- Tiffany Wertheimer
- Da BBC News
“Temos um ano maravilhoso pela frente!”
Esta frase doce e simples, escrita pela professora Eva Mireles no começo do ano escolar agora desperta muitas outras emoções.
Na quinta-feira (26/05), último dia de aulas antes do recesso, ela e sua colega, a também professora Irma García, deveriam estar guardando as coisas das suas salas compartilhadas na escola Robb Elementary, na pequena cidade de Uvalde, no Estado americano do Texas.
Deveriam estar se preparando para as férias de verão. Em vez disso, as famílias delas estão preparando seus funerais. As duas foram baleadas pelo atirador que invadiu a escola, matando também 19 de seus alunos.
Desde o ataque, que ocorreu na terça (24/05), Mireles e García têm sido elogiadas por tentar proteger as crianças durante o massacre. Os policiais encontraram García “protegendo crianças com seus braços quase até seu último suspiro”, disse o sobrinho dela, John Martínez, ao jornal The New York Times.
“Ela se sacrificou protegendo os alunos na sala de aula. Foi uma heroína”, escreveu ele na página que a família abriu na internet para angariar fundos. Apenas dois dias depois, a família de García viveu outra tragédia. O marido dela, Joe García, morreu de um infarto. Martínez diz que ele “morreu por causa do sofrimento”.
‘Diversão, risadas e amor’
García e Mireles trabalhavam juntas no ensino de crianças da escola de Uvalde havia cinco anos. Tinham, somadas, 40 anos de experiência.
Uma foto tirada no mês passado mostra as duas na sala de aula observando os alunos estudando com tablets. “Eva Mireles e Irma García foram duas das melhores professoras que Uvalde já teve”, escreveu no Twitter Natalie Arias, especialista em educação que mora naquela cidade.
“Suas aulas eram repletas de diversão, desenvolvimento, risadas, trabalho em equipe e, sobretudo, amor.”
Em meio à dor, a comunidade também convive com a revolta diante do tiroteio em massa em mais uma escola dos Estados Unidos. No Texas, é permitido que maiores de 18 anos comprem armas e, segundo a imprensa americana, o atirador comprou dois rifles semi-automáticos AR-15 e 375 munições um dia depois de completar 18 anos.
“Estou com muita raiva. Esses tiroteios continuam, essas crianças são inocentes. E fuzis não deveriam estar facilmente ao alcance de todos”, disse, em nota, a tia de Eva Mireles, Lydia Martínez Delgado.
“Essa é minha cidade natal, uma pequena comunidade de menos de 20 mil pessoas. Nunca imaginei que algo assim aconteceria, especialmente com meus entes queridos”, escreveu.
O marido de Mireles, Rubén Ruiz, é agente de polícia escolar. Há dois meses, realizou na escola de Uvalde uma simulação de ataque, o que é comum nos colégios dos EUA. Ele não sabia que apenas uma semana depois, sua própria esposa seria vítima de um atirador.
O jornal The Washington Post disse que Ruiz correu à escola Robb quando soube do tiroteio. Outros policiais tiveram que contê-lo enquanto tentava desesperadamente encontrar sua esposa.
Ao menos 185 crianças, professores e outras pessoas morreram em ataques a escolas americanas desde o massacre na escola de Columbine, em 1999, segundo cálculos do mesmo jornal.
Depois de tantos incidentes, já há até um monumento no Estado de Kansas dedicado aos “educadores caídos”, o qual honra “aqueles que perderam a vida no cumprimento de seu dever.”
Esses termos, mais comuns no ambiente militar, são usadas para descrever professores assassinados. Agora, há mais dois nomes para encravar no muro de pedra que reúne os nomes das vítimas.
Eva Mireles
Professora há 17 anos, Mireles descrevia o seu amor por corridas e caminhadas na breve biografia publicada no site da escola onde lecionava. Também dizia que tinha “uma família solidária, divertida e amorosa”. formada por seu marido, sua filha formada na universidade e três “amigos peludos”.
A filha de Mireles, Adalynn Ruiz, escreveu um texto em homenagem à sua “doce mãe” no Twitter. “Estou tão feliz que as pessoas conheçam seu nome, seu rosto lindo e saibam que é uma heroína”, disse.
“Eva Mireles, professora que se colocou diante dos seus alunos para salvar suas vidas.”
Mireles tinha formação em educação especial. Audrey García, mãe de uma aluna, Gabby, lembra que Mireles ia “muito além” dos deveres como professora.
“Era uma pessoa maravilhosa e uma professora dedicada. Acreditava em Gabby e fez todo o possível para ensiná-la”, escreveu García no Twitter.
Faz poucos anos que escolas na área de Uvalde começaram a integrar crianças com necessidades especiais nas salas de aula regulares. Mireles era uma das professoras que ensinava esses alunos.
Irma García
García era professora com 23 anos de experiência na escola Robb. Foi eleita professora do ano em 2019. “Estou tão emocionada em começar o novo ano escolar!” escreveu em sua biografia no site da escola. As autoridades disseram a sua família que um policial amigo de García a viu tentando proteger os alunos dos disparos.
“Quero que seja lembrada como alguém que arriscou e sacrificou sua vida pelos seus alunos”, disse John Martínez, sobrinho dela, ao The Washington Post. “Não eram apenas seus alunos. Eram seus filhos e ela perdeu sua vida para protegê-los. Era esse o tipo de pessoa que ela era.”
García era casada e tinha quatro filhos, dois meninos e duas meninas com idades entre 12 e 23 anos. Sua página no Facebook é um álbum de recordações familiares, que revela o orgulho que tinha de seus filhos.
“Obrigada, Jesus, por meu esposo incrível e meus bebês”, escreveu ela na legenda de uma voto de uma viagem de pesca em família.
As redes sociais da professora também mostravam sua dedicação pela carreira e os alunos. Numa publicação que mostrava certificados de um curso que ela lecionava, García escreveu: “Aprendi muitas formas novas de desafiar meus futuros alunos para que sejam estudantes independentes.”
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