- Ed Thomas
- Correspondente Especial da BBC
Laura Corkill estava preparada para o nascimento do filho. O quarto do bebê já estava decorado — e ela já tinha escolhido o nome dele. Leiland-James Micheal Corkill nasceu por cesariana de emergência quatro dias antes do Natal, no West Cumberland Hospital.
Mãe e bebê se conectaram imediatamente — Laura descreve-o como “perfeito”.
“Lembro-me de seus grandes olhos brilhantes. Eu estava feliz, cheia de alegria. Estava ansiosa para trazer meu bebê para casa.”
Mas 48 horas depois que ele nasceu, Leiland-James foi levado.
A parteira disse a Laura que havia uma assistente social em seu berço prestes a retirá-lo.
Laura diz que foi confrontar a assistente social, mas foi informada que a papelada tinha sido enviada ao seu advogado. “Ainda não vi nenhuma papelada”, diz.
O mundo de Laura “se despedaçou” quando o filho dela foi levado.
Era 2019 e, no ano seguinte, ela tentaria recuperá-lo. Mas apenas alguns dias depois de seu primeiro aniversário, a mulher com quem os assistentes sociais o haviam deixado o assassinou.
Laura Corkill nunca tinha falado sobre o caso. Ela não foi envolvida no julgamento do assassinato, nem na revisão do Conselho do Condado de Cumbria sobre a morte do bebê. Ela diz que se sente silenciada. Esta é a história dela, contada pela primeira vez.
Essa é também a história do que acontece quando os serviços sociais erram e quando as mães que sofreram abuso doméstico acabam perdendo seus filhos.
Quando Laura engravidou de Leiland-James, foi um momento de esperança – um momento para deixar seu passado conturbado para trás. Ela estava em um bom lugar – apoiada por Aishea Drysder, da Women Out West, uma organização que ajuda mulheres que sofreram violência doméstica e sexual.
Laura já sabia como era ter um filho levado pelos serviços sociais. Anos antes, ela sofreu violência doméstica, e, semanas após pedir ajuda para tirar seu parceiro abusivo de casa, os filhos dela foram levados. A vida dela se desfez.
Mas estar grávida de Leiland-James foi diferente, conta ela.
“Eu queria fazer qualquer coisa possível para garantir que os serviços sociais não colocassem as mãos nele. Eu estava na nona semana de gravidez. Não tive notícias dos serviços sociais até completar 22 semanas.”
A primeira assistente social, diz Laura, parecia feliz com os preparativos para receber o bebê em casa.
“Ela verificou tudo e deu uma volta pela casa. Não viu problemas. Pelo que leu na minha papelada anterior, ela podia ver que eu percorri um longo caminho.”
Mas Laura ainda estava cautelosa e disse que perguntou diretamente se poderia ficar com o bebê. A mulher assegurou que não havia nenhuma razão para o bebê ser levado.
“Eu consegui um berço. Decorei (o quarto) em azul e branco.”
Laura acredita que tudo mudou quando uma segunda assistente social substituiu a primeira. A mulher queria saber mais sobre o passado de Laura, principalmente sobre o tempo que passou com um parceiro abusivo, quando seus dois primeiros filhos foram tirados dela. Laura diz que foi aberta e honesta.
“Minha mente estava em dois lugares. Eu temia que eles fossem acabar com tudo, mas eu estava determinada a continuar. Eu pensei ‘eles não vão pegá-lo’.”
Antes do nascimento, Laura passou por vários cursos de avaliação parental.
“Eu passei por todas as fases para trazer Leiland-James para casa.”
O Conselho do Condado de Cumbria tem uma versão diferente e diz que, no último mês de gravidez, o plano era recolher o filho de Laura no nascimento. Dizem que disseram isso três vezes a ela.
Laura contesta e diz que ainda está esperando para ver os relatórios e que só recebeu a confirmação quando a assistente social estava retirando o filho do hospital.
A casa de Laura fica nos limites de Whitehaven, em um canto de uma propriedade com vista para o porto da cidade. Tem uma vista deslumbrante.
É um lugar de beleza extraordinária, mas também de profunda privação. É difícil acreditar agora, mas no século 18 foi uma cidade enriquecida pelo carvão e o segundo porto mais movimentado depois de Londres. Esses dias de bonança ficaram no passado.
A sala da frente de Laura é agora um memorial aos filhos e, em particular, Leiland-James.
Ela está no local com Aishea, do Women Out West, e a colega dela Rebecca Todd. Somado o tempo de atuação de ambas, há mais de 50 anos na missão de ajudar mulheres que sofreram violência doméstica e sexual.
Elas não tinham ideia de que Leiland-James seria levado. “A primeira vez que soubemos foi quando a Laura nos telefonou da enfermaria. Ficamos devastadas”, diz Aishea. Qualquer que fosse o plano, não foi comunicado a elas, dizem.
Aishea diz que eles tinham seu próprio plano com Laura recebendo apoio em casa com o bebê. Depois que ele foi levado, houve várias tentativas de negociar com o Conselho do Condado para levá-lo para casa.
Um porta-voz do conselho disse à BBC que quando há preocupações de que as necessidades de uma criança possam não ser atendidas eles têm o dever de agir e trabalham para amparar e informar os pais biológicos.
Inicialmente, Leiland-James foi deixado com um cuidador temporário. Laura diz que ele estava feliz.
Mas ela nunca parou de pedir pela volta dele.
O conselho disse à BBC que Laura foi avaliada como incapaz de atender às necessidades de Leiland-James e que a vida dela e as circunstâncias não mudaram. Isso é fortemente negado por Laura e pela Women Out West.
A remoção de Leiland-James acabou sendo apenas o início de uma série de acontecimentos que se revelaram fatais. Laura, Aishea e Rebecca acreditam que as decisões foram tomadas com base no passado de Laura, uma crença de que a violência que ela enfrentou anteriormente poderia acontecer novamente, colocando ela e o bebê em risco.
Laura sofreu vários abortos após ser vítima de violência nas mãos de um parceiro anterior. Depois de um dos episódios, deitada em uma cama de hospital se recuperando de uma transfusão de sangue, os dois filhos dela foram retirados da casa da família.
Ela diz que na época procurou o Conselho do Condado para conseguir ajuda, mas não recebeu o que precisava.
“O que eles não perceberam é que eu posso ter sido a vítima, mas também fui a protetora dos meus filhos mais velhos.”
Ela diz que “saiu dos trilhos” e sofreu um colapso de saúde mental. Ela desmaiou e acabou no hospital novamente. Os próximos anos foram um inferno, conta ela.
Laura diz que não estava em um relacionamento quando engravidou de Leiland-James e se sentia bem.
Nos primeiros meses de vida de Leiland-James, Laura pôde vê-lo em um centro de contato administrado pelo conselho. Ela mostrou fotografias dela com o filho em momentos de felicidade. Laura via o filho quatro vezes por semana, durante uma hora e meia por dia.
“Eu ainda estava esperando que ele voltasse para casa”, diz ela. “O contato significou o mundo para mim. Até pedi para que estendesse por duas horas. Eles não aceitaram. Eu não confiava neles (assistentes sociais), mas estava disposta a cooperar para trazer Leiland de volta.”
Mas a covid-19 cortou o contato. Em março de 2020, quando o país entrou em seu primeiro lockdown, ela diz que pegou dois ônibus – uma viagem de uma hora – e apareceu no centro, mas descobriu que estava fechado.
Nos três meses seguintes, ela pediu contato por vídeo. Mas quando conseguiu, não foi a mesma coisa. “Eu só queria segurá-lo”, diz ela.
Mas o pior estava por vir. Em julho, o tribunal de família concedeu uma ordem de adoção para Leiland-James. Laura diz que não foi informada de que o Conselho do Condado já havia colocado o filho dela para adoção e encontrado uma família para ele meses antes.
O conselho diz que avisou Laura em abril de que Leiland-James deveria ser adotado.
Laura contesta isso — e diz que o tempo que ela teve com Leiland-James no centro de acolhida deveria ter indicado que ela era capaz de cuidar do filho. Ela acha que muito peso foi colocado no passado de abusos contra ela e na suposição de que o bebê estaria em risco de danos emocionais futuros.
“Como (as assistentes sociais) puderam chegar a essa conclusão vendo como eu era em contato com o bebê?”, questiona Laura.
Laura também acredita que a falta de contato pessoal com o filho por causa da covid e o fechamento do centro foram usados contra ela.
No dia 22 de agosto de 2020, Leiland-James foi formalmente apresentado a uma mãe adotiva, Laura Castle.
A mãe biológica diz que deveria conhecer Castle, pois ela ainda tinha direitos antes da adoção formal. Mas o horário da reunião era constantemente alterado. Ela diz que foi dada desculpa após desculpa por assistentes sociais. “Leiland estava mal ou, quando ele não estava, eles tinham outros compromissos. Alguma coisa sempre surgia.”
O Conselho do Condado diz que planejou uma reunião antes que a ordem de adoção fosse concedida, mas todos os envolvidos precisavam estar emocionalmente prontos e a pandemia também causou dificuldades.
Laura ficou desconfiada. “Eu pensei que havia algo muito errado. Eu automaticamente pensei: ‘Ele está sofrendo abusos’.”
Ela me mostrou a última foto dela e do filho no centro de acolhida. “É precioso”, diz ela, com a voz embargada. É tudo o que restou. Ela nunca mais seguraria Leiland-James novamente.
Em janeiro de 2021, o bebê foi levado ao hospital numa ambulância. A mãe adotiva disse aos serviços de emergência que ele caiu de um sofá, ferindo a cabeça, e que não respondia.
Uma assistente social ligou para Laura Corkill, mas não quis dizer em qual hospital ele estava.
“Eu fiquei para cima e para baixo a noite toda. Eu só queria tentar encontrá-lo. Foi péssimo não me dizerem onde ele estava.”
No dia seguinte, ela foi informada de que Leiland-James havia sido transferido para o Hospital Infantil Alder Hey, em Liverpool.
O Conselho do Condado diz que apenas detalhes limitados foram compartilhados com Laura porque os futuros pais adotivos estavam com ele e a extensão dos ferimentos não era conhecida na época. Mas, no dia seguinte, quando ficou claro que ele provavelmente não sobreviveria, eles ligaram para Laura.
Um táxi enviado pelo conselho deveria levá-la a Liverpool, mas Laura diz que o veículo não chegou. Os funcionários de apoio na Women Out West forneceram o transporte.
Laura estava sozinha no hospital quando chegou. Ela diz que ao entrar no quarto dele, Leiland-James havia morrido.
Ela contou que instintivamente sabia que sua morte não tinha sido um acidente. “Eu disse que ele tinha sido morto. O cirurgião me disse ‘nós suspeitamos disso e foi investigado assim que Leiland-James foi para o hospital’.”
Os patologistas diriam mais tarde no tribunal que os ferimentos de Leiland-James tinham sido um indicador clássico de “traumatismo craniano abusivo” e eram da gravidade vista em acidentes de carro em alta velocidade.
Antes de Leiland-James ser colocado sob seus cuidados, Laura Castle havia concordado com a abordagem de tolerância zero do Conselho do Condado para castigos físicos. Mas durante seu julgamento pelo assassinato em maio deste ano, descobriu-se que ela havia espancado e abusado constantemente do bebê. No tribunal, ela foi descrita como egocêntrica, abusiva e violenta.
Ela filmou o bebê em perigo. Em mensagens de texto, ela se gabou para o marido de como ela o amarrou e o descreveu como “cria do diabo”.
Em um texto, ela escreveu: “Eu honestamente não gosto dele ultimamente, ele é um saco de gemidos e eu me arrependo totalmente de ter feito isso (a adoção)”.
“Eu preciso parar de bater nele. Porque se eu começar, não vou parar.”
Essas mensagens e os abusos foram escondidos dos assistentes sociais, eles não tinham ideia de que essa violência estava ocorrendo – mas estavam começando a ficar preocupados com o que Laura Castle estava dizendo a eles sobre o menino.
O tribunal ouviu que um assistente social havia relatado que Leiland-James parecia inquieto, enquanto outro relatou que Laura Castle o chamou de “preguiçoso” e disse que não o amava.
Em dezembro de 2020, ocorreu o que é conhecido como Revisão de Crianças Cuidadas. Os assistentes sociais concordaram em não apoiar um pedido de Laura Castle para adotar formalmente Leiland-James. Mas quando Laura Castle foi informada disso, ela disse a uma assistente social que “Leiland-James não iria a lugar nenhum”.
Em maio deste ano, Laura Castle foi considerada culpada de assassinato e sentenciada a 18 anos de prisão. Seu marido, Scott Castle, foi inocentado de causar ou permitir a morte de Leiland-James na casa do casal. Ele disse ao tribunal que na manhã do ataque fatal ele estava dormindo na cama, depois de trabalhar no turno da noite.
Laura Corkill descreve a mulher que matou seu filho como um “monstro sádico do mal”. Mas ela também está revoltada com o Conselho do Condado e diz que também deve ter alguma responsabilidade por sua morte.
“Por que eles o colocaram lá? Por que demoraram tanto para identificar isso? Eles deveriam ter cancelado o pedido de adoção.” Ela também argumenta que o conselho precisa oferecer mais apoio às vítimas de abuso.
A BBC descobriu que atualmente existem 26 mães no oeste de Cumbria, vítimas de abuso doméstico e sexual, que agora correm o risco de perder seus filhos.
Todas elas estão sendo amparadas pela Women Out West. Laura Bell é uma das pessoas na organização que amparam as vítimas de violência doméstica no âmbito jurídico.
Todas as 26 mulheres que ela apoia são obrigadas a passar por procedimentos de proteção infantil, apesar de serem elas as próprias vítimas.
Isso ocorre porque há uma crença incorreta, diz ela, de que essas mulheres não podem manter seus filhos seguros. “É um escândalo nacional. Muitas vezes, essas mulheres vítimas de abuso doméstico ou sexual fazem a escolha certa, saem do relacionamento, tentam buscar ajuda, mas acabam sendo vitimizadas novamente, seja pelo agressor ou por órgãos públicos que deveriam ampará-las.”
“Nove em cada 10 vezes, elas têm que deixar seus filhos disponíveis para contato com a pessoa que abusou delas.”
A Women Out West foi fundada por Rachel Holliday há três anos. Ela diz que seis mães que enfrentaram abuso doméstico e sexual por parceiros revelaram a ela que seus filhos foram removidos pelo Conselho do Condado de Cumbria e colocados com seus agressores.
Algumas das provas que ela coletou com a permissão das mães, ela diz, foram entregues ao conselho há mais de dois anos.
“Uma mulher teve seus filhos levados e transferidos para o pai, e esses filhos ainda estão fazendo alegações até hoje de que ele está abusando deles.”
“Temos uma cultura de culpar as mulheres, não acreditar nas mulheres.” Como resultado, Rachel diz que mulheres e crianças estão sendo colocadas em perigo. Ela conta que suas preocupações não foram levadas a sério pelo Conselho do Condado.
“Não importava para quem os levávamos. Foi chocante que nada tenha acontecido. Mostramos a muitas pessoas, líderes comunitários, mas nada mudou.”
O conselho nos disse que, quando recebeu os nomes dessas mulheres, revisou as alegações e algumas passaram por seus procedimentos formais de apuração. Ela acrescentou que as decisões para retirar as crianças de seus pais – e onde elas devem ser colocadas – são tomadas pelos tribunais.
Uma revisão de salvaguarda sobre a adoção e os eventos que levaram à morte de Leiland-James revelou que Laura Castle mentiu e enganou os assistentes sociais sobre sua saúde mental, física, uso de álcool e dívidas.
Ela também apontou que informações relevantes sobre ela não foram compartilhadas entre as agências. A conclusão é a de que os controles sobre as pessoas que querem adotar devem ser reforçados.
E Laura Corkill não foi convidada a fazer parte desse processo.
“Perdi a conta de quantas vezes pedi meu bebê de volta. É como se eu tivesse sido varrida da face da Terra”, diz ela.
João Readman, do Conselho do Condado de Cumbria, disse que no caso de Leiland-James o tribunal de família concordou que a criança deveria ser colocada em um orfanato depois de nascer e que Laura Corkill foi apoiada por sua própria assistente social. Ele disse que a morte de Leiland-James “não deveria ter acontecido e damos nossas condolências para todos que o conheceram”.
Um ano e meio após o assassinato de Leiland-James, Laura Corkill diz que ninguém do conselho a visitou para pedir desculpas ou telefonou. Se ele tivesse recebido permissão para ir para casa com ela, afirma, ele ainda estaria vivo até hoje.
No cemitério perto da casa de Laura Corkill, há uma pequena lápide. As palavras “se foi, mas nunca será esquecido” estão gravadas ao lado do nome de Leiland-James e de seus irmãos vivos – as crianças tiradas da mãe anos atrás.
Aqui, diz Laura, ela pode ficar em paz com o filho. Mas poderia ter sido muito diferente. Laura diz que os assistentes sociais queriam que o corpo fosse cremado e ela teve que lutar para enterrá-lo.
“Eles até tentaram escrever uma mensagem póstuma”, diz ela. A BBC viu um rascunho enviado por uma assistente social, que tinha as palavras: “Leiland, sinto muito por não poder ser a mãe que você precisava”.
Laura recusou-se a lê-lo e escreveu o seu próprio. “Eles tentaram me controlar 100%, mas não funcionou. Eles tentaram me fazer esquecer que eu era mãe, mas ninguém pode tirar isso de mim.”
O Conselho do Condado de Cumbria admite que ajudou Laura a preparar a mensagem, mas diz que ela ficou livre para tomar as decisões finais.
Rebecca Todd, da Women Out West, diz que o que aconteceu após a morte de Leiland foi impensável. “Tudo precisa ser investigado. Todos os envolvidos neste caso precisam ser responsabilizados.”
“É importante para Laura. Ela foi silenciada e descartada. Tentar tirar de uma mulher o controle até do funeral de seu próprio filho, onde está o corpo dele, é simplesmente errado. É horrível.”
Ela diz que precisa haver um inquérito público fora de Cumbria sobre a decisão de retirá-lo da mãe.
Laura frequentemente fica sozinha no túmulo contemplando o que poderia ter acontecido – Leiland-James estaria na pré-escola agora. Ela diz que também é o lugar onde ninguém pode controlar o tempo dela com o filho.
“Passei mais tempo com Leiland na morte do que na vida. Ele está em casa agora. Eu o amava – tudo que eu queria era ser uma mãe adequada.”
Fotos feitas por Adam Walker
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