A jornalista fotográfica Ruhani Kaur conta a história de três noivas crianças do Estado de Haryana, no norte da Índia, que sonham em estudar e trabalhar, lutando contra todas as dificuldades.
Priyanka, Meenakshi e Shiwani cresceram em Damdama, um aglomerado urbano onde mora a influente comunidade agrícola Gurjar. Damdama fica a menos de meia hora de Gurgaon, um distrito de classe alta da capital da Índia, Nova Déli.
As meninas têm cerca de 16 anos de idade e são amigas de infância. Elas se casaram quando crianças – uma delas, quando tinha apenas 10 anos. Na Índia, a lei impede as meninas de casar-se com menos de 18 anos de idade, mas essa prática persiste em muitas partes do país, devido ao patriarcado e à pobreza.
A Índia abriga a maior quantidade de noivas crianças do mundo – um terço do total do planeta, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). A entidade estima que pelo menos 1,5 milhão de meninas com menos de 18 anos de idade casam-se na Índia anualmente.
Em 2021, o governo apresentou um projeto ao parlamento para aumentar para 21 anos a idade mínima para o casamento, mas ele ainda não foi transformado em lei.
As três amigas anseiam por ter vidas independentes, mas sabem que existem grandes desafios à sua frente.
Priyanka tinha 10 anos de idade quando sua família a fez casar-se. Sete anos depois, ela está no 11° ano da escola (equivalente ao penúltimo ano do ensino médio) e ainda vive na casa dos seus pais.
Mas ela sabe que terá que ir viver com seu marido – que está estudando para prestar os exames de admissão na polícia – assim que ele conseguir um emprego. Ela está assustada e registra suas preocupações no seu diário.
“Não me aprisione com casamento, sou jovem demais… eu não quero ir morar com minha sogra e deixar minha boneca para trás”, escreve ela.
Priyanka diz que não é boa aluna, mas gosta de ajudar no salão de beleza do seu irmão. Ela espera que isso possa ajudá-la a permanecer em casa por mais tempo. Já a sua prima também aprendeu um pouco do trabalho de cabeleireiro, mas não poderá continuar porque ela também se casou, com o irmão do marido de Priyanka.
Priyanka anseia por uma vida diferente.
‘Nós não deveríamos nos casar antes de realizar os nossos sonhos’
Em 2021, Meenakshi entrou no 11° ano e tornou-se a primeira menina da escola a inscrever-se no currículo de ciências. Ela dizia na época que sua felicidade não tinha limites.
Naquela época, a pandemia de coronavírus havia mudado as vidas das pessoas. Milhões perderam seus empregos durante os lockdowns intermitentes e muitos precisaram retornar para suas cidades e aldeias de origem.
Foi também uma época em que muitos pais de meninas jovens, ansiosos pelas perspectivas de futuro das filhas, arranjaram seus casamentos. Diversas colegas de classe de Meenakshi se casaram nesse período, mas ela esperava poder aguardar um pouco mais.
“Não sei qual é a idade certa [para me casar], mas nós não deveríamos nos casar antes de realizar os nossos sonhos!”, dizia ela, desafiadora. Mas, em 5 de fevereiro de 2022, ela se tornou parte da estatística.
Ainda é possível ver a pintura de henna – uma tradição das noivas indianas – nas mãos de Meenakshi enquanto ela pega seu telefone celular, que está vibrando com mensagens do seu marido de 16 anos. Suas pulseiras vermelhas tilintam enquanto ela digita sua resposta.
O marido de Meenakshi também está estudando e os pais da menina disseram que ela pode permanecer na escola por enquanto. Ela espera que seus pais e sogros permitam que ela estude pelo tempo que quiser.
Sonho de trabalhar em um banco
O entusiasmo é visível no rosto de Shiwani quando ela fala em estudar. Ela adora ir à escola e sonha em ser bancária.
Mas, quando sua mãe pega seu álbum de casamento no armário, Shiwani desperta para a realidade. Ela sabe que pode não ter controle sobre seu futuro quando terminar o ensino médio.
Shiwani e sua irmã mais velha Ashu casaram-se no mesmo dia. Seu tio marcou os casamentos junto com o da própria filha, depois que o pai das meninas ficou doente.
“Nada mudou. Eu me casei com 15 anos e minha filha também”, conta a mãe de Shiwani.
O pai de Shiwani prometeu deixá-las terminar o ensino médio e as irmãs se agarram a essa esperança com firmeza.
Ashu mudou-se para a casa do seu marido antes de saírem os resultados dos exames. Ela queria estudar mais, talvez até tentar a faculdade de Direito, e esperava que seus sogros pudessem concordar.
Mas, em alguns meses, ela ficou grávida e deu à luz no início deste ano.
Enquanto a vida continua na aldeia em um dia claro de outono, Priyanka, Shiwani e Meenakshi encontram sua amiga Monu, que não enfrenta pressão imediata para casar-se. Elas gritam de emoção em uma barulhenta roda-gigante.
À medida que as meninas giram cada vez mais rápido, elas esquecem suas preocupações por um momento magnífico.
Esta reportagem teve apoio do Fundo de Emergência para Jornalistas da National Geographic Society.
Todas as imagens estão sujeitas a direitos autorais.
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