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Liz Truss é a nova primeira-ministra do Reino Unido

Aos sete anos, Liz Truss atuou no papel Margaret Thatcher em uma simulação das eleições gerais do Reino Unido em sua escola. Mas, ao contrário da ex-primeira-ministra britânica, símbolo do neoliberalismo e que obteve grande maioria dos votos em 1983, a carreira política da pequena Truss não começou com o ritmo esperado.

Mas nesta segunda-feira (5/9) ela chegou lá: foi anunciada como a nova primeira-ministra do país em uma votação entre os 160 mil filiados do Partido Conservador. Ela será empossada na terça-feira (6/9), após encontro com a Rainha Elizabeth 2ª.

Muitos anos depois, ela relembrou a encenação na infância: “Peguei a oportunidade com entusiasmo e fiz um discurso sincero no palanque, mas acabei com zero votos. Eu mesmo não votei em mim”.

Trinta e nove anos depois, Truss seguiu o caminho da Dama de Ferro e, como Thatcher, se tornou a líder do Partido Conservador e, consequentemente, primeira-ministra do Reino Unido. No país, uma monarquia parlamentarista, o partido que vence as eleições gerais com uma margem confortável no número de cadeiras no Parlamento pode escolher o primeiro-ministro.

Truss vai assumir o cargo de Boris Johnson, atual primeiro-ministro, que renunciou há dois meses depois de uma série de crises políticas em seu governo. Mesmo após a renúncia, ele continuou no cargo porque, no Reino Unido, é esperado que o primeiro-ministro que está de saída fique no cargo até que um sucessor seja eleito.

Secretária de Relações Exteriores do governo Johnson, Truss chegou a ficar atrás do ex-chanceler Rishi Sunak em todas as cinco rodadas de votação dos parlamentares conservadores nas últimas semanas.

Mas, após a última rodada de votação encerrada na sexta-feira (2/9), as casas de apostas a colocaram como a principal favorita para vencer o pleito, o que de fato foi confirmado nesta segunda-feira.

Para alçar à cadeira, a deputada tem passado os últimos anos construindo uma estreita relação com associações de distritos eleitorais. Nos últimos anos, também assumiu cargos importantes no governo do país, além de ter permanecido leal a Boris Johnson durante os dias mais difíceis de seu mandato.

Por outro lado, de muitas maneiras, ela não é uma “conservadora convencional”. Sua família é um exemplo disso.

Classe média

Mary Elizabeth Truss nasceu em uma família de classe média na cidade de Oxford em 1975. Segundo ela, seu pai, professor de matemática, e sua mãe, enfermeira, eram pessoas “de esquerda”.

Quando jovem, sua mãe participou de marchas da Campanha pelo Desarmamento Nuclear, uma organização que se opunha veementemente à decisão do governo Thatcher de permitir a instalação de ogivas nucleares dos Estados Unidos na base aérea de Greenham Common, a oeste de Londres.

Crédito, Getty Images

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Boris Johnson anunciou sua renúncia como líder do Partido Conservador dois meses atrás

Depois, a família se mudou para Paisley, a oeste de Glasgow, na Escócia, quando Truss tinha quatro anos.

Em entrevista à BBC Radio 4, um irmão dela disse que a família gostava de disputar jogos de tabuleiro, mas a jovem Truss odiava perder e, muitas vezes, saía da sala em vez de arriscar perder o jogo.

A família mais tarde se mudou para Leeds, na Inglaterra, onde a jovem frequentou a Roundhay, uma escola secundária estadual. Truss descreveu ter visto “crianças decepcionadas por baixas perspectivas (de vida)” durante seu tempo lá.

Alguns dos contemporâneos de Truss no colégio contestaram seu relato sobre a escola, incluindo o jornalista do jornal The Guardian Martin Pengelly, que escreveu: “Por simples ganho político talvez ela esteja seletivamente falando sobre sua educação e deturpando a escola e professores que a educaram.”

Seja qual for a qualidade do ensino que recebeu na infância, Truss entrou para a Universidade de Oxford, a mais antiga e prestigiada universidade do país. Estudou filosofia, política e economia, além de ter sido bastante ativa no movimento estudantil, inicialmente participando do Partido Liberal Democrata.

Na convenção do partido em 1994, na cidade de Brighton, ela se disse a favor da abolição da monarquia do Reino Unido, dizendo aos delegados da sigla: “Nós, liberais-democratas, acreditamos em oportunidades para todos. Não acreditamos que as pessoas nasçam para governar”.

Em Oxford, Truss entrou para o Partido Conservador.

Segundo um perfil publicado pelo jornal Financial Times, ela mudou de lado depois de uma viagem a países do leste europeu que tinham acabado de sair do comunismo. Um dos amigos resumiu os motivos da mudança:

“Aqueles países tinham acabado de se tornar livres (do comunismo) novamente e a sensação de liberdade recém-descoberta foi esmagadora para Liz. Ela estava convencida de que Thatcher, por ser forte, havia adotado a abordagem certa.”

Depois de se formar, ela trabalhou como contadora para a Shell e Cable & Wireless, e se casou com o contador Hugh O’Leary em 2000. O casal tem dois filhos.

Nas eleições gerais de 2001, Truss se candidatou ao Parlamento britânico pela cidade de Hemsworth, em West Yorkshire, mas não conseguiu se eleger. Ela sofreu outra derrota em Calder Valley, também em West Yorkshire, em 2005.

Mas, com grandes ambições políticas, foi eleita vereadora em Greenwich, sudeste de Londres, em 2006, e a partir de 2008 também trabalhou para o grupo Reform, um think tank de centro-direita que tenta influenciar políticas públicas.

David Cameron, então líder do Partido Conservador e primeiro-ministro entre 2010 e 2016, colocou Truss em sua “lista A” de candidatos prioritários para as eleições de 2010. Ela foi selecionada para concorrer ao assento no Parlamento pelo distrito Sudoeste da cidade de Norfolk, e dessa vez ganhou.

Mas Tuss enfrentou uma batalha que tentava cancelar sua vitória, uma campanha encabeçada por uma associação conservadora do eleitorado. Isso aconteceu depois da revelação de que Truss teve um caso amoroso com o deputado conservador Mark Field alguns anos antes.

O esforço para derrubá-la não deu certo, e Truss conquistou a cadeira no Parlamento com mais de 13 mil votos.

Nesse período, ela escreveu em coautoria um livro entitulado Britannia Unchained, com quatro outros parlamentares conservadores eleitos em 2010. A obra recomendava diminuir a regulamentação estatal na economia para aumentar a posição do Reino Unido no mundo.

A obra acabou ressaltando um perfil de Truss como uma proeminente defensora de políticas de livre mercado na bancada do Partido Conservador.

Durante um debate na BBC, ela foi questionada sobre um trecho do livro que descrevia os trabalhadores do país como “entre os mais ociosos do mundo”. Ela insistiu que não havia escrito a frase.

Em 2012, pouco mais de dois anos depois de se tornar deputada, ela entrou no governo como ministra da Educação. Em 2014, foi promovida a ministra de Meio Ambiente.

Na convenção do Partido Conservador de 2015, Truss foi duramente criticada por um discurso no qual ela disse, com uma voz apaixonada: “Nós importamos dois terços do nosso queijo. Isso é a desgraça”.

Brexit

Menos de um ano depois aconteceu o maior evento político das últimas décadas no Reino Unido: o referendo do Brexit, quando a população decidiu pela saída do país da União Europeia (UE), em 2016.

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Liz Truss e tornou secretária de Justiça em 2016

Antes da votação, Truss fez campanha pela “Remain” (permanência na UE). Ela chegou a escrever no jornal The Sun que o Brexit seria “uma tragédia tripla: mais regras, mais burocracia e mais atrasos nas vendas para a UE”.

No entanto, depois que a população aprovou a saída, ela mudou de ideia, argumentando que o Brexit oferecia uma oportunidade de “sacudir a maneira como as coisas funcionam”.

Sob a liderança de Theresa May, primeira-ministra entre 2016 e 2019, Truss atuou como ministra de Justiça antes de se tornar secretária-chefe do Tesouro.

Segundo o jornal The Guardian, em junho de 2017 Truss enfrentou grande desgaste político depois de ter sido acusada de vazar conversas do gabinete de May quando a então primeira-ministra precisava de apoio do Parlamento em ações relacionadas ao Brexit.

Quando Boris Johnson assumiu o cargo, em 2019, Truss foi transferida para a secretaria de comércio internacional – um cargo que significava encontrar líderes políticos e empresariais de todo o mundo para promover a economia do Reino Unido.

Em 2021, aos 46 anos, ela trocou mais uma vez de cargo, chegando a um dos postos mais altos do governo britânico ao substituir Dominic Raab como ministra de Relações Exteriores.

Nesse papel, procurou resolver o complicado problema do Protocolo da Irlanda do Norte, descartando partes de um acordo entre UE e Reino Unido depois do Brexit – uma medida que a União Europeia criticou bastante. O problema é extremamente delicado para a diplomacia entra a Irlanda do Norte (parte do Reino Unido) e a Irlanda (país membro da União Europeia) já que pelos termos do acordo de paz entre os dois países, a fronteira terrestre entre seus territórios deve permanecer aberta, o que contraria as normas da UE.

No cargo, um de seus feitos foi garantir a libertação de dois cidadãos britânico-iranianos que haviam sido presos e detidos no Irã.

E quando a Rússia invadiu a Ucrânia, em fevereiro deste ano, Truss adotou uma postura linha dura, insistindo que todas as forças do presidente russo, Vladimir Putin, deveriam ser expulsas do país.

Por outro lado, ela enfrentou críticas por apoiar pessoas do Reino Unido que queriam lutar na Ucrânia.

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Liz Truss realizou uma entrevista coletiva de imprensa conjunta com o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, nas semanas anteriores à invasão da Ucrânia

‘Não distribuiremos esmolas’

A campanha de Truss para a liderança do Partido Conservador, que a levou ao cargo de primeira-ministra, não ficou livre de controvérsias.

Pressionada sobre como lidaria com o recente aumento acentuado do custo de vida, ela disse que vai concentrar seus esforços em “reduzir a carga tributária, e não distribuir esmolas”.

Ela foi forçada a abandonar um projeto para vincular os salários do setor público aos custos de vida regionais depois da reação negativa de membros mais antigos do Partido Conservador, que disseram que isso significaria salários mais baixos para milhões de trabalhadores fora de Londres.

Truss também chamou a primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, de “carente de atenção”, acrescentando que era melhor “ignorá-la”.

Crédito, PA Media

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Liz Truss se tornou parlamentar em 2010

No entanto, as pesquisas sugerem que Truss é mais popular entre os membros do partido do que seu rival Rishi Sunak.

Alguns sugeriram que ela, por meio de suas roupas – como um chapéu de pele e um laço branco -, está tentando imitar a icônica favorita do partido, Margaret Thatcher.

Truss descartou a comparação, dizendo à rede GB News: “É bastante frustrante que as mulheres políticas sempre sejam comparadas a Margaret Thatcher, enquanto os políticos homens não são comparados a Ted Heath (primeiro-ministro do Reino Unido entre 1970 e 1974)”.

Mas tais comparações não são, talvez, uma desvantagem óbvia quando se trata de angariar apoio de membros do Partido Conservador.

Não é difícil de entender essa referência a Thatcher. Os impostos no Reino Unido estão agora em seu nível mais alto desde 1950. De acordo com um parlamentar conservador ouvido pelo jornal Financial Times, Truss “tenta se parecer com Margaret Thatcher e usa muito a palavra ‘liberdade'”.

Na votação derradeira, Truss derrotou Rishi Sunak, ex-chanceler britânico. Sunak, de 42 anos, costumava ser o favorito para suceder Boris Johnson como líder conservador e primeiro-ministro do Reino Unido. Mas durante a disputa pela sucessão no Partido Conservador, ele passou a ser considerado uma espécie de zebra em meio ao amplo favoritismo de sua adversária, a ministra Liz Truss (Relações Exteriores).

Sunak, aliás, foi um dos principais responsáveis pela queda de Johnson, ao renunciar ao cargo de chanceler por causa de divergências éticas e econômicas com o primeiro-ministro. Para analistas, esse movimento teve efeito negativo na trajetória política de Sunak a ponto de parte dos conservadores o considerarem um traidor.

Com a nomeação para a liderança do Partido Conservador, Liz Truss passa a ser a quarta primeira-ministra do Reino Unido nos últimos seis anos.

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