- Author, Luís Barrucho
- Role, Da BBC News Brasil em Londres
“Saímos de casa apenas com a roupa do corpo. Não é fácil deixar tudo o que construímos para trás. Passamos 12 horas na estrada, com o som das bombas explodindo perto de nós. Queremos voltar ao Brasil, e mesmo que tenhamos que começar do zero, é melhor do que arriscar nossas vidas aqui.”
Casada com um libanês há 30 anos, Leni conta que se mudou para o Líbano buscando proporcionar uma educação melhor para suas três filhas — uma de 20 anos e duas gêmeas de 13 anos, uma vez que, segundo ela, o sistema educacional local oferece o aprendizado de três idiomas: inglês, francês e árabe.
Contudo, a tranquilidade da família foi abalada em outubro de 2023, quando os conflitos em Gaza se espalharam para o Líbano, com confrontos diários entre Israel e o Hezbollah.
Segundo Leni, o ponto de ruptura foi na segunda-feira (23/9), o dia mais mortal no Líbano desde o fim da guerra civil, em 1990.
“Desde segunda-feira, os bombardeios se tornaram constantes e aterrorizantes”, conta Leni à BBC News Brasil.
Ela descreve o medo crescente à medida que as explosões se aproximavam.
“Foram 24 horas ouvindo bombas. Até então, eu não havia deixado minha casa, mas chegou um ponto em que não era mais possível continuar.”
A família, então, decidiu fugir. “Consegui sair da cidade ontem com minhas filhas. Levamos 12 horas para chegar a um lugar seguro nas montanhas, uma viagem que normalmente dura uma hora e meia.”
Ela relata a tensão na estrada, vendo bombas a distância e passando por cidades devastadas, com prédios destruídos e janelas quebradas.
“A qualquer momento, uma bomba podia cair sobre nós. O medo era constante, e a única coisa em que eu pensava era tirar minhas filhas de lá o mais rápido possível”, relembra emocionada.
Nas montanhas, a família encontrou abrigo alugando a parte superior de um chalé e agora aguarda informações sobre uma possível evacuação organizada pela embaixada brasileira.
Leni e seu marido já começaram a preencher os formulários para uma eventual retirada do país.
“Não é fácil abandonar tudo o que construímos, mas preferimos recomeçar no Brasil a colocar nossas vidas e as de nossas filhas em risco.”
Ela expressa tristeza ao ver a destruição ao redor e a situação difícil de outras famílias brasileiras, algumas sem abrigo, dormindo em carros.
“Graças a Deus, conseguimos um lugar seguro. Agora, estamos esperando e torcendo para que tudo se resolva logo.”
90 mil deslocados
Leni é uma das 90 mil pessoas deslocadas no Líbano desde 23 de setembro, segundo a ONU. Assim como ela, muitas famílias estão fugindo do sul do país, com carros lotados e escolas sendo usadas como abrigos improvisados.
Enquanto isso, o exército israelense informou que está realizando uma nova onda de ataques “intensos” no sul do Líbano e no vale do Bekaa, visando o Hezbollah.
O Ministério da Saúde libanês registrou pelo menos 50 mortes e mais de 220 feridos em decorrência desses ataques.
O chefe do exército israelense, Herzi Halevi, declarou que essas operações têm como objetivo preparar a “possível entrada” de tropas no Líbano.
Mais cedo, Israel anunciou que interceptou um míssil balístico disparado pelo Hezbollah em direção a Tel Aviv, sendo essa a primeira vez que um foguete desse tipo foi direcionado à maior cidade do país.
Além das 90 mil pessoas deslocadas desde segunda-feira, outras 112 mil já foram forçadas a deixar suas casas no sul do Líbano desde outubro do ano passado, de acordo com a ONU.
No norte de Israel, cerca de 60 mil pessoas também foram evacuadas nesse período.
Israel afirma que seu objetivo é neutralizar a ameaça do Hezbollah e permitir o retorno das pessoas deslocadas no norte do país.
O Hezbollah, por sua vez, alega estar resistindo à “agressão” israelense e agindo em solidariedade aos palestinos em Gaza.
‘Barulho ensurdecedor’
Em Beirute, Carla Mussallam Al Masri, guia de turismo paulistana de 58 anos, que vive no Líbano há 28 anos, relata a presença constante dos aviões supersônicos israelenses.
Segundo Carla, essas aeronaves voam em alta velocidade, rompendo a barreira do som e gerando estrondos que fazem tremer as casas.
“Quando eles passam, parece uma bomba. O barulho é ensurdecedor, e parece que a casa vai desabar”, relata Carla, que é casada com um libanês.
Para minimizar os danos, ela deixa janelas e portas abertas, evitando que o impacto do som quebre os vidros.
A frequência desses voos aumentou recentemente, e o último sábado foi particularmente difícil, marcado por estrondos que causaram ansiedade e medo na comunidade.
Carla se familiarizou com esse som desde que se mudou para o Líbano, mas a intensidade recente trouxe de volta memórias de bombardeios dos anos 90 e da guerra de 2006.
Seus pais nasceram no Brasil, mas seus avós são de Marjayoun e Hasbaya, no sul do Líbano, áreas historicamente afetadas por ocupações e bombardeios, e mais recentemente alvos de novos ataques de Israel em sua ofensiva contra o Hezbollah.
Para Carla, o som dos aviões supersônicos é um lembrete constante da instabilidade da região e do impacto emocional que esses episódios têm na vida cotidiana.
“Israel fez um ataque cirúrgico a 30 quilômetros de onde eu moro, na cidade de Sídon, perto da casa do meu cunhado”, acrescenta ela.
Fonte: BBC
Você precisa fazer login para comentar.