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Ele é descrito como um estado mental de calor, profundo apego emocional e compaixão pelas pessoas que compartilham laços comuns e o desejo inato de fazer algo pelo outro.

É o “jeong”, um conceito que é parte integrante da cultura e da sociedade sul-coreana há mais de 2 mil anos.

Certamente, muitas pessoas sentiram algo semelhante, especialmente aquelas que pertencem a culturas não-ocidentais ou que ainda não foram tão consumidas pelo mundo industrializado. Mas não é um conceito fácil de descrever verbalmente.

“É algo que você não aprende. Está enraizado e vem da vivência da experiência. Você pode aprender as regras, mas é mais intuitivo do que qualquer outra coisa”, disse Jihee Cho, psicóloga em Nova York e cofundadora da Mind in Motion Psychological Therapy, à BBC News Mundo, o serviço da BBC em espanhol.

Embora reconheça que existem atitudes semelhantes ao “jeong” em outras culturas, o conceito é único, exclusivamente coreano, baseado na ideia de responsabilidade social coletiva.

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As Olimpíadas de Seul em 1988 foram um momento de grande orgulho para os sul-coreanos e uma manifestação de ‘jeong’ coletivo.

O Ministério da Cultura, Esportes e Turismo da Coreia do Sul descreve-o assim: “Um sentimento caloroso de amor, afinidade, compaixão e vínculo entre pessoas que compartilham um vínculo emocional e psicológico”.

No entanto, Cho acrescenta que não é apenas entre pessoas. “Pode ser um vínculo com objetos, lugares, animais de estimação. Qualquer coisa com a qual você possa desenvolver um vínculo.”

Jihee Cho nasceu na Coreia do Sul, onde cresceu e viveu até os 13 anos. Sua família morava no mesmo bairro há 30 anos. Era uma comunidade onde todos se conheciam, não só as famílias que ali viviam, mas os donos dos comércios e lojas, bares e restaurantes.

“Eles me perguntaram como eu estava, como eu estava na escola. Todo mundo sabia que minha mãe trabalhava e se eu precisasse de alguma coisa me davam sem ter que pagar. Saber sem pensar duas vezes que meus pais pagariam mais tarde faz parte desse sentimento de familiaridade”, explica De Jeong.

Na cultura coreana, as pessoas próximas são chamadas de “tios” e “tias”. Além disso, quando se referem às mães, não dizem “minha mãe”, mas “nossa mãe”.

Depois de se mudar para os Estados Unidos, onde estudou, fez doutorado e abriu seu consultório em Nova York, Cho não esqueceu a prática do “jeong”, principalmente na cidade grande, onde a sociedade é cada vez mais fragmentada e individualista.

Desde o início manteve-se próxima de duas ou três famílias com quem conviveu. Elas se viam na igreja e faziam atividades juntas.

Várias mulheres engravidaram ao mesmo tempo e compartilharam suas experiências. “Através de nossas experiências mútuas, sabemos muito sobre nós mesmos e nossas famílias”, disse ela.

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Você doaria suas joias de ouro para financiar a dívida do seu país, como os sul-coreanos fizeram em massa em 1998?

Mais do que apenas gentileza

Há dois anos, seu pai morreu repentinamente durante a pandemia e ela teve que viajar com urgência para a Coreia do Sul. Foi um momento crítico em que seus amigos expressaram novamente a atitude de “jeong”.

“Sem precisar de maiores explicações, eles imediatamente se envolveram na situação. Um amigo meu preparava o café da manhã para meu bebê, outra família trazia coisas que meu marido poderia precisar, vinham nos finais de semana para acompanhá-lo. Esse é um exemplo de como isso é praticado”, afirma.

Pode ser visto como um simples ato de gentileza, mas Cho diz que se trata mais de saber intuitivamente o que uma pessoa pode precisar em tempos difíceis. Isso vai além de ser um bom vizinho ou ser solidário, é se importar verdadeiramente com a outra pessoa.

“É um envolvimento ativo, uma interação genuína e contínua. Uma curiosidade sincera pelo bem-estar de alguém”, acrescenta.

Mas não se expressa apenas nos momentos de dificuldade. Também pode acontecer em momentos positivos, de alegria. “Se alguém recebe uma boa notícia, também ficamos felizes com isso. Participamos coletivamente.”

Sacrifício coletivo

Essa ideia de coletividade é a base do “jeong”, que pode se estender além da esfera familiar e comunitária, englobando o local de trabalho e a identidade da nação.

Em relação a esse último, Cho recorda dois acontecimentos marcantes para a Coreia do Sul que ocorreram em 1998.

Um deles foi a profunda crise financeira que o país atravessou ao enfrentar o pagamento de uma dívida de bilhões de dólares com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

O governo iniciou uma enorme campanha midiática pedindo aos seus cidadãos que doassem seus itens de ouro para recolher metais preciosos suficientes para ajudar a saldar a dívida. Milhares vieram entregar seus anéis, colares, relógios e outras roupas.

“Quem faria isso? Por que você doaria seu ouro, que é seu próprio recurso?”, pergunta ela. “Mas foi um grande momento. Um movimento de sacrifício nacional com o qual a dificuldade foi superada.”

Dez anos antes, houve outro momento de “jeong nacional”, que foi a candidatura de Seul para sediar os Jogos Olímpicos. Os sul-coreanos tiveram que trabalhar muito para atingir esse objetivo.

“Mas não era o objetivo do país”, insiste Cho, “era o objetivo de todos, porque todos partilhamos o nosso apego à nação”.

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As comunidades latinas expressam sentimentos semelhantes aos do “jeong”, diz psicóloga.

Contra o isolamento da cidade grande

A psicóloga é especialista em depressão, ansiedade e relacionamentos pessoais. Esses são aspectos da saúde mental que são afetados pela vida em Nova York, onde ela tem seu consultório.

A cidade pode ser muito isolada, diz ela, e se as pessoas não saírem da sua bolha, torna-se muito difícil criar e manter relações. Muitos de seus pacientes podem ficar deprimidos e começar a ficar egocêntricos. É quando Cho aplica o conceito de “jeong”.

“Parte do meu trabalho como terapeuta não é dizer-lhes o que fazer, mas orientá-los para encontrar um ponto de partida para o que podem fazer”, explica ela. “Conversamos sobre como eles podem criar suas próprias comunidades, encontrar pessoas que pensam como você e desenvolver relacionamentos.”

Essa implementação do “jeong” é um pequeno começo. Na verdade, é preciso compartilhá-lo sem esperar nada em troca e não perder a oportunidade de praticá-lo. “Então vá em frente, dê uma chance, procure conhecer a pessoa, saia para almoçar, mande uma mensagem perguntando como ela está e veja se ela quer te conhecer mais”, sugere aos pacientes.

Ao dizer que quem oferece “jeong” beneficia mais do que quem recebe, ela alerta sobre a reciprocidade necessáaria. Muito “jeong” unilateral pode prejudicar um relacionamento, diz.

“A pessoa que recebe muito ‘jeong’ pode se sentir sobrecarregada. Tem que haver um equilíbrio intuitivo com a pessoa com quem você está compartilhando.”

Embora um conceito tão profundamente pessoal não possa ser medido cientificamente, existem muitas expressões na língua sul-coreana que dão valor ao conceito.

“Dizer que você não tem ‘jeong’ significa que você não tem apreço por alguém”, afirma a psicóloga. “Quando você inicia um relacionamento, você está ‘cultivando’ o ‘jeong’, mas se ele começar a vacilar, você está ‘aposentando’ o ‘jeong’.”

‘Jeong’ estilo latino

Apesar dessa tradição antiga, a Coreia do Sul moderna tornou-se uma sociedade altamente competitiva, onde os seus cidadãos vivem sob constante pressão para melhorarem, alcançarem as melhores qualificações profissionais e os melhores empregos a qualquer custo.

Como resultado, a população está sobrecarregada, estressada e privada de sono. Isso levou a uma epidemia de dependência de estimulantes e até mesmo de suicídio.

“O que tenho notado ao longo do tempo é que o individualismo tem assumido o controle”, diz Cho. “Antigamente havia uma tendência à coletividade. Agora, possivelmente com a globalização, a internet, estamos nos tornando mais egoístas.”

Curiosamente, embora o nível de “jeong” possa estar diminuindo no seu país de origem, a terapeuta identificou um sentimento semelhante entre outras comunidades migrantes em Nova Iorque, particularmente os latinos.

“Os latinos são coletivos, tendem a viver nos mesmos lugares”, diz ela. “Na minha experiência com meus clientes latinos, vejo que eles também tendem a chamar de ‘tío’ ou ‘tía’ as pessoas de quem se sentem próximos. “Às vezes é difícil saber se são de fato familiares ou amigos próximos.”

Como exemplo, Cho lembra-se de uma paciente que comparecia às sessões acompanhada pela avó. Depois que a sessão começava, a idosa voltava novamente para ver ela se estava com fome.

“Essa é uma maneira de expressar ‘jeong’. Não sei se existe uma palavra assim na comunidade latina, mas é muito parecido”, finaliza.