para se livrar do peso das obrigações, mas ainda possuem acesso suficiente ao crédito para rolar as dívidas.)
Os juros agora estão altos e subindo porque temos que combater a inflação, e veja o que está acontecendo com a dívida hipotecária no Reino Unido, ou dívida do consumidor, ou dívida corporativa que está agora à beira da crise. O estímulo fiscal quase levou a uma crise fiscal nas últimas semanas.
As 10 mega-ameaças de Roubini
O livro de Roubini apresenta dez “mega-ameaças”, que ele aborda em cada um dos capítulos da publicação. São elas:
– A mãe de todas as crises de dívida;
– Fracassos públicos e privados;
– A bomba-relógio demográfica;
– A armadilha do dinheiro fácil e o fim do boom;
– A Grande estagflação que está chegando;
– Colapso da moeda e instabilidade financeira;
– O fim da globalização;
– A ameaça da inteligência artificial;
– A nova guerra fria;
– Um planeta inabitável.
BBC – O que tudo isso significa para as pessoas ao redor do mundo? Seremos mais pobres nas próximas décadas?
Roubini – Se vamos ter uma dívida que não é sustentável, só nos restam algumas opções. Ou vamos à falência e entramos em concordata; ou, como espero, os governos usarão surtos inesperados de inflação para reduzir o valor real da dívida nominal.
Acho que os bancos centrais vão ceder e não agir, porque quando os governos não conseguem reduzir a dívida do governo nem os impostos porque há um grande déficit e guerras contra as mudanças climáticas ou contra pandemias ou contra outros países, tomamos emprestado demais e acabamos inflando a onda, como aconteceu na década de 1970.
BBC – O senhor fala sobre mudanças climáticas em uma parte avançada de seu livro. Essa é a maior ameaça que nós humanos enfrentamos?
Roubini – É a décima ameaça na minha lista, mas de certa forma é muito importante. Mas é uma ameaça lenta, enquanto a estagflação é um risco de muito curto prazo, assim como o risco de colapso financeiro ou que o que está acontecendo entre a Rússia e a Ucrânia se transforme em um confronto com a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, aliança militar ocidental) ou uma guerra não convencional com o Irã de um lado e os Estados Unidos e Israel do outro, ou entre os Estados Unidos e a China por causa de Taiwan.
As mudanças climáticas vão nos destruir, mas, embora os danos que causem hoje sejam graves, como as secas nos Estados Unidos, na Ásia ou na América Central, e os preços dos alimentos tenham disparado por causa disso, elas vão nos destruir nas próximas décadas. É uma ameaça que se move mais lentamente em comparação com outras.
BBC – O senhor acha que os governantes ao redor do mundo estão à altura do desafio?
Roubini – Não. Tanto os países democráticos como os autoritários evitam enfrentar o futuro, enterrando a cabeça na areia como avestruzes. Os líderes não tomam decisões difíceis porque querem ser reeleitos. Os autoritários também precisam de apoio.
Quando se trata de mudanças climáticas, fala-se muito sobre investimento socialmente responsável no mundo dos negócios e no setor financeiro, mas, na verdade, há muito mais conversa do que ação. Porque nem os atores públicos nem os privados querem assumir os sacrifícios imediatos que o futuro exige. É por isso que há uma paralisia política.
BBC – Alguns anos atrás, o senhor foi apelidado de “Dr. Fim do Mundo”. Como o senhor se levanta todos os dias, considerando que vê o futuro como sombrio?
Roubini – Sou realista, não catastrofista. No final de cada capítulo do meu livro, sugiro uma solução para cada mega-ameaça e proponho dois cenários, um distópico em que não fazemos nada e essas ameaças destroem o mundo, e outro menos distópico e mais utópico em que se aplicam a todos os níveis, também individual, políticas que nos conduzam por um caminho melhor.
Espero que estejamos na direção certa, mas neste momento temo que não haja incentivo para fazer a coisa certa. É o que eu faço. Tentar mudar o mundo para melhor.
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