Crédito, Mohammed Badra/EPA-EFE/REX/Shutterstock

  • Author, Daniela Fernandes
  • Role, De Paris para a BBC News Brasil

“A Justiça francesa culpou quem morreu e não as empresas envolvidas na tragédia do voo Rio Paris”. É dessa forma que o diretor e co-fundador da Associação dos Familiares das Vítimas do Voo 447 (AFVV447), Marteen Van Sluys, avaliou, em entrevista à BBC News Brasil, a decisão do Tribunal Penal de Paris que considerou que a Airbus e a Air France não são culpadas pela catástrofe que matou 228 pessoas em 2009, a maior da história da aviação civil francesa.

Van Sluys, que perdeu sua irmã, Adriana, na tragédia, diz: “Começaram a julgar o erro a partir da atuação dos pilotos. Mas o que provocou toda a pane da aeronave foi minimizado no processo. A decisão reconhece que houve falhas técnicas, porém sugere que a culpa teria sido dos pilotos que poderiam ter agido de outra forma. Mas eles nem tinham treinamento para lidar com a situação que ocorreu”.

A aguardada decisão da Justiça francesa, quase 14 anos após o acidente, é decorrente do julgamento penal realizado entre outubro e dezembro de 2022, em que a Airbus e a Air France respondiam por homicídio culposo.

Os familiares das vítimas esperavam que esse julgamento, que teve inúmeras audiências com especialistas técnicos, revelasse que a catástrofe poderia ter sido evitada se as duas companhias tivessem sido mais rigorosas em relação à segurança.

A Justiça francesa, no entanto, considerou que, embora as duas empresas tenham cometido “falhas”, não foi possível demonstrar “nenhuma relação de causalidade certa” com o acidente.

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Marteen Van Sluys perdeu a irmã, Adriana, na tragédia

“Ser responsável, mas não culpado é ridículo, é um escárnio”, ressalta Van Sluys. Na avaliação dos familiares das vítimas, a decisão aponta a responsabilidade das empresas, mas não a culpa pela sucessão de eventos que provocou a queda do avião.

Isso porque, segundo o tribunal, a Airbus “cometeu quatro imprudências ou negligências”, sobretudo a não substituição dos modelos de sensores de velocidade (as sondas Pitot) fabricados pela francesa Thalès. O equipamento já havia congelado outras vezes em alta altitude, exatamente o que ocorreu com o voo AF447 e foi considerado o ponto de partida da catástrofe.

A Justiça também apontou que a Airbus falhou em “reter informações”.

A Air France cometeu, segundo a Justiça, duas “imprudências” relativas às modalidades de divulgação de uma nota informativa destinada aos pilotos sobre o congelamento das sondas de velocidade.

Mas na esfera penal, segundo o tribunal, uma relação de causalidade provável não é suficiente para tipificar um delito. “Por se tratar de falhas, não foi possível demonstrar uma relação de causalidade com o acidente”, avaliou a Justiça.

“Se partirmos desse princípio, nunca vai ter um culpado em acidentes aéreos. Vai ter sempre a possibilidade de corrigir algo que poderia evitar o acidente”, afirma.

“Eu tinha esperanças de que o veredito apontaria a culpa das empresas. Teria me sentido menos ultrajado”, afirma Van Sluys. Ele afirma ter ficado “muito decepcionado” com a decisão, que considera “revoltante”.

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Parte de destroços do avião da Air France que caiu em junho de 2009 no Oceano Atlântico

O diretor da AFVV447 afirma que o “baque só não foi maior” porque durante o julgamento em Paris, que levou nove semanas, os parentes das vítimas tiveram a percepção de que as duas empresas poderiam ser inocentadas. O Ministério Público francês não solicitou a condenação das companhias. Mesmo assim, havia, por parte dos familiares, a expectativa de uma decisão favorável às suas demandas.

“Sabíamos que seria muito difícil a Justiça ficar do nosso lado. Somos a parte mais fraca da história.” Para Van Sluys, houve um “interesse explícito” da Justiça francesa em inocentar duas grandes corporações do país, com um “forte lobby”.

“Uma sentença determinando a culpa seria algo muito pior para a imagem dessas empresas”, completa.

A Airbus é um consórcio europeu com sede na França.

“Nós esperávamos um julgamento imparcial, mas não foi o caso. Estamos enojados”, declarou Danièle Lamy, presidente da associação francesa Ajuda Mútua e Solidariedade, que representa os parentes de vítimas francesas. “Restam desses 14 anos de espera apenas desespero, consternação e raiva” disse.

Van Sluys afirma que se for possível, em termos jurídicos, ele e outros familiares, também de outros países, irão recorrer da decisão. “A ideia é levar isso até a última instância possível e mostrar que o caso não acabou. Estamos dispostos a esgotar todas as possibilidades. É uma questão de honra”, destaca.

“Vou até o fim. Não é por insistência. Perdemos vidas. Minha irmã era jornalista, atuava na área de direitos humanos, e faria o mesmo por mim”, destaca.

O acidente com o voo AF447 levou a mudanças na aviação.

Pouco após a catástrofe, o modelo de sonda de velocidade da Thalès que equipava o avião da Air France passou a ser proibido pela Agência Europeia da Aviação Civil, que passou a exigir a utilização de pelo menos duas sondas da marca americana Goodrich entre as três que os aviões possuem.

A formação dos pilotos também foi aperfeiçoada após a tragédia do voo Rio-Paris, além de melhorias nos sistemas dos aviões da Airbus.