A invasão e depredação de prédios dos três poderes em Brasília gerou uma sensação de “redenção” e “motivação” em grupos e canais bolsonaristas no Telegram, segundo David Nemer, professor da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, e pesquisador de antropologia da tecnologia.
“Isso deu muito gás para as pessoas começarem a ter mais ideias e mais motivação em promover atos parecidos nas suas regiões”, identificou Nemer, que acompanha mais de 120 grupos bolsonaristas.
“Ali dentro dos grupos tem um sentimento não de dever cumprido, mas de que a missão continua. Isso deu uma sobrevida, porque, com a promulgação das eleições, a fuga do Bolsonaro, a declaração do Mourão… tudo isso jogou um balde de água fria nesses acampamentos em frente aos quarteis generais”, disse.
Jair Bolsonaro viajou aos Estados Unidos em 30 de dezembro e lá permanece. E o então presidente em exercício, Hamilton Mourão, criticou “lideranças” que, “com o silêncio”, deixaram crescer um clima de desagregação no país e levaram para as Forças Armadas a conta por “inação” ou por um “pretenso golpe”. Na véspera da posse de Lula, disse também que a “alternância de poder em uma democracia é saudável e deve ser preservada”.
Na avaliação de Nemer sobre a narrativa bolsonarista nos grupos, a invasão em Brasília não gerou uma sensação de vitória, mas um sentimento de que se tratou de “uma batalha no caminho para vencer a guerra”.
Nemer diz que “eles só vão parar no momento que o financiamento acabar”. “Enquanto a Justiça não chegar aos financiadores, que não vão pro front, eles vão injetar dinheiro e infraestrutura para continuar”, disse.
Ao mesmo tempo, governadores e prefeitos têm se pronunciado sobre segurança em suas áreas. E o governo federal convidou governadores para se reunirem com Lula nesta segunda (9/1), em Brasília.
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, por exemplo, anunciou que viaja a Brasília nesta segunda para se reunir com Lula e disse que o Rio Grande do Sul está “com as forças de segurança prontas para resposta FIRME e IMEDIATA diante de qualquer tentativa de subversão da ordem”.
O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes escreveu nesta segunda que estava reunido com autoridades locais “para garantir o respeito ao estado democrático de direito na cidade do Rio”, depois de dizer que vai retirar “todos os objetos e barracas que ocupam o espaço público tomado por manifestantes que atentam contra a democracia na praça Duque de Caxias”.
‘Mobilização forte’
A pesquisadora Andressa Costa, do Centro de Administração e Políticas Públicas da Universidade de Lisboa, que acompanha diariamente grupos no Telegram, também identificou o que chamou de uma “mobilização bastante forte” para tentar promover outros atos pelo país.
“Na noite de domingo, estavam especialmente tentando fazer mobilizações de paralisação, de bloqueio de rodovias, chamando os caminhoneiros…Isso foi o principal. Mas também tinha mensagens chamando para protesto na Avenida Paulista, chamando para quarteis de outras cidades…”
Costa aponta inclusive o uso de imagens e mensagens usadas em outras ocasiões, como nos atos logo após as eleições, para, segundo ela, “tentar manter os grupos aquecidos com essa questão da mobilização”.
E o que querem esses grupos? A professora de comunicação na UFRJ Letícia Capone, que integra o Grupo de Pesquisa em Comunicação, Internet e Política da PUC-RJ, explica que eles seguem com a ideia golpista de que as Forças Armadas tomem o poder.
“O que a gente percebe pelas narrativas que são disseminadas entre esses manifestantes antidemocráticos ligados ao campo bolsonarista é a narrativa de que existe a expectativa de que as Forças Armadas vão atuar na defesa desse grupo para que Lula seja impedido de governar”, diz Capone.
Bolsonaro, depois de horas em silêncio, escreveu no Twitter no domingo que “manifestações pacíficas, na forma da lei, fazem parte da democracia”, mas que “depredações e invasões de prédios públicos como ocorridos no dia de hoje, assim como os praticados pela esquerda em 2013 e 2017, fogem à regra”.
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