- Author, Felipe Souza e Fernando Otto*
- Role, Enviados da BBC News Brasil a Porto Alegre
Desalojada pelas inundações em Porto Alegre (RS), que a fizeram “perder tudo”, a recicladora Pamela Cristina de Brito, de 32 anos, está vivendo em um abrigo na cidade exclusivo para mulheres e seus filhos.
A recicladora conta que, embora não tenha sido vítima de nenhuma situação no abrigo misto onde estava anteriormente e nem tenha ficado sabendo de casos de importunação e violência sexual, sente alívio por estar em um ambiente sem homens, com “mais privacidade”.
“Eu me sinto confortável mais pela minha filha, que é uma adolescente. Ela pode tomar banho, se trocar, pode caminhar sem medo nenhum que ‘vai ter um homem ali que vai ficar me olhando’ ou ‘vai ter um homem ali que vai ficar me falando alguma coisa'”, conta Pamela Cristina, que deixou sua casa completamente inundada no bairro de Vila Farrapos no dia 3 de maio.
“Sempre existe aquele medo porque a gente não sabe o que se passa na cabeça deles [dos homens].”
A BBC News Brasil visitou um abrigo destinado exclusivamente a mulheres no último domingo (12/5), Dia das Mães. Na data, elas receberam flores, além de ter um almoço e jantar especiais – feitos por um chef.
Pamela Cristina e a filha adolescente dela estão dividindo um quarto nesse local com uma amiga e vizinha delas — a faxineira Michele Prestes, 44 anos, que também conta não ter sofrido situações desagradáveis ou criminosas, mas que prefere o abrigo exclusivo para mulheres para ter “mais privacidade”.
De acordo com Cristiane Ramos, diretora da Divisão de Proteção e Atendimento à Mulher da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, há atualmente três abrigos no Estado voltados exclusivamente para mulheres.
Ela relata que, até o momento, não houve muitas denúncias de crimes sexuais no Estado, mas mesmo assim há uma preocupação com a sensação de segurança das mulheres desalojadas.
“Tem muitas situações em que as mulheres sofrem um certo assédio que não é um crime, mas que gera incômodo e medo na hora de dormir”, exemplifica.
Ao mesmo tempo, ela aponta, há casos em que as mulheres não querem ficar longe de parentes e conhecidos.
“Existem mulheres que estão com seus maridos, irmãos, vizinhos e que se sentem mais seguras e tranquilas justamente por estarem com homens das suas famílias ali.”
Segundo Fernando Sodré, chefe da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, foram registrados no Estado, durante a crise atual, cinco denúncias de crimes sexuais como uma tentativa de estupro, um abuso de vulnerável e casos de importunação sexual.
“O abrigo é realmente uma preocupação, porque nós temos abrigos aqui com 7 mil, 8 mil pessoas. Nós estamos com mais de 460 abrigos no Estado, então é muita gente abrigada”, relata Sodré.
“É bem verdade que os abrigos têm pessoas muito diferentes, de todos os tipos de situações, classes sociais, etc. E além de ser um com pouco espaço — uma estrutura necessária para sobrevivência, mas de certa forma não é o conforto que as pessoas têm em suas casas —, isso tende a criar tensão e estresse entre as pessoas.”
Sodré garante que há policiais civis e militares fazendo rondas nos abrigos e, em alguns casos, principalmente em abrigos grandes, fazendo a segurança desses espaços 24 horas por dia.
À BBC News Brasil, o pastor Dari Pereira, responsável por um abrigo em Porto Alegre, relatou que reforçaria a segurança do local após homens chegarem bêbados de madrugada na semana passada. Na ocasião, eles teriam importunado mulheres, falando palavrões e gritando contra elas.
Os homens foram expulsos do abrigo.
Mulheres que forem vítima de abuso ou importunação, podem acionar a Polícia Militar (190), a Polícia Civil (197), a Central de Atendimento à Mulher (180) ou o Disque Denúncia (181).
Mulheres interessadas em serem acolhidas em abrigos exclusivamente femininos devem buscar os centros de triagem nos seus municípios. Esses locais são responsáveis por encaminhar pessoas para os abrigos disponíveis.
Cristiane Ramos, da Polícia Civil, afirma que além de casos chocantes de abuso e importunação, como um vídeo que viralizou nas redes de um casal que teria feito sexo próximo a crianças, há também relatos que acabam sendo desmentidos.
“A gente tem muita fake news, tem muita notícia de crimes gravíssimos circulando, e a gente desloca uma equipe para esse local, chega lá e na verdade não aconteceu aquela situação”, diz Ramos.
Promotora de Justiça no Ministério Público do Rio Grande do Sul, Ivana Battaglin também demonstra preocupação com a desinformação.
“Alguns casos de importunação sexual foram equivocadamente relatados como abuso ou estupro, alimentando ondas de desinformação que levaram a um clima de pânico, retratando todas as mulheres e meninas como extremamente vulneráveis nos abrigos”, aponta a promotora.
“O pânico é prejudicial, e é importante que a população entenda que não é todo o abrigo que é inseguro.”
“Ao menos isso teve uma resposta positiva: levou à criação de abrigos exclusivos para mulheres e meninas, uma resposta positiva em meio à tragédia.”
Segundo Battaglin, houve algumas denúncias de assédio sexual e “casos muito pontuais” de estupro de vulneráveis no Estado.
“O relato diz sobre meninas muito jovens, ainda consideradas crianças, que tinham relacionamento matrimonial com adultos. Isso é considerado estupro de vulnerável. É importante ressaltar que esses casos não foram causados pelo abrigo, eles já existiam antes, mas foram expostos pelo local.”
Uma psicóloga ouvida pela reportagem e que preferiu não se identificar afirma que os abrigos “refletem o que ocorre na sociedade, seja violência contra mulheres ou violência sexual contra crianças”.
“Esses abrigos em formação se tornam pequenas cidades, e como pequenas cidades, eles reproduzem tudo o que ocorre em nossa sociedade”, compara a psicóloga, que é perita em uma vara criminal que lida com crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.
Entretanto, ela também aponta para os riscos da desinformação.
“Precisamos ressaltar isso para evitar o pânico de que os abrigos são perigosos ou desprotegidos. Conhecendo essa realidade, o Estado tem investido em policiamento, guarda municipal e pessoal noturno para monitorar as instalações e prevenir situações indesejadas, como idas e vindas aos banheiros.”
“Essas situações não devem ser amplificadas irresponsavelmente a ponto de gerar o caos e a percepção de que esses locais não são seguros”, conclui a psicóloga.
*Colaboraram Giulia Granchi e Mariana Alvim, da BBC News Brasil em São Paulo
Fonte: BBC
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