- Author, Alice Cuddy*
- Role, De Israel para a BBC News
Atenção: esta reportagem contém detalhes que podem ser considerados perturbadores por alguns leitores.
“Deus nos livre.”
Pouco depois do nascer do sol, na manhã de sábado, 7 de outubro, surge uma mensagem nos 200 telefones celulares do grupo de WhatsApp das mães do kibbutz Be’eri.
Minutos depois, chega outra mensagem: “Temos um terrorista na escada. Chamem alguém.”
Combatentes do Hamas haviam dado início ao que seria um dia inteiro de angústia naquele kibbutz (comunidade coletiva) no sul de Israel. As mulheres do grupo passariam as 20 horas seguintes compartilhando seu horror, descrença e mensagens tranquilizadoras pelo aplicativo, enquanto os militantes percorriam a vizinhança, matando os moradores a tiros e incendiando as casas.
Escondidas em quartos secretos, essas mulheres – algumas delas, com suas famílias – descreveram os gritos e explosões que vinham do lado de fora. Elas contavam umas às outras onde estavam os militantes, divulgavam instruções sobre como lidar com a fumaça que invadia seus quartos e pediam ajuda repetidamente.
E, em alguns casos, essa ajuda nunca chegou.
À medida que as horas se passavam, elas faziam perguntas. Onde está o exército? Por que a ajuda está demorando tanto? Alguém pode, por favor, procurar a minha mãe? Como tranco meu quarto seguro? Devemos abrir a porta para um homem que afirma ser um soldado?
Em dado momento, alguém mudou o nome do grupo para “Mães de Be’eri – Emergência”.
As conversas do grupo foram compartilhadas com a BBC por uma mulher indicada pela comunidade para falar à imprensa após os ataques. Ela é uma das mães do grupo e compartilhou os detalhes para nos mostrar como foi o desenrolar daquele dia de terror – e como aquele grupo foi a tábua de salvação daquelas mulheres nas horas mais desesperadoras das suas vidas (que, em muitos casos, foram também as últimas).
Nós não conseguimos buscar a permissão de todas as 200 mulheres que faziam parte daquele grupo. Mas três delas concordaram em nos contar suas histórias em detalhes. E mantivemos todas as outras trocas de mensagens em forma anônima, com o cuidado de garantir que nenhuma delas possa ser identificada, protegendo sua privacidade.
Algumas das participantes do grupo não foram encontradas e provavelmente estão mortas ou desaparecidas. As sobreviventes estimam que cerca de 100 pessoas foram mortas e muitas foram capturadas como reféns.
Minuto a minuto, o chat revela em detalhes inéditos como o Hamas perseguiu, assassinou e queimou pessoas nas suas próprias casas, indo e voltando, repetidamente. É uma percepção do sentimento que varreu o sul de Israel enquanto os combatentes do Hamas cruzavam a fronteira e devastavam dezenas de comunidades.
Ele mostra como os moradores sobreviveram e se ajudaram. E também documenta, minuto a minuto, o desespero cada vez maior das pessoas, à medida ficava claro que elas não seriam resgatadas rapidamente pelo Estado israelense.
Como tudo começou
Dafna Gerster tem 39 anos. Ela havia vindo da Alemanha e passou a noite de sexta-feira no kibbutz onde ela cresceu.
Eles se reuniram na casa do seu pai e jogaram o jogo de tabuleiro Camel Up até altas horas da noite, quando ela e seu marido dormiram no apartamento do irmão dela, perto dali.
Eles sabiam que o dia seguinte era um sábado, o dia de descanso dos judeus, quando as famílias poderiam se reunir novamente.
A comunidade fica ao lado da fronteira com a Faixa de Gaza. Por isso, eles estão acostumados com mísseis.
Mas, quando Gerster acordou com o barulho dos foguetes às 6h30, ela imediatamente soube que algo estava diferente.
“Normalmente, você ouve um alarme e um disparo do [sistema de defesa antimísseis de Israel] Domo de Ferro. Desta vez, não houve alarme e foi muito alto. É um som que não conseguimos identificar”, relembra ela.
“Fui até o quarto do meu irmão e perguntei: ‘o que é isso?'”
Como as outras pessoas do kibbutz, eles correram até o quarto seguro – um quarto feito de concreto reforçado com portas de aço herméticas e janelas projetadas para suportar ataques de mísseis.
Mas logo ficou evidente que os mísseis não eram a única ameaça. Surgiu no grupo de WhatsApp a notícia de que alguém havia sido alvejado e que havia homens armados nas ruas.
Imagens do circuito fechado de TV, verificadas pela BBC, mostram um pequeno grupo de militantes do Hamas chegando ao portão do kibbutz antes das seis horas da manhã.
Um carro chega, o portão se abre e os militantes correm para dentro depois de matarem os ocupantes do veículo. Um vídeo de alguns minutos depois mostra os mesmos dois militantes do Hamas atravessando uma praça, carregando suas armas.
Ao mesmo tempo em que as primeiras mensagens começaram a ser compartilhadas no grupo de WhatsApp, as imagens gravadas pela câmera mostram três motocicletas, cada uma com dois militantes do Hamas fortemente armados, deixando a área pelo mesmo portão.
Outro vídeo mostra os militantes no kibbutz às 9h05, três horas depois que eles entraram pela primeira vez. Nele, aparece o mesmo carro alvejado na primeira imagem, com pelo menos um corpo que foi arrastado e estirado na rua.
Por todo o kibbutz, a comunidade se escondeu nos seus quartos seguros. E a sensação de pavor no grupo aumentou quando muitas pessoas começaram a ter dificuldade para trancar as portas dos quartos.
“Como se faz uma trava de emergência? Como sabemos se ela realmente está trancada?”, alguém perguntou.
“Você consegue trancar o quarto seguro?”, perguntou outra pessoa.
“Contra mísseis, sim, mas contra terroristas, não.”
Imagens com instruções para trancar as portas foram compartilhadas no grupo de WhatsApp. Mas as pessoas que não conseguiam trancá-las temiam que o Hamas pudesse simplesmente entrar nos quartos.
Os sons do lado de fora
Na casa de Michal Pinyan, de 44 anos, seu marido havia saído do quarto seguro para trancar a frente da casa. Foi quando a família ouviu gritos em árabe no lado de fora, seguidos por tiros.
Depois de correr de volta para o quarto seguro, o marido de Pinyan construiu um dispositivo de trava com cordas e um taco de basebol, que ele ficou segurando pelas quase 19 horas que eles passaram no quarto.
No silêncio assustador dos quartos seguros, as pessoas não se arriscavam a gritar, mas digitavam freneticamente. Pinyan acompanhava o fluxo das mensagens.
Elas não conseguiam ouvir o que acontecia no lado de fora, exceto pelos sons abafados através das espessas paredes. Mas, do pouco que conseguiam entender, elas tentavam em conjunto compreender o que estava acontecendo.
As pessoas compartilhavam mensagens de “batidas frenéticas” na porta enquanto os combatentes iam de casa em casa.
“Não são batidas, são tiros”, alguém disse.
Durante a primeira hora do ataque, as pessoas contavam ao grupo que conseguiam ouvir os tiros na vizinhança ou fora de uma casa específica. As respostas eram inevitáveis: “também ouvimos”.
“Entendemos que não era um único terrorista, era um ataque em massa”, conta Pinyan. “De cada canto do kibbutz, nós ouvíamos ‘eles estão aqui, eles estão aqui’. Eles estavam em todos os lados ao mesmo tempo.”
À medida que ficava clara a escala do ataque, postagens temerosas e frustradas invadiram o grupo, perguntando quando chegaria o exército – e por que ainda não estava por lá.
“Você consegue ouvir os tiros por perto. Espero que seja o primeiro esquadrão de resgate atirando”, escreveu uma mulher. Ela se referia a uma pequena unidade do kibbutz que reage a alertas de intrusos antes de entregar os trabalhos para os militares.
O irmão de Gerster, Eitan Hadad, fazia parte daquela unidade e correu para ajudar, deixando o casal no quarto seguro. Mas aquela seria a última vez em que ele seria visto.
“Ele saiu e nós ficamos no quarto seguro”, ela conta. “Foi simplesmente um horror.”
“Você não sabia o que estava acontecendo, você só ouvia os tiros a todo momento, bombas e lutas. E não parava por um minuto.”
A unidade de resgate de cerca de 10 pessoas claramente não foi páreo para os militantes do Hamas.
No WhatsApp, as pessoas relatavam cada vez mais tiros e homens falando árabe no lado de fora. Os apelos desesperados por ajuda ficaram mais frequentes.
“Estou em casa sozinha e muito assustada”, escreveu uma moradora.
Em outro ponto do kibbutz, Shir Gutentag estava tentando confortar calmamente suas filhas de oito e cinco anos de idade, enquanto acompanhava as mensagens no WhatsApp sem acreditar no que lia.
“Primeiro, quando percebi que havia terroristas no kibbutz, fiquei abalada”, ela conta. “Fiquei em choque. Mas logo disse para mim mesma, ‘você precisa ficar calma’, porque elas estão olhando para mim, minhas filhas, vendo minhas reações e começando a ficar em pânico.”
“Então, disse a elas que estava tudo bem. Tudo iria ficar bem”, relembra ela.
Já haviam se passado horas desde o início do ataque e a crise só piorava. O Hamas invadia as casas das pessoas e ameaçava os quartos seguros. Enquanto isso, os membros do grupo de WhatsApp imploravam por ajuda.
‘Seu pai não está bem’
Pinyan lia os pedidos de ajuda e enviava mensagens para sua família, em um grupo separado no WhatsApp. Ela compartilhou com a BBC o conteúdo daquele grupo, que mostra uma percepção assustadora do desespero da família enquanto detalhava o ataque do Hamas em tempo real.
Por volta das 9h30, a mãe de Pinyan escreveu no grupo da família que estava ouvindo vozes em árabe fora de casa. Quinze minutos depois, outra mensagem confirmou que o pai de Pinyan havia sido ferido.
Pinyan havia tentado ficar em silêncio no seu quarto seguro até então. Mas ela simplesmente não conseguiu permanecer quieta e ligou para sua mãe, que atendeu o telefone sussurrando.
“Eles estão aqui, eles atiraram no seu pai, ele não está bem”, ela disse. “E, em seguida, ela desligou”, segundo Pinyan.
Sua mãe continuou escrevendo no grupo da família: “socorro, socorro”.
Os combatentes do Hamas usaram uma arma para arrombar a porta do quarto seguro e atiraram no pai de Michal Pinyan quando ele tentou revidar. Em seguida, eles atiraram granadas.
Sua mãe escreveu um apelo final por socorro às 10h15. A partir dali, ela não respondeu mais às mensagens dos filhos. Ela também havia sido morta.
Enquanto seus pais estavam sendo atacados, Pinyan enviava mensagens desesperadamente no grupo das mães, pedindo que alguém os ajudasse. Ela continuaria postando mensagens por todo o dia, na esperança de que, de alguma forma, eles houvessem sobrevivido.
E ela não foi a única. Outras pessoas continuavam implorando para que alguém, qualquer pessoa, procurasse pelos seus pais, amigos, primos.
Mas ninguém conseguia. Todos estavam na mesma situação, em barricadas nos seus próprios quartos seguros.
Casas incendiadas
As armas do Hamas eram pistolas e granadas, mas eles também incendiaram casas.
“Toda a casa é só fumaça”, escreveu uma moradora. “O que devo fazer? Digam-me o que fazer.”
“Temos fogo dentro do quarto seguro”, “a janela do quarto seguro está toda preta”, diziam outras mensagens.
Na rua mais próxima à Faixa de Gaza, a casa do pai de Dafna Gerster, Meir Hadad, estava sendo queimada. Hadad é portador de necessidades especiais.
No seu grupo da família, a cuidadora de Hadad, Bhing Sol, filipina de 52 anos, implorava aos seus filhos que buscassem socorro.
“Eles estão aqui”, escreveu ela, referindo-se ao Hamas, em uma mensagem às 9h44.
“Está cheio de terroristas”, escreveu Sol mais tarde. Ela disse que eles pilharam a casa antes de atear fogo.
“O quarto seguro estava cheio de fumaça”, ela conta. “Continuei pedindo a todos que nos ajudassem porque nós poderíamos ser queimados vivos. Mas ninguém podia nos ajudar porque todos estavam apavorados.”
No grupo das mães, outras pessoas também pediram ajuda para Meir.
Como pouca coisa poderia ser feita para atender a todos os apelos, elas ofereciam sugestões práticas umas às outras – pequenas dicas de sobrevivência doméstica que as ajudassem e, talvez, até salvassem suas vidas, nos momentos em que elas estivessem mais indefesas.
Este era o espírito do grupo de WhatsApp, não só naquele dia, mas ao longo dos seus anos de existência. Era um lugar onde as mulheres podiam desabafar, oferecer conselhos e apoiar-se mutuamente.
“Toda a casa está cheia de fumaça, o que devo fazer?”, perguntou alguém. “Tente colocar um pano úmido sobre o rosto. Ou urina”, respondeu outra moradora.
Em outra troca de mensagens, uma moradora escreveu: “não consigo respirar dentro de casa, acho que há um incêndio, socorro, urgente”.
“Fique no quarto seguro e não saia, coloque um pedaço de pano sobre o nariz”, respondeu uma vizinha.
Enquanto a esposa e os filhos de Golan Abidbol (de 44 anos) se abrigavam no quarto seguro da família, ele se pôs na cozinha com uma arma, enquanto via os militantes do Hamas atirarem um coquetel molotov em outro prédio.
Enquanto ele assistia, ele viu uma família saltar da janela do segundo andar e correr para o quarto seguro do vizinho.
“Foi uma injeção de adrenalina”, ele conta. “Se alguém entrasse na minha casa, eu teria a luta da minha vida.”
“Mandei fotos para o vizinho de baixo porque a casa dele começou a pegar fogo”, prossegue ele. “Eu disse: ‘agora. Não vejo ninguém. É uma boa hora.’ Ele então saiu para o abrigo de outro vizinho.”
Abidbol conta que esta é a “essência do kibbutz”.
“Somos uma grande família”, afirma ele. “Se precisarmos abrir a porta quando há terroristas no lado de fora e deixar os vizinhos entrarem para que eles sobrevivam, nós abrimos. Ninguém sequer hesitou.”
Perto do meio-dia, dois ou três homens tentaram entrar na casa de Abidbol. Ele puxou o gatilho.
“Eles incendiaram a casa e saíram”, ele conta. “Não sei por que eles decidiram fazer aquilo, mas eles saíram e não me enfrentaram mais.”
Ao mesmo tempo, mensagens devastadoras continuaram a mostrar no grupo que o Hamas estava invadindo as casas e tentando entrar nos quartos seguros.
“Disparos na porta do nosso quarto seguro”, dizia uma mensagem. “Socorrooo. Qualquer um.”
Enquanto isso, na casa incendiada de Bhing Sol e Meir Haddad, militantes haviam começado a atirar no quarto seguro, que se encheu de fumaça.
“Assumi o risco e abri a janela do quarto seguro, pensando que o ar iria entrar, mesmo por um espaço pequeno”, conta Sol.
“Eles continuaram lançando bombas, granadas ou algo assim, dentro de casa. Eu sabia que ela estava queimando porque a porta estava quente como fogo”, segundo ela. “Mas continuei segurando a porta com um cobertor porque eu não sabia se eles conseguiriam abrir a porta.”
Sol relata que, mais tarde, ocorreu um milagre: uma rachadura se formou no teto do quarto e a água começou a pingar sobre a cabeça de Hadad. Ela apertou as bochechas de alegria quando as primeiras gotas caíram e ela esfregou as mãos sobre o rosto.
Enquanto esperavam, Sol e Hadad conseguiam ouvir reféns sendo levados em direção à Faixa de Gaza.
“Ouvi muitas pessoas que foram levadas para fora. Depois, ouvi gritos e o Hamas rindo e comemorando que havia capturado alguém”, conta Sol.
A primeira referência no grupo das mães a alguém sequestrado surgiu às 12h09.
A BBC verificou as filmagens daquele dia, que mostram militantes do Hamas conduzindo cinco reféns, incluindo uma idosa, pela rua no kibbutz Be’eri. Não sabemos o horário daquelas imagens.
Israel afirma que, ao todo, cerca de 150 pessoas foram raptadas e levadas para a Faixa de Gaza. Não se sabe quantas delas vieram do kibbutz Be’eri.
À espera de socorro
Enquanto algumas pessoas eram levadas embora pelo Hamas, outras se perguntavam quando chegaria o exército.
Shir Gutentag lia as mensagens enquanto tentava confortar suas filhas, colocando continuamente uma das mãos sobre cada uma delas.
“Ouvi mensagens de voz terríveis”, ela conta. “Houve uma mulher que disse que sua bebê estava morta. Ela gritava, pedindo ajuda.”
“Outra viu sua mãe ser morta e estava esperando há horas no quarto seguro, sussurrando para pedir ajuda, dizendo ‘salve-me, não quero morrer’.”
Outras mensagens no grupo de WhatsApp contam ferimentos horríveis, incluindo um familiar sangrando, com uma ferida enorme.
Existem muitas mensagens naquele chat. Algumas descrevem ferimentos, mas não conseguimos determinar o destino de todas as participantes do grupo.
Enquanto esperavam pela chegada dos soldados israelenses, sentadas nos quartos seguros, as moradoras do kibbutz continuavam a apoiar umas às outras.
Gutentag fez ligações silenciosas para as vizinhas que postavam mensagens expondo sua angústia, dizendo “respire comigo”.
“Postei muitas mensagens de incentivo: tenho certeza de que o exército está aí, tenho certeza de que eles estão chegando, tenha paciência, respire”, ela conta. Outras pessoas do grupo fizeram o mesmo.
Em uma troca de mensagens, alguém perguntou: “alguém pode dizer alguma coisa para nos acalmar?” Foi questão de segundos até que uma vizinha respondesse “eu posso” e descrevesse como o exército iria lidar com a questão.
Perto das 15 horas, Gutentag recebeu uma ligação de vizinhos pedindo para ir para a sua casa porque a deles estava cheia de fumaça.
Ela correu para a porta da frente e começou a desfazer uma pilha de móveis que ela havia colocado contra a porta, para impedir que alguém entrasse. Ela então deixou a família de quatro pessoas passar, levando-os para o quarto seguro antes de montar novamente a barricada.
Poucos minutos depois, outra mulher entrou em contato pedindo para entrar e Gutentag conduziu novamente o mesmo processo.
Enquanto sua família aguardava o resgate que elas não tinham certeza se iria acontecer, Michal Pinyan conta que colocava as mãos sobre seus três filhos e “dava beijinhos, mas em silêncio”.
Uma mensagem no grupo do WhatsApp ofereceu conselhos sobre como manter as crianças calmas. A mensagem dizia que o medo é normal e aconselhava a acalmar as crianças com um abraço.
A chegada das forças de segurança
À tarde, as atualizações compartilhadas no grupo indicavam que os soldados das Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) haviam chegado e começavam a avançar.
“Os soldados, agora, estão lutando… mais dois batalhões estão a caminho”, dizia uma mensagem, enviada pouco depois das 15h30.
As pessoas continuavam a postar seus endereços, na esperança de que alguém viesse salvá-las. Elas acrescentavam informações rápidas, como “terroristas escondidos”.
Mas a confusão continuava a dominar a todos e ninguém parecia saber quantos soldados haviam chegado, nem se eles vinham em um grupo organizado em condições de controlar a situação.
As pessoas relataram ouvir gritos de “IDF, IDF!” no lado de fora, mas não sabiam se podiam confiar no barulho. Talvez fosse o Hamas disfarçado para tentar fazer os moradores abrirem suas portas.
Abidbol continuava de pé com sua arma na cozinha. Ele conta que conseguia ver os militantes com granadas, gritando “IDF, IDF”.
“Enviei mensagens para os vizinhos dizendo que eu não achava que fosse a IDF”, ele conta. “Eles tinham sotaque e não estavam adequadamente vestidos – estavam de uniforme, mas não estavam vestidos direito.”
Esta mensagem também foi compartilhada no grupo. “Eles também se disfarçaram de soldados, não atendam ninguém do lado de fora”, dizia uma das mensagens.
A evacuação
À medida que a noite se aproximava, as mensagens começaram a trazer mais esperança.
Os sons ouvidos pelas pessoas nos seus quartos seguros eram diferentes. Muitos começaram a ouvir mais vozes falando em hebraico.
Eles haviam esperado por socorro quase um dia inteiro.
Em uma das primeiras mensagens no grupo, uma das participantes disse às pessoas que não se preocupassem e que elas não precisavam do exército. Tudo estaria resolvido em breve.
Mas, poucos minutos depois, as pessoas estavam implorando pela chegada dos soldados.
Agora que a ajuda finalmente havia chegado, os moradores tentavam coordenar com os soldados os locais para onde as tropas das IDF deveriam ser enviadas para lutar.
“Quem precisa de ajuda e onde? Mandem as localizações das casas”, escreveu alguém.
Pouco antes das 18 horas, circulou uma mensagem dizendo que as principais forças do exército estavam cuidando do incidente.
“Até agora, vocês foram incríveis e corajosos. Permaneçam nos quartos seguros e o incidente irá terminar. Todos estão cientes da situação e as informações estão chegando a todo momento”, dizia a mensagem.
Foi perto desse horário que Bhing Sol e Meir Hadad foram resgatados do seu quarto seguro.
A casa à sua volta, onde a família estava reunida em torno do jogo de tabuleiro na noite anterior, agora eram cinzas. Mas, de alguma foram, eles sobreviveram, presos em um quarto minúsculo, enquanto todos os seus pertences queimavam.
Sol olhou para trás enquanto eles saíam escoltados pelos soldados. Pelo celular, ela tirou uma foto do que sobrou da sua casa.
De volta ao grupo, uma mensagem enviada às 18h08 dizia: “estão começando um processo de evacuação”. Esta postagem foi seguida pelas primeiras mensagens de pessoas contando que haviam sido salvas.
Mas o processo foi lento. Muitas continuaram a pedir ajuda noite adentro.
“Muitas balas também por aqui. Não para. Por favor, eles estão aqui”, disse uma mensagem enviada pouco depois das 19 horas.
Os militares chegaram ao apartamento do irmão de Gerster às 20 horas, dizendo a ela e ao seu marido que eles seriam resgatados em uma hora.
Participantes do grupo das mães começaram a compartilhar as senhas que os soldados iriam fornecer para que os moradores pudessem confirmar que eram realmente eles. As pessoas continuavam preocupadas se, na verdade, não seria o Hamas tentando entrar nas suas casas.
Enquanto isso, o som dos disparos prosseguia. Eles foram informados que não havia acabado, mas, como eles haviam passado o dia inteiro sem ver nada, mas ouvindo tudo, a sensação era que eles não conseguiam diferenciar nada, nem confiar em ninguém.
“Eles não estão dizendo a senha, ajudem”, escreveu uma moradora.
Quando os militares chegaram à casa de Michal Pinyan, ela inicialmente se recusou a abrir a porta. Uma das pessoas da unidade de emergência do kibbutz ligou para o marido de Pinyan, para ter certeza de que realmente eram as IDF.
“Eles disseram que eles iriam voltando e gritar”, conta ela. “E ele disse a eles que gritassem o nosso nome e eles abririam.”
Os soldados formaram um círculo em volta da família e do cachorro de estimação. E os escoltaram para fora do kibbutz.
“Eles nos disseram ‘vamos sair em silêncio e, em algum momento, vocês irão precisar cobrir os olhos dos seus filhos, pois existem muitos corpos no lado de fora’.”
“Então, nós andamos, com o cachorro e ele, realmente, estava muito calmo. Levamos, eu acho, 15 minutos para sair do kibbutz até onde eles reuniram todas as pessoas. Os soldados visitaram todas as famílias desta forma, então levou muito tempo.”
Pinyan cobriu os olhos das crianças, mas manteve os seus abertos.
“Eu queria olhar”, relembra ela. “Vi corpos. Meu marido disse que viu corpos de pessoas do kibbutz, mas eu vi corpos de terroristas.”
Outras pessoas não conseguiam olhar para os restos da sua comunidade. “Eu olhava para baixo”, conta Gutentag. “Acho que isso salvou a minha alma.”
Enquanto eles esperavam para serem levados embora, um atirador abriu fogo perto deles. Aquilo ainda não havia acabado.
Os moradores foram levados em caminhões do exército para uma cidade próxima, antes de serem transportados para um hotel no Mar Morto.
Dafna Gerster viu os militares pela primeira vez às 20 horas, mas só foi resgatada depois de uma hora da manhã. Ela havia passado as últimas 19 horas em um estado de tensão e horror tão grande que não havia se preocupado muito com seu irmão.
Ela descobriu que ele morreu lutando. E não foi o único.
Uma mulher postou às 10 horas que militantes do Hamas estavam dentro da sua casa e fez repetidos pedidos de ajuda por toda a manhã. Ela ficou em silêncio por boa parte da tarde, até enviar uma enxurrada de postagens perto das 17 horas.
A primeira mensagem foi de voz, um sussurro devastador: “preciso de ajuda”.
Outras pessoas responderam que ela permanecesse ali.
Às 18 horas, ela postou de novo: “precisamos ser evacuados”.
Estas foram as últimas mensagens daquela mulher observadas pela BBC no grupo de WhatsApp. Seus amigos afirmam que ela deve estar morta ou ter sido capturada.
Os moradores do kibbutz agora relembram a vida que tinham antes daquela primeira mensagem que dizia “Deus nos livre” – um tempo em que aquela comunidade, para eles, era um paraíso.
Eles descrevem um belo cenário, uma comunidade de mães e amigos que confiavam uns nos outros e cuidavam dos seus vizinhos.
Os sobreviventes afirmam que estão reunindo forças com a sua comunidade desfeita, mas não conseguem esquecer aqueles que perderam.
“Eles são nossos amigos, são nossa família, são tudo para nós”, lamenta Golan Abidbol. “Nós os conhecemos. Eles fizeram parte das nossas vidas desde que nascemos e os queremos de volta.”
Os moradores passaram décadas construindo uma comunidade no kibbutz Be’eri. Para eles, parecia algo indestrutível. Agora, muitos não sabem para onde ir e o que fazer.
“Não sei nem mesmo se teremos uma casa para onde ir depois disso”, lamenta Gerster. “Vivíamos na ilusão de que estávamos seguros.”
* Com tradução das mensagens originais de Shaina Oppenheimer, Jonathan Beck, Liora Schurr e Jonathan Shamir, entre outros.
Design e visualização de Tural Ahmedzade e Joy Roxas.
Verificação pela equipe BBC Verify.
Edição: Samuel Horti.
Fonte: BBC
Você precisa fazer login para comentar.