- Rafael Barifouse
- Da BBC News Brasil em São Paulo
Jair Bolsonaro (PL) entrou para a história como o primeiro presidente brasileiro a fracassar em uma tentativa de reeleição.
Desde que a possibilidade de um segundo mandato consecutivo foi criada, há 25 anos, todos os três presidentes que se candidataram foram reeleitos.
Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi o primeiro, em 1998: matou a disputa em único turno, com 53,06% dos votos válidos, contra 31,71% do segundo colocado, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Oito anos depois, em 2006, foi a vez do próprio Lula se reeleger, com 60,83% no segundo turno. Ele concorreu com Geraldo Alckmin (então no PSDB, hoje no PSB e, agora, eleito vice-presidente), que teve menos votos naquela votação do que no primeiro turno e terminou com 39,17%.
Passados mais oito anos, Dilma Rousseff (PT) enfrentou em 2014 uma eleição disputada contra Aécio Neves (PSDB), que ficou bem perto de virar, mas acabou com 48,36% contra 51,64% de sua adversária.
Em 2018, o então presidente Michel Temer (MDB), altamente impopular, optou por não se candidatar, e Bolsonaro foi eleito pela primeira vez.
O presidente chegou a prometer durante aquela campanha fazer uma reforma política e, entre outras medidas, acabar com a reeleição. Em entrevista recente à CNN, Bolsonaro explicou que não cumpriu a promessa para impedir “a volta da esquerda”.
“O que me fez mudar de ideia? O quadro oposto para disputar uma eleição minha. Não tínhamos um nome, um perfil parecido com o meu. Estaríamos entregando o Brasil para o PT, o PDT ou o PSB. Seria a volta da esquerda. Isso fez a decisão minha de tocar nesse assunto”, afirmou.
O presidente chegou perto de seu objetivo, mas não conseguiu os votos necessários para vencer, mesmo com as vantagens de um presidente no exercício na disputa pela reeleição.
Bolsonaro já não havia chegado à frente no primeiro turno, algo inédito desde a redemocratização, quando a eleição em dois turnos foi instituída, e não conseguiu reverter a desvantagem no segundo.
O presidente foi derrotado por Lula, que teve 50,9% dos votos válidos no segundo turno, contra 49,1% de Bolsonaro. Afinal, o que deu errado para o presidente?
Cientistas políticas ouvidas pela reportagem avaliam que a alta rejeição do presidente pelos eleitores foi determinante para sua derrota e apontam, entre as causas disso, a forma como governou, sua gestão da pandemia e a piora da economia durante o governo.
Mas também há outro fator que precisa ser levado em consideração: seu adversário foi Lula, um político capaz de gerar grande mobilização (e de conquistar muitos votos).
As vantagens de Bolsonaro
A derrota de Bolsonaro é incomum porque presidentes que tentam um novo mandato têm algumas coisas a seu favor. Uma delas é de ordem mais simbólica. Em uma política tão personalista quando a brasileira, em que a minoria da população diz se identificar com um partido, a Presidência dá uma enorme visibilidade a um político.
“A pessoa já ganhou uma eleição, e isso se amplia porque se cria uma memória política, gera vínculos com o eleitor. Isso é um fator importante que desequilibra a disputa”, diz a cientista política Flavia Biroli, professora da Universidade de Brasília (UnB).
Presidentes também controlam a máquina pública, ou seja, estão no governo e podem usar isso a seu favor para conseguir apoio político e popular.
O Executivo elabora e executa parte do orçamento e pode direcionar os recursos de acordo com seus interesses eleitorais, de forma legal, e tomar medidas que conquistem a simpatia dos eleitores.
O controle da máquina também facilita a costura de alianças no Congresso — que assumiu o controle de uma parte dos recursos distribuídos que antes eram geridos pelos ministérios com as chamadas emendas de relator, também conhecidas como Orçamento Secreto — e com lideranças locais de Estados e municípios, que depois farão campanha a seu favor.
“Houve um alinhamento muito forte entre Bolsonaro e a presidência do Congresso, o que permitiu o uso do orçamento a seu favor de uma forma muito capilar e que ficou no limite entre o legal e o ilegal, contornando as garantias estabelecidas em lei para que a eleição ocorra com um minimo de equilibro”, diz Biroli.
“O uso da máquina pública pelo governo Bolsonaro foi além de tudo que conhecíamos, dispondo de recursos públicos às vésperas da eleição de uma forma que só foi possível com uma emenda constitucional, e concedendo empréstimo consignado atrelado ao Auxílio Brasil de forma absolutamente irresponsável”, diz Biroli.
Mas isso não foi suficiente para reverter a impopularidade de Bolsonaro, que chegou a ser desaprovado por quase dois terços da população em meados de 2021 e terminou seu governo com um terço avaliando seu governo como ruim ou péssimo. Outro terço o aprova, e o restante diz que foi regular ou não sabe.
Isso se traduziu em uma grande rejeição nas urnas, com cerca de 50% dos eleitores dizendo que não votariam nele de jeito nenhum, enquanto Lula ficou abaixo, com cerca de 45%. A rejeição a Bolsonaro é maior do que as de Lula e Dilma, que estavam em torno de 30% quando eles se reelegeram, por exemplo.
“Os presidentes que se reelegeram tinham um nível de apoio popular muito além do que Bolsonaro tem hoje. Houve um desgaste do governo, especialmente com o eleitorado feminino, que é a maioria, e a campanha teve muita dificuldade de lidar com essa alta rejeição”, diz a cientista política Denilde Holzhacker, professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
Alta rejeição e o ‘fator Lula’
A piora da economia, com o aumento da inflação, do desemprego e da fome, se somou à reprovação pela maioria da população de como Bolsonaro geriu a pandemia, como apontam pesquisas.
“Isso acabou afetando a forma como os eleitores avaliam o governo, ao considerarem que as políticas do governo impactaram negativamente sua perspectiva de futuro, e a saída para isso foi buscar alternativas”, diz Holzhecker.
Biroli avalia que a pandemia consolidou perante parte da população a visão de que o governo Bolsonaro foi “sistematicamente irresponsável”.
“O governo fez apostas, como se recusar a comprar vacinas e a fazer uma gestão científica da pandemia, que custaram caro para muitas pessoas. Elas sentiram as consequências na pele, viveram momentos de muita dor e insegurança, enquanto o principal governante do país se negou a atuar para produzir um sentimento de enfrentamento coletivo da tragédia.”
Biroli avalia ainda que Bolsonaro fez um “governo de campanha” com apelos constantes a uma parte do eleitorado para promover uma mobilização permamente.
“É algo característico de um populismo de direita, apostando sempre em radicalizar seus apoiadores. Isso intensificou alinhamentos de um lado, entre aqueles que fazem parte deste movimento bolsonarista, de uma identidade política na sociedade, mas encontrou um limite e afastou outros eleitores”, afirma.
Tudo isso fez ganhar corpo no país um sentimento tão potente quanto o antipetismo que contribuiu para a eleição de Bolsonaro há quatro anos. O antibolsonarismo é uma reação às ações do governo ao longo de quatro anos, avalia Holzhacker, o que acirrou a polarização, não só ideológica mas também afetiva, ao estilo, propostas e crenças de Bolsonaro.
“A visão antibolsonarista cresceu a partir da pandemia e por causa de como Bolsonaro tratou algumas pautas de costumes, a liberação de armas, que é vista com muita desconfiança por vários setores da sociedade, e seu estilo pessoal, que para uns é uma autenticidade, enquanto para outros é grosseria e agressividade”, afirma Holzhacker.
A cientista política ressalta que o governo elaborou no último ano políticas sociais para liberar recursos para determinados setores sociais para diminuir o impacto negativo da piora da economia. “Isso deu um fôlego para Bolsonaro no segundo turno, mas talvez tenha sido tarde demais para conseguir reverter sua rejeição”, diz.
Ao mesmo tempo, Bolsonaro tinha em Lula um adversário capaz de fazer um contraponto ao presidente, diz Holzhacker. “Enquanto Bolsonaro é visto como alguém que não tem sensibilidade para questões sociais, Lula é visto como alguém que tem, e as pesquisas qualitativas mostram que os eleitores, independentemente de gostar ou não dele, reconhecem sua atuação em áreas sociais.”
Além disso, Lula terminou seu segundo mandato com índices de aprovação a seu governo e a ele pessoalmente acima dos 80%.
“Não foi uma disputa qualquer. Lula tem um histórico positivo enquanto presidente e que, mesmo com todos os casos de corrupção e sua prisão, tem um argumento de ter sido vítima do sistema político. Desde a redemocratização, não tivemos um líder tão popular e com uma capacidade de mobilização neste nível. Isso muda o jogo.”
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