- Jonny Dymond
- Correspondente de família real da BBC
Este é o momento em que a história para, por um minuto, uma hora, um dia, uma semana; este é o momento em que a história para.
Ao longo de uma vida e um reinado, dois momentos de duas eras muito diferentes iluminam a corrente que une muitas décadas. A cada uma delas uma cadeira, uma mesa, um microfone, um discurso. Em cada, uma voz estridente, de vogais precisas, a leve hesitação em falar em público que parece nunca tê-la deixado.
Um momento é salpicado pelo sol, embora o povo britânico estivesse sofrendo um terrível inverno pós-Segunda Guerra. Uma jovem, quase uma menina ainda, senta-se de costas eretas, cabelo preso, com pérolas ao redor do pescoço. Sua pele jovem é impecável, ela é muito bonita. Uma vida se abre diante dela.
Ela promete sua vida diante de um público ao redor do mundo. Ela diz: “Não terei a força para carregar essa resolução sozinha”. E pede companhia para os dias que virão.
O outro discurso é mais formal. Mais de sete décadas mais tarde, no 75° aniversário do dia em que a guerra terminou na Europa, ela senta atrás de uma mesa, com uma foto de seu pai, o falecido rei, em uniforme, à sua direita.
Seu cabelo, ainda preso, agora está grisalho. Ela usa um vestido azul, dois broches, três colares de pérola. As muitas décadas deixaram sua marca, mas seus olhos ainda brilham e sua voz ainda é clara. A escrivaninha está praticamente vazia, exceto pela foto e, em primeiro plano, por um chapéu cáqui escuro, com um emblema.
“Todos tiveram um papel a cumprir”, ela diz sobre a guerra.
O chapéu pertencia à segunda subordinada Windsor, do Serviço Territorial Auxiliar (ATS). A jovem princesa havia insistido com o pai para que ele a deixasse se juntar ao ATS, para que ela pudesse servir em uniforme, mesmo que a guerra que a definiu – e por muitas décadas definiu o país – se aproximasse do fim. Agora, 75 anos depois, aquele chapéu tem um lugar de orgulho enquanto ela fala à nação sobre o aniversário de uma vitória heroica.
O chapéu é um lembrete singelo do que ela mais admirava – serviço. O serviço que ela ofereceu nos anos dourados antes do reinado, que ela acompanhou nos anos que dedicou à nação, à Comunidade Britânica e ao império; o serviço que ela acreditava estar no coração da Coroa que ela herdou e à qual devotou sua longa vida.
Três décadas depois daquele juramento de serviço, ela se permitiria um momento raro de introspecção pública. “Embora aquele juramento tenha sido feito quando eu ainda era imatura em discernimento”, ela disse em seu Jubileu de Prata, “não me arrependo de nenhuma palavra”.
Ela falou pouco ao longo das décadas, e revelou menos ainda sobre si mesma em público. Ela – uma filha da era da transmissão televisiva – nunca deu uma entrevista. Vez ou outra era filmada “em conversa” com algum amigo confidente, falando sobre algo não controverso, como a coleção de joias reais.
Suas palavras eram esmiuçadas em busca de traços de controvérsias ou de informações sobre sua personalidade. Mas ela era muito cuidadosa – e seus amigos, muito leais – para que qualquer coisa pudesse escapar.
Ela não negligenciou o meio que ascendeu junto com ela. Foi sua decisão permitir que sua coroação fosse televisionada, que seu discurso natalino fosse televisionado; foi sua decisão falar ao vivo ao país após a morte da princesa Diana. “Quero ser vista para ser acreditada”, ela diria.
Cobertura televisiva e pelos jornais, as fotos sem fim dela em suas roupas de gala, eram parte do que era ser rainha, parte do trabalho ao qual prometeu sua vida. Falar sobre seus sentimentos publicamente não era parte disso.
E ela veio de uma geração – e de uma nação – que não sentia a necessidade de compartilhar seus sentimentos. A nação mudaria. Ela, não.
Aqui, destino e personalidade colidiriam. Era seu destino assumir a Coroa enquanto o país mudava rapidamente. Mas a rainha era aberta sobre seu apreço pela tradição, pelo modo como as coisas sempre haviam sido feitas, e seu desgosto com mudanças.
Seu coração estava no campo, e lá, com cavalos e cães entre os que gostavam tanto dos animais quanto ela, estava o conforto de um lugar que mudava pouco, se tanto.
“Acho que uma uma das coisas tristes”, ela diria ao fim de seus oitenta anos, “é que as pessoas não têm trabalhos para a vida toda, tentam coisas diferentes o tempo todo”.
Monarca e monarquia se encaixavam como uma luva; uma soberana que desfrutava da tradição estabelecida nisso.
Para além dos muros do palácio, um turbilhão de mudanças transformaria o Reino Unido. Ela chegou ao trono em um momento de mudança na história britânica. Vitorioso – mas exaurido – na guerra, o país não tinha mais poder global, militar ou econômico.
A ascensão de sindicatos, a provisão de serviços públicos e a criação do bem-estar universal sinalizaram mudanças amplas na organização do Estado e da economia. O recuo imponente do império virou uma saída apressada.
À medida que seu reino progredia, a velha ordem – Igreja e aristocracia, as gradações de classe e “saber o seu lugar” – desabava. Sucesso financeiro e celebridade substituíram o berço como medida de êxito social.
Bens de consumo – geladeiras, máquinas de lavar, televisores e aspiradores – transformaram casas e vidas. As mulheres entraram no mercado de trabalho; antigas comunidades trabalhadoras foram varridas com as casas precárias que as abrigavam; uma sociedade antes coesa e homogênea virou móvel, atomizada e diversificada, tirada de velhas certezas e lealdades.
Havia mudanças no palácio também, principalmente no início do reinado – o fim da “temporada de debutantes” fez com que as filhas das “melhores” famílias deixaram de ser apresentadas à corte, e novos rostos foram vistos entre os convidados para almoçar e jantar. Com a televisão, os britânicos puderam ver sua rainha e como ela vivia – primeiro, nos pronunciamentos de Natal, depois em um longo documentário, nos anos 1960.
Mas isso eram mudanças com “m minúsculo”; quando chegava ao fim sua sétima década no trono, o ritmo da monarquia continuou a ser reconhecível, que provavelmente não surpreenderia seu pai ou mesmo seu avô: Natal e Ano Novo em Sandringham, Páscoa em Windsor, verões em Balmoral; as cerimônias de Trooping the Colour, Royal Ascot, as investiduras, a Troca da Guarda, as homenagens às vidas perdidas nas guerras.
Quando as mudanças pressionavam por todo lado, ela resistia. Seu destino era herdar a coroa enquanto o país estava à beira da mudança, e reinar enquanto a mudança rondava o palácio. Sua personalidade ditava que ela não mudaria junto, que não se curvaria a modas. Essa resistência e profunda apreciação – amor, até – pela tradição eram sua grande força, e talvez a tenham levado a seu maior teste, enquanto sua família entrava em crise.
A família sempre veio em segundo lugar para a Coroa. Quando seus dois primeiros filhos, o príncipe Charles e a princesa Anne, eram crianças pequenas, foram deixados de lado – assim como ela e sua irmã, a princesa Margaret, haviam sido deixadas de lado por seus pais décadas antes – quando a rainha e o duque de Edimburgo embarcaram em um tour de seis meses pelo mundo.
Ela não foi uma mãe sem sentimentos, mas sim remota. A Coroa e suas responsabilidades chegaram a ela quando tinha apenas 25 anos, e ela assumiu as responsabilidades com muita seriedade. Muitas decisões sobre os filhos foram delegadas ao duque.
Três dos quatro filhos tiveram casamentos que terminaram em divórcio. Ela acreditava em casamento, era parte de sua fé cristã e do seu entendimento do que unia a sociedade. “Divórcio e separação”, ela disse uma vez, “são responsáveis por alguns dos piores demônios da sociedade hoje”.
Essa visão, compartilhada por muitos nos anos 1940, se suavizou com o passar do tempo. Mas nenhum pai ou mãe quer ver o fracasso do casamento de um filho. O autoproclamado “annus horribilis” em 1992 teve a separação do duque e da duquesa de York, o divórcio da princesa Anne do capitão Mark Phillips e a separação do príncipe e da princesa de Gales.
“Um ponto baixo em sua vida”, escreveu um biógrafo, não por causa do que levou a uma rara admissão de que os tempos andavam difíceis, mas “por causa da ausência de gratidão, e mesmo de chacota, que pareciam ter coroado seus 40 anos de dedicação”.
Sua primeira década havia passado com adulação, internamente e no exterior. Vastas multidões apareciam para ver seus tours internacionais. Em casa, alguns proclamaram uma nova era elizabetana, embora a rainha tenha sido esperta o suficiente para rapidamente repudiar isso.
Nos anos 1960, houve um lento período de calmaria – a rainha estava mais envolvida com sua família, a novidade de ter uma nova monarca havia passado, a geração pós-guerra do baby boom agora crescia e ganhava novas paixões, diferentes das de seus pais. Os anos 1970 e 80 não deram trégua ao seu trabalho, mas o foco dos entusiastas da realeza – e da imprensa – mudou para seus filhos, seus casamentos e seus parceiros.
No meio dos anos 1990, a monarquia parecia distante do ânimo popular; colunistas de jornais criticavam a rainha diretamente e contemplavam o futuro da monarquia. Seu reinado às vezes parecia associado a outra época. Qual seria o seu lugar – e da monarquia – em meio à nova “cool Britannia” e ao estilo informal abraçado pelo premiê Tony Blair? Como o palácio – um repositório de tradição – se encaixaria na demanda popular por mudança expressada em uma vitória avassaladora do Partido Trabalhista?
Poucos meses depois dessa vitória, em uma noite em Paris, ocorreu a morte da princesa de Gales, Diana. Um tapete de flores cobriu a entrada do Pálacio de Kensington. O mastro da bandeira sobre o Palácio de Buckingham permaneceu vazio. Muitos britânicos ficaram desolados com a morte da princesa.
“Mostre-nos que você se importa”, dizia a manchete do jornal Daily Express. “Onde está nossa rainha? Onde está a bandeira?”, exigiu o The Sun. Por cinco longos dias, a rainha permaneceu em Balmoral, aparentemente sem perceber a emoção que tomava partes do país. Talvez, como o palácio anunciaria pouco depois, a intenção fosse proteger e consolar os jovens príncipes William e Harry.
Mas, dada sua personalidade, esse profundo desgosto por mudança parece ter motivado as decisões tomadas na época. O momento em Balmoral não deveria ser interrompido, nenhuma bandeira seria hasteada no Palácio de Buckingham na sua ausência, a meio-pau.
Foi um erro terrível de discernimento. Ela voltou apressadamente à capital e a Buckingham. Parou para ver as flores que se empilhavam. “Não tínhamos certeza”, disse um ex-assessor a um biógrafo, “de que a rainha não seria vaiada ao sair do carro”.
Ela inicialmente se recusou a fazer um pronunciamento, mas sucumbiu e concordou em falar ao vivo. Falou à nação pouco antes do noticiário das 18h da BBC, com pouco tempo para se preparar.
Sua performance foi impecável; um discurso curto mas em tom perfeito. Falou das “lições a serem aprendidas”, falou como “avó” e falou “da determinação de honrar” a memória de Diana.
Foi um triunfo, depois de uma grave crise. No seu reinado, naquele momento, destino e personalidade haviam colidido com consequências quase desastrosas.
Mas eles se combinariam com mais sucesso no papel internacional da rainha. Nos seus últimos anos de vida ela parou de viajar. Mas por décadas foi não só uma celebridade global inigualável, como também um instrumento sutil de influência.
Nada se comparou à primeira década do seu reinado, antes de a televisão tornou suas aparições comuns. Na sua longa turnê pela Austrália, em 1954, dois terços do país apareceram para vê-la pessoalmente; em 1961, 2 milhões de pessoas se enfileiraram do aeroporto até a capital indiana, Nova Déli; em Calcutá, 3,5 milhões esperaram para ver a filha do último imperador.
O destino também ditaria que ela reinaria durante o ocaso do império britânico, embora a rainha nunca tenha comparecido a nenhuma cerimônia de retirada da bandeira britânica. Muitas vezes nos anos 1950 e 60 um membro da família real assistiu à bandeira britânica ser baixada de alguma ex-colônia, e o hino ser tocado pela última vez.
A determinação de que algo deveria emergir da família imperial que ela prometeu servir fez com que ela construísse uma nova associação (a Commonwealth) das cinzas do legado do império britânico.
Em palácios e casas pela capital e pelo país vivia sua família de sangue. Pelo mundo se espalhava sua família territorial – um grupo de nações diversas, grandes e minúsculas, ricas e pobres, repúblicas e monarquias – que ela encantou, persuadiu e tentou lembrar do que os unia e o que podiam conquistar juntos.
Turnês internacionais eram feitas em nome do governo que estivesse no poder, como ferramentas de política internacional – se não explicitamente, ao menos no entendimento de que a influência da rainha beneficiaria as relações entre o Reino Unido e os países que visitasse.
Parecia glamouroso – o iate real, o voo real, banquetes e galas – e, antes de viagens internacionais se tornarem algo comum, era uma experiência extraordinária. Mas também algo trabalhoso, de dias longos e cerimônias, exibições, inaugurações, almoços com autoridades, jantares oficiais e discursos. Observadores das turnês reais diziam ser difícil imaginar que aquilo fosse divertido.
Ela raramente saiu de férias fora do Reino Unido – viajar para o exterior era sinônimo de trabalho, em viagens que marcaram as mudanças nas relações britânicas com os lugares visitados: a Alemanha pós-guerra em 1965, a China em processo de liberalização em 1986, Rússia em 1994, uma vez que o regime que havia assassinado seus parentes havia sucumbido.
Uma viagem à África do Sul pós-apartheid, em 1995, ela chamou de “uma das experiências mais incríveis da minha vida”. O presidente Nelson Mandela respondeu: “Um dos momentos mais inesquecíveis da nossa história”.
E nenhuma visita marcou uma relação mutante mais do que sua viagem à Irlanda em 2011. Nenhum monarca britânico havia estado ali por um século. Quando seu avô havia visitado o país, em 1911, a ilha da Irlanda era unida, parte do Reino Unido. Uma partilha violenta e uma independência se seguiram.
Depois da Segunda Guerra Mundial, houve atos de violência contra a fronteira e, nos 30 anos seguintes, haveria uma brutal campanha extremista na Irlanda do Norte e no Reino Unido contra o mando britânico, com dura reação do governo britânico e polarização na opinião pública.
Nunca havia existido um momento adequado para uma visita real por causa da desconfiança entre Grã-Bretanha e Irlanda. Com um acordo e o estabelecimento de uma assembleia que dividiu o poder, veio o fim da reivindicação irlandesa pelos seis condados que formam a Irlanda do Norte.
Em sua visita de Estado, estendida pela própria vontade da rainha, não houve como escapar da história. No centro de Dublin, onde quem lutou pela independência irlandesa é lembrado e honrado, ela depositou flores e, espontaneamente e sem roteiro, baixou a cabeça aos homens e mulheres que haviam lutado contra o poder britânico, em um momento eletrizante.
No jantar, ela iniciou seu discurso em gaélico, conquistando corações irlandeses. Naquela fala, ela falou a língua das desculpas, embora não tenha se desculpado diretamente: “Com o benefício da distância histórica, todos nós podemos ver coisas que gostaríamos de ter feito de modo diferente, ou não ter feito”.
Antes da visita à Irlanda, um biógrafo escreveria que “era difícil apontar grandes conquistas” em seu reinado. Tal percepção não se manteria depois. Os quatro dias de palavras ditas com perfeição ajudaram a persuadir países a por fim a séculos de desconfiança. Talvez tenha sido o maior serviço da rainha à Coroa e ao seu país.
A Irlanda havia assombrado muitos premiês britânicos. O primeiro da rainha, Winston Churchill, havia falado dos melancólicos campanários de Fermanagh e Tyrone se erguendo depois da Primeira Guerra Mundial para atormentar a política britânica. Seu último premiê, Boris Johnson – embora ela tenha se encontrado com a nova premiê Liz Truss para dar início ao novo governo -, lidaria com as implicações das mudanças na fronteira entre as Irlandas por conta do Brexit.
Todos puderam contar com os aconselhamentos da rainha, sua experiência, sua perspectiva da história britânica e mundial. Seu trabalho, nas audiências semanais que ela compartilhava com os premiês, não era defender uma causa individual, ou tentar convencer o governo de um jeito ou outro. Ela estava lá para aconselhar, encorajar e advertir.
E também para ouvir. Todos os premiês tinham a certeza de que nada escapava dela. Então era alguém com quem podiam falar livremente que entendia as engrenagens do Estado. Para muitos premiês, tão comumente em dificuldades, isso era também um alívio, um escape de ter de estar com a guarda erguida perante colegas e rivais.
“Eles desabafam para mim ou me contam o que está acontecendo”, ela disse em meados do seu reinado. “Se eles têm problemas, também podem ser ajudados. Acho que é (…) como ser uma espécie de esponja.”
Aqui ela era também autodepreciativa. Quase nada rompia o silêncio confessional em torno dessas reuniões, exceto pelos elogios ao extraordinário esforço da rainha em seu trabalho. As caixas vermelhas contendo papéis estatais iam a todo lugar com ela, até mesmo no iate.
Por três horas por dia, segundo estimou o secretário privado da rainha nos anos 1970, ela lia telegramas do Ministério das Relações Exteriores, relatórios parlamentares, memorandos e minutas ministeriais.
E ela lembrava o que lia, às vezes surpreendendo os premiês. “Fiquei impressionado”, escreveu Harold Macmillan, “com o conhecimento da sua majestade de todos os detalhes enviados em mensagens e telegramas”.
O papel político da Coroa havia definhado a quase nada à época que ela havia chegado ao trono. Duas áreas em que ela como monarca tinha autoridade sobreviveram: quem chamar para virar premiê e formar um governo, e quando o Parlamento pode ser dissolvido.
No início do seu reinado, antes que os conservadores tivessem regras próprias para eleger seus líderes, ela exerceu seu discernimento, em meio a alguma controvérsia, quanto a quem ela chamaria para formar um governo quando um premiê conservador renunciasse antes que houvesse eleições gerais.
Mas, assim que os conservadores passaram a eleger seus líderes, esse discernimento deixou de ser necessário. E ao longo das décadas, a mera ideia do palácio se envolver em tal decisão se tornou alienígena à política britânica.
As conversas ao redor de eleições duramente disputadas eram de “proteger” o palácio de ter que tomar decisões políticas quanto a quem convocar para formar um governo se não houvesse um vencedor claro.
A rainha nunca teve motivo para negar uma dissolução do Parlamento, e teria sido um ato extremo. Ela entendia o papel circunscrito que havia herdado.
E voz política da Coroa era quase silenciosa também. Muito se deduzia do que um biógrafo chamou de “truísmo” de que ela se dava melhor com líderes trabalhistas do que conservadores. Por todas as dificuldades sociais que ela pode ter tido com Margaret Thatcher, a rainha compareceu ao funeral dela, honraria dada apenas a outro primeiro-ministro até então – Winston Churchill.
Sua crença pessoal pode ter tendido ao centro do espectro político; ela cresceu em uma era de paz que valorizava as durezas da guerra, o serviço de saúde pública, e, enquanto o Estado estendia suas responsabilidades sobre a educação e o bem-estar dos cidadãos. As rixas dos anos 1980 – desemprego crescente, protestos nas cidades, cortes orçamentários e greves de mineiros dividindo as comunidades – marcaram o fim de uma visão do Reino Unido.
Um relatório excessivamente entusiasmado de um assessor de imprensa palaciano ao jornal Sunday Times em 1986 sugeriu dissatisfação quanto à direção que as políticas governamentais e o que, segundo ele, a rainha via como corrosão do consenso pós-guerra. Foi um breve vislumbre sobre o que pensava uma soberana que acreditava que um de seus papéis era unir uma nação cada vez mais dividida.
E duas vezes ela entrou no debate sobre a independência escocesa, uma vez em discurso nos anos 1970 e outra vez pouco antes do plebiscito de 2014. Foi muito político? Para alguns nacionalistas, sim. Mas não foi surpreendente que ela instasse cautela àqueles que se preparavam para decidir se queriam ou não deixar o Reino Unido.
Será que sua personalidade conservadora moveu a forma como ela conduzia seu papel político? Talvez, em algum grau. Mas o último monarca a se envolver na política fora seu avô George 5°. Quando ela ascendeu ao trono, o papel político havia acabado. Seu destino institucional era ser um criptograma. Isso ela entendeu desde o começo. Aqui, destino e personalidade andaram juntos.
Foi evitando controvérsias políticas como chefe de Estado e recusando a moldar a monarquia aos ventos da moda que ela conseguiu triunfar no papel que lhe renderia amor e respeito de muitos.
Esse é o grande papel não escrito da monarquia moderna. É aqui que, desprotegida pela tradição e despreparada pelos precedentes, sua personalidade moveu seu reinado.
Seu avô havia erguido as fundações de uma monarquia para servir em vez de mandar na nação, mas passava a maior parte do tempo caçando aves. O reinado de seu pai foi decidido pelo destino – foi colocado em um papel que não esperava ter e usou uniforme militar durante a maior parte de seu tempo como rei.
Após as catástrofes e críticas dos anos 1990, a sorte da monarquia cresceu novamente. Enquanto a desilusão se seguia às altas expectativas de mudanças políticas, e o cinismo se enraizou e líderes políticos ridicularizavam, uma rainha incontroversa e nunca excessivamente na moda virou uma figura de continuidade incorruptível para uma nação impactada por mudanças, decepções e divisões.
Foi a recompensa da nação pela paciência infinita dela, por sua recusa em ser emotiva em público, em compartilhar seus pensamentos, em se inclinar à esquerda ou à direita, em se envolver em causas da moda ou responder às críticas direcionadas a ela ou sua família ao longo das décadas.
Ela se manteve distante de tudo isso não por hierarquia, mas porque ela – com uma presciência surpreendente – nunca se envolveu com o superficial do dia a dia, o ir e vir da vida moderna.
Ela entendia que o ritmo da monarquia – as tradições e cerimônias, os nascimentos e casamentos e mortes – dava conforto aos que às vezes ficavam impressionados pelo fim do passado. E servia como lembrete de que o pulsar da vida era compartilhado entre classes, idades e circunstâncias.
E ela entendia que nem tudo na vida nacional tinha de ter um propósito explícito, que para uma nação conservadora diante de tantas mudanças, a continuidade que ela representava pessoalmente e profissionalmente tinham um valor incomensurável.
Ela, que com intuição forte, prometeu uma vida de serviços décadas atrás, fez da monarquia um repositório do muito que a nação amava em si mesma.
Ela conseguiu isso porque sua personalidade refletia muito do que os britânicos gostam de pensar como sendo o melhor de si: modestos, não queixosos, frugais, inteligentes se não intelectuais, sensatos, pé no chão, diretos, com um senso de humor seco e uma grande risada, lentos a demonstrar raiva e sempre de bons modos.
“Sou o último bastião dos padrões”, ela uma vez disse. Ela não estava exibindo melhores modos ou etiqueta que os demais. Estava explicando seu papel e sua vida. Era sua vida e seu trabalho ser o melhor do Reino Unido. Foi o serviço que ela prestou.
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