Foi prometido por muitos anos que um dia o esporte feminino teria o reconhecimento que merece.
Após um campeonato de futebol europeu feminino da UEFA que quebrou recordes de público e audiência, o retorno do Tour de France feminino depois de décadas e o anúncio de que os Jogos da Commonwealth de Birmingham de 2022 serão a primeira competição multiesportiva a ter mais eventos femininos do que masculinos, esse dia finalmente chegou?
Aqui, vamos entender por que este pode ser um momento de avanço para o esporte feminino.
O torneio da UEFA Women’s Euro 2022 quebrou recordes de público e audiência — com mais pessoas assistindo aos jogos pessoalmente nos estádios e em casa, pela TV.
Mesmo antes de um único gol ser marcado, já havia algo muito diferente na competição.
A multidão no estádio OId Trafford de Manchester (um total de 68.871 pessoas) assistiu ao jogo de abertura com as anfitrãs Inglaterra e Áustria —estabelecendo um novo recorde de público na história do torneio continental.
Em seguida, a final Inglaterra x Alemanha em Wembley, com ingressos esgotados, no dia 31 de julho, superou essa marca – atraindo a maior multidão da história da Euro entre homens e mulheres – com 87.192 pessoas.
Os torcedores que compareceram às partidas também contribuíram para estabelecer um novo recorde de participação total no torneio.
Mesmo se não contasse com a ajuda de uma final esgotada, a UEFA anunciou que 487.683 pessoas haviam participado da Euro 2022 até o momento — o que já era o dobro do recorde anterior de 240.055 estabelecido durante a Euro 2017, na Holanda.
Mas o público também quebrou recordes à distância, com 17,42 milhões de pessoas no Reino Unido vendo a final pela televisão.
Essa é a maior audiência de TV do Reino Unido para o futebol feminino. E fizeram isso enquanto testemunhavam a história, vendo a primeira vitória do time inglês no torneio ao derrotar a Alemanha por 2 a 1 na prorrogação.
Mesmo antes disso, depois das quartas de final, a UEFA anunciou que a competição havia quebrado recordes de audiência em todo o mundo. A organização afirmou que os números “aumentaram 58% em comparação com os anteriores” das Euros femininas.
E “a partida de abertura do torneio, Inglaterra x Áustria, foi a mais socialmente engajada da fase de grupos, com mais de 11,5 milhões de interações nas redes sociais”.
Renata Mendonça, ex-jornalista da BBC News Brasil que atualmente é comentarista de futebol na TV Globo, diz que o sucesso do torneio não deveria ser uma surpresa.
“O público abraçou o futebol feminino. A Inglaterra é um país que investiu muito no futebol feminino na última década e o retorno não se limita ao sucesso da seleção nacional”, explica Mendonça.
A comentarista da Globo vê o torneio como um sinal de que novas oportunidades para o esporte feminino estão em jogo.
“Nunca houve tanta visibilidade para as mulheres como atletas em vez de ‘musas’. E a ironia disso para os torcedores ingleses é que foi preciso que as mulheres finalmente fizessem o futebol ‘voltar para casa'”, acrescenta Mendonça, em referência ao popular canto criado para a seleção masculina de futebol Inglaterra.
E a capitã feminina da Inglaterra concorda.
“O legado deste time é uma mudança na sociedade”, disse Leah Williamson.
“É tudo o que fizemos, reunimos todo mundo, temos público nos jogos.”
E muitas pessoas notaram que isso poderia inspirar mais meninas a entrar no esporte, incluindo a rainha Elizabeth 2ª, que disse em uma mensagem de felicitações: “Vocês deram um exemplo que será uma inspiração para meninas e mulheres hoje e para as gerações futuras”.
Como é em outras partes do mundo?
O torneio continental da América do Sul, a Copa América Feminina, aconteceu simultaneamente à Euro 2022.
Disputado na Colômbia, o torneio não atraiu multidões nem perto do tamanho da Europa e foi marcado por protestos em campo de jogadoras exigindo mais investimentos.
Mas mesmo assim o público foi maior do que no campeonato anterior, realizado no Chile, em 2018.
Na América do Sul, mais especificamente no Brasil, as pessoas já demonstram apetite para assistir ao futebol feminino.
Na última Copa do Mundo da Fifa, sediada pela França em 2019, os torcedores brasileiros bateram o recorde de jogo mais assistido: 30 milhões de pessoas sintonizaram para assistir à partida válida pelas oitavas de final contra os anfitriões.
Na África, um público recorde de quase 50 mil pessoas assistiu a África do Sul derrotar o anfitrião Marrocos na final da Copa das Nações Africanas Femininas, no dia 23 de julho.
As mulheres também ganharam o próprio Tour de France — o primeiro em três décadas
O ciclismo profissional é definitivamente um esporte com um problema de desequilíbrio de gênero. Uma evidência é que levou 33 anos para as mulheres reconquistarem o direito de competir no famoso Tour de France — a corrida de estrada mais prestigiada do mundo.
Mais de 140 atletas participaram do retorno triunfal do evento feminino, realizado anteriormente em 1955 e de 1984 a 1989. Os organizadores justificaram o hiato como consequência do desinteresse da mídia e dos patrocinadores.
No entanto, esse argumento foi derrubado em 2020, quando um tour virtual promovido pela empresa suíça de tecnologia fitness Zwift atraiu níveis massivos de audiência para o evento feminino — a Zwift patrocinou o Tour de France Femmes.
Sim, as disparidades ainda existem: a vencedora da corrida, Annemiek van Vleuten, da Holanda, ganhou US$ 50 mil (R$ 260 mil) em prêmios em dinheiro, 10 vezes menos que o vencedor do Tour masculino, o dinamarquês Jonas Vingegaard.
Além disso, o Tour de France Femmes durou apenas oito dias, enquanto a duração do torneio masculino é de três semanas.
Ainda assim, as atletas comemoram uma batalha vencida em uma guerra pela igualdade.
“Estou super orgulhosa de ser a primeira vencedora do Tour de France para mulheres, nesta nova versão”, disse Van Vleuten.
“Espero que seja um grande começo e que possamos transformar isso em um evento ainda maior. É um marco vencer o primeiro de, espero, muitos outros.”
Mais eventos femininos do que masculinos
Os Jogos da Commonwealth de 2022, que ocorrem atualmente em Birmingham, no Reino Unido, já prometia ser uma competição muito especial graças à decisão de ter os eventos paralímpicos no programa principal.
Mas outra novidade desta edição do evento que reúne 75 países que ganhou manchetes ainda maiores é que será a primeira competição do tipo, incluindo as Olimpíadas, a conceder mais medalhas a mulheres do que a homens.
Não é uma grande diferença em números absolutos —136 medalhas femininas contra 134 masculinas — mas seu significado é muito maior.
“Nosso programa de eventos foi projetado especificamente para alcançar novos públicos e defender o crescimento do esporte feminino”, disse Ian Reid, CEO da Birmingham 2002, sobre a decisão.
Então, este é o momento de avanço que o esporte feminino estava esperando?
Parece que sim, se os eventos ao redor do mundo continuarem atingindo números significativos de cobertura, participação e audiência.
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