Apresentador, humorista, escritor, diretor teatral, músico, jornalista, roteirista, ator e artista plástico. Foram muitas as carreiras de sucesso de José Eugenio Soares, mais conhecido como Jô Soares, morto nesta sexta-feira (05/08) aos 84 anos em São Paulo.
“Eclético total, o que mais gosta é tudo. (…) Sua expressão facial está na cara. Sua expressão corporal só se vê quando ele para. No dia em que morrer não deseja choro nem vela. Quer um enterro bem simples: apenas um caixão de pinho com oitocentos bispos vestidos de púrpura em volta, trezentas câmeras filmando e narração em dezessete línguas. Igualzinho ao do papa”, contava o também multifacetado Millôr Fernandes em texto de 1983 que abre a autobiografia O Livro de Jô em dois volumes escrita por Jô Soares em parceria com o jornalista e editor Matinas Suzuki Jr. (publicada em 2017 e 2018).
Jô nasceu no Rio de Janeiro em janeiro de 1938, filho de Orlando Soares e Mercedes Leal Soares. O casal já havia desistido de ter filhos, e a mãe de Jô, então com 40 anos, descobriu que estava grávida por acaso, já em estágio avançado da gravidez, depois de sentir dores enquanto cavalgava.
Ele se mudou ainda adolescente para a Europa (estudou de 1951 a 1956 na Suíça, onde ganhou o apelido de Joe) e pensava em ser diplomata naquela época. Mas a paixão pelo teatro (área em que arriscava já alguns números) o levou à carreira artística quando ele precisou voltar ao Brasil em meados dos anos 1950 porque seu pai, um empresário paraibano, enfrentava graves problemas financeiros.
Apesar da paixão pelo cinema e pelo teatro, seria um instrumento musical, o bongô, que lhe abriria as portas para mundo artístico.
“O Rio se aproximava de seu ano dourado, 1958, e eu estava por ali, gordíssimo de tantas possibilidades mas sem nada concreto ainda para fazer. Eu me divertia divertindo os outros, mas dinheiro que é bom, nada. Mesmo assim, havia muitas promessas de luz e, sempre que podia, eu dava um jeitinho de dar uma canja com o meu instrumento”, conta Jô em sua autobiografia.
Naquele momento, ele começava a ganhar fama com suas apresentações e os apelidos Joe Bongô ou Joe Soares. “‘Joe’ Soares, além de tocar bongô como poucos profissionais, faz difíceis imitações com grande poder de observação, canta e dança, e, com os dedos das mãos, “calçados e vestidos”, reproduz em miniatura os mais diversos malabarismos coreográficos”, lembrava o jornal Diário Carioca em 1956.
Sua primeira aparição “digna de nota” como ator, como ele mesmo pontuou em sua autobiografia, foi no filme O Homem do Sputnik, longa de 1959 dirigido por Carlos Manga em que interpretava um espião americano no Brasil.
Ao longo de sua carreira na TV, passou pela emissoras Continental, Tupi, Rio, Excelsior, Record, SBT e Globo. Entre os principais programas dessa trajetória estão Família Trapo (escrito por Jô e Carlos Alberto de Nóbrega, atualmente em A Praça é Nossa), Viva o Gordo, Planeta dos Homens, Jô Soares Onze e Meia e Programa do Jô.
Nos dois últimos programas, Jô Soares se destacou a partir dos anos 1980 como um dos principais entrevistadores do país por meio de uma atração televisiva inspirada nos formatos talk show e late show (“programa do final da noite na TV, com humor, música, entrevistas e, muito importante, plateia”, como ele descreve em sua autobiografia).
“Não foi uma mudança radical, mas uma continuação do meu trabalho de humor e também de jornalismo. Trabalhei no jornal Última Hora durante quatro anos, escrevi na Folha de S. Paulo e na revista Veja. E tem um lado de entrevista irreverente que só eu posso fazer, com os políticos”, contou Jô em entrevista ao portal Memória Globo. No programa Jô Soares Onze e Meia, por exemplo, foram mais de 6.000 entrevistas ao longo de 11 anos.
Em sua carreira como escritor, Jô escreveu obras bem-humoradas de ficção que misturavam fatos históricos, como O Homem que Matou Getúlio Vargas, Assassinatos na Academia Brasileira de Letras e O Xangô de Baker Street. Neste último, os personagens Sherlock Holmes e seu fiel assistente, John Watson, vão ao Rio de Janeiro investigar o sumiço de um violino e acabam esbarrando com um serial killer.
Em uma passagem do livro, o autor brinca com a possibilidade da dupla ter inventado a caipirinha. Watson sugere a Holmes não beber cachaça pura por ser algo fortíssimo. Por isso, sugere o parceiro, ele deveria adicionar limão ou laranja, além de gelo e açúcar “para compensar a queima produzida pelo álcool”.
É quando um personagem pergunta para outro sobre que mistura é aquela.
– Não sei, uma invenção daquele caipira ali – disse, apontando para o chapéu de vaqueiro de Watson.
– Qual deles, o grandão? – perguntou o rapaz, indicando Sherlock Holmes, todo de branco.
– Não, o caipira grande está só bebendo. Quem preparou foi o menorzinho, o caipirinha – respondeu o proprietário, batizando assim, para sempre a exótica mistura.
Lançado em 1995, O Xangô de Baker Street vendeu mais de 500 mil exemplares e foi traduzido para oito línguas (Jô, aliás, era conhecido como falar com fluência diversos idiomas, como inglês, alemão e francês). A obra também foi adaptada para o cinema em 2001, e Jô faz uma participação no filme como o desembargador Coelho Bastos.
Jô Soares foi casado com a designer Flávia Junqueira, a atriz Sylvia Bandeira e a também atriz Theresa Austregésilo, com quem teve um filho, Rafael, morto aos 50 anos em 2014 em decorrência de um câncer no cérebro.
“Este é o pesadelo de todo pai: que a ordem natural das coisas seja alterada e um filho se vá antes. Como ele era autista, manteve-se criança até o fim. O destino lhe propôs uma vida curta de provações e limitações, às quais ele respondeu como uma bem guardada felicidade interior”, escreveu Jô no segundo volume de sua autobiografia.
Segundo Junqueira, que anunciou nas redes sociais a morte do ex-marido na madrugada desta sexta-feira, o enterro de Jô Soares será fechado para familiares e amigos próximos. Ele estava internado no hospital Sírio Libanês desde o fim de julho, e a causa da morte não foi divulgada.
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