- Rosana Simón Vázquez e Lara Diego González
- The Conversation*
Quando uma célula sofre uma mutação em um proto-oncogene — um gene que em seu estado normal regula o crescimento e a divisão celular — e se torna um oncogene, ela pode começar a se transformar em uma célula tumoral.
Se o sistema imunológico detecta essa célula mutante e é capaz de matá-la, ou se a própria célula detecta o erro e comete suicídio, ela não representa uma ameaça.
Mas se essa mutação se somar a outras alterações no genoma da célula que bloqueiam a apoptose (ou suicídio celular) e permitem que ela passe despercebida pelo sistema imunológico, o câncer vai aparecer.
Um dos oncogenes que se encontra frequentemente mutado em vários tumores, incluindo câncer de pulmão, colorretal e de pâncreas, é o KRAS (abreviação de oncogene homólogo do vírus Kirsten do sarcoma de rato).
Alvo prioritário por 40 anos
A proteína codificada por esse gene faz parte da família das oncoproteínas RAS (HRAS, NRAS e KRAS). Das três, a KRAS é a que se encontra mutada de forma mais frequente no câncer: está presente em aproximadamente 1 em cada 4 pacientes.
Por esta razão, tem sido um dos principais alvos terapêuticos no combate a esta doença desde a sua descoberta em 1982.
As mutações na proteína KRAS se concentram em uma de suas moléculas constituintes, o aminoácido 12 — embora também possa ocorrer no 13 e no 61 —, e desencadeiam a ativação permanente da proteína.
Como consequência, são ativadas mais de 10 cascatas de sinalização envolvidas na proliferação tumoral e na metástase.
Desde sua descoberta, foram estudadas várias estratégias para tentar bloquear a atividade do KRAS mutante, mas fazer isso de forma direta tem revelado uma grande complexidade, tanto pelas características da própria proteína quanto pela alta toxicidade gerada pelos medicamentos.
Por isso, a aprovação dos inibidores de KRAS como tratamento é aguardada há quatro décadas.
Finalmente chegam as primeiras drogas
Em maio de 2021, o primeiro inibidor de KRAS recebeu a aprovação da FDA, órgão regulador de alimentos e medicamentos dos EUA
Ele atua especificamente contra a mutação KRASG12C para o tratamento do câncer de pulmão e recebeu o nome comercial de Sotorasib (AMG510).
Meses depois, em janeiro de 2022, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA, na sigla em inglês) também aprovou o Sotorasib.
Além disso, a FDA está avaliando a aprovação de outro inibidor contra a mesma mutação, o Adagrasib (MRTX 849), que poderia ser comercializado em breve.
A mutação G12C (que consiste na alteração do aminoácido glicina na posição 12 por uma cisteína) é a mais frequente em pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas com KRAS mutado, que representam aproximadamente 13% de todos os pacientes com esse tipo de câncer.
Também está presente em alguns pacientes com câncer colorretal e de pâncreas, embora em uma porcentagem muito menor.
Atualmente, existem mais de 100 ensaios clínicos em pacientes com câncer de pulmão e colorretal para testar drogas que bloqueiam o KRAS ou as proteínas relacionadas à sua atividade.
Um dos alvos importantes para deter o efeito dessa oncoproteína é o receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR, na sigla em inglês), que é o mitógeno responsável pela ativação do KRAS. Em outras palavras, o sinal que ativa a proteína.
Alvos alternativos
Apesar de a proteína KRAS mutada ter sido um alvo difícil do ponto de vista farmacológico — chegando a ser considerada inacessível por várias décadas —, as proteínas relacionadas à sua ativação têm sido objeto de numerosos estudos como alvos alternativos e mais acessíveis.
Esses trabalhos permitiram ampliar o arsenal de drogas experimentais para inibir essa oncoproteína tão letal e seus colaboradores.
1. Inibidores de proteínas envolvidas na ativação do KRAS. SHP2 é uma fosfatase (um tipo de enzima) conhecida por promover a sobrevivência de células tumorais.
Embora os inibidores desenvolvidos contra essa molécula tenham mostrado eficácia limitada como tratamento único, sua combinação com terapias direcionadas a outras proteínas permitiu melhorar sua eficácia.
Outra molécula em estudo é a SOS1, que tem papel fundamental na ativação do KRAS. Sua inibição diminuiria a atividade da proteína e favoreceria a remissão do crescimento tumoral.
2. Inibidores de proteínas ativadas por KRAS. O KRAS ativa as vias de sinalização celular que permitem que as células tumorais sobrevivam, proliferem e invadam outros tecidos (metástase).
O bloqueio dessas vias mediante a inibição de algumas das proteínas envolvidas, como ERK ou mTOR, poderia permitir o controle da atividade pró-tumoral do KRAS.
Em outras palavras, se atacarmos os diretores ou mensageiros do KRAS, poderíamos anular seu efeito. Mas, assim como nos filmes de ação, quando o protagonista tenta desarmar uma bomba, é preciso tomar cuidado com o fio que vai ser cortado.
Bloquear as proteínas envolvidas na sinalização do KRAS pode ter efeitos colaterais importantes, uma vez que essas proteínas também são relevantes em outros processos fisiológicos.
O principal desafio atual é melhorar a eficácia dos inibidores já desenvolvidos.
A combinação entre eles, ou com diferentes drogas antitumorais, poderia ajudar não só a desenvolver terapias mais eficientes, como também a evitar a resistência a drogas que acontece quando se usa um único agente terapêutico.
Outro desafio fundamental é buscar novos inibidores que permitam silenciar o KRAS, independentemente de sua mutação específica.
Uma das estratégias terapêuticas mais promissoras é a imunoterapia — ou seja, o uso do próprio sistema imunológico do paciente para atacar as células tumorais que carregam uma ou várias mutações.
É o caso das vacinas, que também trabalhamos em nosso grupo de pesquisa, ou da terapia com células T (CART), ou seja, glóbulos brancos do paciente reprogramados para atacar seletivamente as células malignas.
E, finalmente, a terapia genética usando a tecnologia CRISPR/Cas9, destinada a silenciar ou reparar o gene mutado, também poderia encurralar essa oncoproteína tão evasiva.
O desenvolvimento de drogas eficazes para bloquear o KRAS e as vias de sinalização relacionadas será um marco muito importante no tratamento de muitos tumores.
Poderia até curar alguns tipos de câncer que atualmente têm um prognóstico ruim, como o de pâncreas.
*Rosana Simón Vázquez é doutora em bioquímica e biologia molecular. Pesquisadora na área de nanomedicina e imunologia na Universidade de Vigo, na Espanha.
Lara Diego González é pesquisadora de apoio à pesquisa. Grupo de Transplante e Autoimunidade do Hospital Universitário Marqués de Valdecillay, na Espanha.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em espanhol).
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